1. Mensagem de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, com data de 17 de Julho de 2009:
Olá amigo Carlos,
Junto encontrarás mais um pouco da minha história.
Se vires que algo possa ser ofensivo para alguém agradeço que faças o óbvio: dá-lhe o nó que eu até agradeço.
Com votos de muita saúde para esses lados do Atlântico.
Um abraço amigo,
José Câmara
Os primeiros passos na Guiné
A Companhia de Caçadores 3327 quando chegou à Guiné já tinha o seu IAO feito e sabia-se que a mesma iria ficar em Bissau durante algum tempo. Como não ia substituir nenhuma Companhia, não lhe foi dado qualquer treino operacional.
A Companhia passou as primeiras três semanas no Depósito de Adidos em Brá, tendo depois mudado para o AGRBIS onde permaneceu até ao dia 6 de Abril de 1971.
Estes dois meses revelaram-se como estando entre os piores momentos de toda a comissão.
AGRBIS > O arame farpado, as bananeiras , as papaeiras e o barro vermelho.
A adaptação ao calor da Guiné tornava-se muito difícil a que não era alheio o facto de estarmos instalados em barracas de campanha. Para quem fazia serviço de noite era impossível descançar de dia dentro das barracas. Assim cada um procurava um sítio que lhe permitisse algum descanço, missão quase impossível num local barrento e sem arvoredo.
A mudança para o AGRBIS com instalações muito boas para a época vieram minimizar as condições salubres e de alimentação. Em contrapartida a Companhia teve que enfrentar no austero Coronel Santos Costa (?), Comandante do AGRBIS e a quem tinham apelidado de O Onze, uma disciplina que ultrapassava em muito aquilo que era razoável e normal. O Coronel usou e abusou do RDM e transformou uma Companhia disciplinada num autêntico desastre, históricamente falando. Foi pena!
AGRBIS > Tanques de água
Outro factor que contribuiu para o mal estar da Companhia em Bissau, em príncipio, foi a falta de correspondência. Como afirmei anteriormente a Companhia teve o seu embarque marcado para o dia 5 de Janeiro, mas só veio a verificar-se a 21 do mesmo mês. Entretanto os militares foram avisados para informarem os familiares e aqueles com quem mantinham correspondência que a deviam mandar para o SPM da Companhia. Infelizmente o sistema do Serviço Postal Militar não foi devidamente informado de que a Companhia ficaria no DA, e a correspondência acabou por ficar congelada em Bissalanca durante algum tempo.
AGRBIS > Mensagem visiual diária da guerra – Helis a grande altitude em direçãao ao sul
Foi durante a estada no DA que teve lugar a cerimónia de boas-vindas pelo então Comandante-Chefe General Spínola. Não o conhecia! O seu discurso foi empolgante e trouxe, ao menos para mim, uma faceta nova a tudo aquilo que me tinham ensinado na Recruta e Especialidade. A guerra não poderia ser ganha se não conquistássemos a população e não a tivéssemos connosco. Isso só poderia ser obtido com respeito pelo ser humano, pelos suas tradições, pela sua forma de estar. Era, julgo eu, a base essencial da sua estratégia para UMA GUINÉ MELHOR!
A seguir às cerimónias o General teve uma reunião com todos os graduados das Forças que agora começavam a sua comissão. Mais uma vez o General no seu estilo militarista peculiar alertou para os perigos que iriamos enfrentar, e exortou-nos a respeitar os nativos, e a fazer da Guiné um pedaço de terra do qual todos nós nos pudessemos orgulhar no futuro.
Durante a sua alocução falou-nos da importância que era reservada aos diferentes postos de comando, e referiu-se especialmente aos Primeiros Sargentos das Companhias, equiparando-os às nossas mães, arrancando assim uma gargalhada geral. O General até conseguiu rir-se com as suas próprias palavras.
Confesso que mais tarde acabei por perceber o que ele então nos quiz dizer.
Foi nessa altura que o Capitão Parracho, comandante da Companhia de Caçadores 3325 entrou, tendo sido de imediato interpelado pelo General na sua falta de comparência ao príncipio da reunião. O Capitão, com o àvontade próprio de alguma experiência, respondeu que estivera a prepar as coisas necessárias à sua Companhia que iria seguir para o mato nessa noite. No meio da gargalhada e da boa disposição do momento, as palavras do Capitão tiveram o efeito de uma lufada de ar gelado. Sabíamos que o destino da sua Companhia era Guileje.
Finda a audiência entrámos nas despediadas normais daquelas ocasiões. Cada um seguiria, a partir de agora, o seu próprio destino. A madeirense 3325 ia para Guilege. A açoriana 3326 ia para Mampatá, a 3327, a minha Companhia, ficava em Bissau e a 3328 ia para Bula.
Nessa despedida estava o meu bom amigo Fur Mil Bernardino Val da CCaç 3325. Era natural da área de Viseu. Tínhamos sido camaradas de Pelotão na Recruta, marchámos lado a lado e as nossas tarimbas também eram lado a lado. Na Especialidade foi voluntário para o Curso de Comandos, o seu sonho. Acabaria tirando o Curso de Minas e Armadilhas. Encontrámo-nos no Funchal, e mais tarde em Santa Margarida. Viajámos juntos até à Guiné.
Primeiro Turno 1970 - O Instruendo Bernardino Val em Tavira. Fur Mil da CCaç 3325.
No abraço de despedida ficou a última vez que nos veríamos. O Val não voltaria.
José Câmara
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4621: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (4): A viagem até à Guiné
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
caro camarada
Ao ler o teu post. dei com a tua referencia à C.CAÇ. 3326 que efectivamente foi quem nos rendeu em Mampatá.
A C.CCÇ 3326, creio se a memória não me trai, tinha como Cap. um oficial vindo da Guarda Fiscal.
O meu G.COMB. foi o último a sair de MAMPATÁ, ficando a instruir os novos Piras que numa das nossas saidas tiveram logo baixas.
Qunto ao Cor. Santos Costa ( o onze), eu qualquer dia escrevo um post. sobre essa ave rara.
Um abraço
Mário Pinto
Caro Mario Pinto,
Na verdade o comandante da CCaç 3326 era o Cap Mil José Paula de Carvalho.
Esse oficial, com o posto de Alferes foi para a Guarda Fiscal, foi "repescado", como tantos outros, para servir no Ultramar.
Um abraço,
José Câmara
Olá, boa noite!
Vasco Lourenço refere-se, numa longa entrevista que deu a Maria Manuela Cruzeiro, a um militar apelidado pelos restantes de "11". Tudo me leva a crer que se tratará de Santos Costa. Seria possível saber a origem dessa alcunha que lhe foi atribuída?
Muito obrigada,
Natália Santos
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