quinta-feira, 19 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4053: Blogoterapia (98): José Silva, um camarada com muita falta de sorte

1. Mensagem de um nosso camarada que não se assina, mas que julgamos tratar-se de José Silva, com data de 17 de Março de 2009:

Como todos vós fui mobilizado para a Guiné, 1971/73 - Aldeia Formosa, onde cumpri a minha comissão, mau grado os infortúnios que podiam advir no teatro de guerra. Poderei afirmar com toda a veemência que a corrente do destino, se é que há destino, se caudicou ao escolher uma vítima, que já o era antes de ter sido.

Após a recruta e encaminhado para a Especialidade de Transmissões de Infantaria (BCC5) Batalhão de Caçadores 5 em Campolide - Lisboa: foi já no IAO, com duas semanas de campo, se a memória não me falha, que fui acometido de doença súbita, no (Inverno do meu descontentemento), perdoem-me o plágio, que a meningite surge nua e crua, a um jovem militar envaidecido com a sua Especialidade e nas espectativas que na época se empolavam.

Transferido para o (HMDIC), em estado muito grave, foi através de algumas vontades altruístas que fui atendido por uma equipa médica, a quem muito devo e quem dera hoje em dia poder abraçá-los, pelo trabalho que tiveram para me curarem de tal maleita, como se dizia em meias idades e há uns séculos atrás. Pensei na altura e já a caminho de casa para uns dias de recuperação, que talvez essa grave doença inibice qualquer hipótese de mobilização, mas como já referi tal não aconteceu.

Ao afirmar dupla vitimização, incluo como é óbvio a ida para a Guiné, a poucos quilómetros de Conácri e num aquartelamento, que como Comando de Agrupamemto, era um alvo apetecível para o PAIGC, com sequentes ataques ao aquartelamento, que se dividiam ora com mísseis terra-ar e canhoadas ou com grupos suicídas, que se encostavam ao arame farpado com a costureirinha e roquetada prá frente, e isto meus amigos foi um caso muito sério, pois às vezes estávamos debaixo de fogo uma e hora e meia.

Hoje em dia, ataques de pânico depressão crónica e enfisema pulmonar: alguém é servido? Perdoem-me ser mordaz, mas a revolta continua.

Sei que em alguns hospitais há a consulta de Stress Pós-Traumático, mas também sei que a maioria nem um tiro deu e, sem vergonha apresentam-se como vítimas da guerra, tendo estado em locais onde as grandes farras e caçadas erm prato do dia. Espero que alguém ponha fim à farsa e que aos hospitais sejam exigidas políticas de atendimento, de forma a evitar os trapaçeiros. Aqui no Porto não há essa política de verdade, não por culpa dos hospitais, mas por políticas descabidas. Era bem preciso que se pusesse fim ao trapaceirismo que já existe por quem diz ter traumas, com o fito de obter relatórios favoráveis para as juntas médicas.

2. Comentário de CV

Aqui fica o desabafo deste nosso camarada que sofre na pele as mazelas deixadas pela sua estada na Guiné. Sabemos que há pessoas que se aproveitam das possibilidades dadas aos verdadeiros doentes para obterem de forma fraudulenta benesses a que não têm direito. Cabe às autoridades e aos técnicos de saúde separar o trio do joio.

Os que são mesmo doentes devem dirigir-se ao hospital mais próximo, Liga dos Combatentes ou Associação dos Deficientes das Forças Armadas e apresentar o seu problema, fazendo menção à qualidade de ex-combatentes da Guerra Colonial.

Olhando pela sua saúde e procurando ajuda, contribuem para o bem-estar do agregado familiar em que estão inseridos.

A todos os camaradas na situação deste nosso companheiro, José Silva (?), os nossos desejos de rápidas melhoras.
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Vd. último poste da série de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4032: Blogoterapia (97): Pois.. Juvenal Amado, Assim não falamos na primeira pessoa (José Brás)

4 comentários:

Anónimo disse...

Não sei o José Silva é associado da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra, cuja Delegação do Porto tem morada em Miragaia.

Em caso afirmativo aconselho-o a deslocar-se lá, e marcar consulta com o psicólogo que ali atende semanalmente ex-Combatentes com stress pós-traumático de guerra, afim de entregar cópia do seu processo clínico, para que o seu problema seja levado a outras instâncias.

Também me parece que existe no Hospital Militar do Porto, possibilidade de marcação de consulta para ex-Combatentes com stress pós-traumático de guerra, onde o José deve apresentar o historial das suas doenças e perguntar o que deve fazer para o tratarem como deve ser.

Tem sido fácil desmascarar alguns oportunistas dos tais a que o J.S. se refere, desde logo por não possuírem passado clínico devidamente comprovado nos últimos 30/40 anos, pois quem sofre desta doença não pode ser desde ontem apenas.

Ao falar-se de doentes com stress, eu tenho a minha opinião pessoal perfeitamente formada e passo a contar-vos.

Afinal onde se iniciava o tão doentio stress pós-traumático?

Era só quando o pessoal caía debaixo de fogo?

Tinha 21 anos (penso que hoje a maioria dos putos com 21 anos tem a mentalidade que nós tínhamos com 12/13 no nosso tempo), quando acabei a especialidade em fins de 1973 segui para o R.I.16 em Évora.

Ali se foram juntando centenas de outros camaradas oriundos das mais diversas unidades, com as mais diversas especialidades.

Para quê todos nós sabemos. Serem mobilizados (carne para canhão como se dizia à boca cheia). Alguns para dar/receber mais alguma instrução. Formar batalhões. Guia de marcha: Ultramar (sendo os mais temidas mobilizações para Angola, Moçambique e Guiné).

E se uns eram mais "fortes" que outros e aparentavam serenidade nestes períodos, outros haviam que nem queriam ouvir nada, para não se sentirem "mal". Quando saiu a mobilização do meu batalhão houveram alguns que me pediram, para eu ir ver se o nome deles constava da lista. Por medo ou superstição? Não lhes perguntei!

Mas a grande maioria consciente dos riscos que envolvia a guerra, entre eles malta já casada e com filhos como eu, devorava e espalhava as notícias que chegavam ao quartel, por cartas ou por telefonemas.

As notícias ÚNICAS que nos interessavam e OBSECAVAM, todos os dias, horas e momentos, eram as que nos chegavam das diversas frentes de guerra: anteontem morreram mais 2 em Moçambique, ontem morreram mais 3 em combate na Guiné e hoje morreu mais um na Angola. Este mês já morreram 60.

Doentio não é!

Então meus amigos permitam-me concluir, porque disso sou testemunha viva, que, desde logo, para muitos dos mobilizados, foi aí que se iniciou o stress-traumático, como é lógico, de intensidade pessoal variável. Era bem patente em alguns que algo não estava bem, quer através das conversas, quer através da mudança de atitudes e hábitos como a súbita procura de isolamento, a perda de comunicação e a busca de silêncio.

Outros exteriorizavam terríveis crises de ansiedade, por vezes denunciadas pelo choro e, ou, por lancinantes e dolorosas lamentações.

Outros ainda confessavam tímida e envergonhadamente que durante as tentativas para dormir, eram assolados por terríveis pesadelos.

Enfim, talvez por ser filho de tropa e ter visto o meu falecido pai ser mobilizado e preparar os tarecos umas 5 vezes (3 em Angola e 2 em Moçambique), não me custou por aí além.

Mas como não sou de ferro, é claro que a mobilização para a Guiné "acagaçou-me", até que aconteceu o 25A. Mas não fugi e fui para Cumeré, Mansoa e Brá.
Tive "sorte" mas cumpri a minha parte!

Para dizer a verdade, não há dia que não fale na Guiné e na guerra.

Se isto não é stress pós-traumático, é pelo menos um sintoma que me incomoda e incomoda os que me rodeiam, fartos de ouvir falar desta "tara"!

Magalhães Ribeiro

Anónimo disse...

Olá Camaradas
Os conselhos do Magalhães Ribeiro são mesmo de seguir para quem se achar com direito à "compensação".
Aqui há dias, indaguei junto da ADFA , qual o procedimento a seguir para um amigo que, me parece, preenche essas condições.Referiram-me que existe consulta quase todos os dias, a partir da qual se desenrola o processo. E aqui, é que a porca torce o rabo. Parece que no Hospital Militar os processos não andam. Chegaram a referir-me quatro anos!!!
Na verdade, isto é de ficar maluco.
O que deveria ser simples, a partir da necessária triagem, deve ser um calvário.
E, mais grave, com tantas impunidades e geitos feitos, pode acontecer que alguém, necessitado e merecedor, desista da tentativa só pela descrição da eternidade.
Será que vai haver vontade política para resolver a situação? Será que se pode desencadear alguma pressão pera que esses políticos da treta tornem o processo mais digno?
Infelizmente, deputados e autarcas beneficiam de reformas priveligeadas, caso contrário, talvez já tivessem metido mãos à obra. E não argumentem que não sabem, que não é com eles. Porque são eles que gerem a coisa pública, e mal do gestor que não fiscaliza as suas determinações.
Abraços fraternos
José Dinis

Anónimo disse...

Amigo José Silva, acabo de ser informado pelo Luís Nabais que a ADFA - Associação de Deficientes das Forças Armadas, tem consultas para os ex-Combatentes que sofrem de stress pós-traumático de guerra.

Basta ligar para lá e marcar consulta.

Mais informou que em Lisboa, para todos os ex-Combatentes, a ADFA já tem consultas de estomatologia a funcionar, é claro que se não tiverem o cartão da ADM terão de pagar, mas sempre é mais barato que "nos consultórios "convencionais".

Magalhães Ribeiro

Anónimo disse...

Claro que a sorte não é igual para todos. Se assim fosse não se poderia chamar SORTE.

Também estive no BC5 a tirar a mesma especialidade, só que já vinha do CICA4 em Coimbra com a especialidade condutor. Era comandante da companhia o Capitão Carlos Fabião. No grupo havia um colega que usava óculos, e uma das lentes parecia o fundo de uma garrafa. Certo dia na revista o Capitão mirou.o e perguntou-lhe se via daquele olho? Respondeu que não via nada, porque o tinha cortado ao meio com uma navalha, quando procedia ao corte de um cordel que atava um embrulho.
O Capitão Fabião mandou-o a consulta ao hospital militar e dois ou três dias depois estava a caminho de casa feliz e contente, deixando tudo cá com uma inveja.....!
Apurado para o serviço militar, e ainda por cima para condutor, é bem relevante das inspecções que se faziam. Eram mesmo rigorosas....

Um abraço

Artur Conceição