1. Mensagem de Jorge Picado (*), ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, com data de 18 de Maio de 2009:
Assunto: Estadia no CAOP 1
Caríssimos editores e co-editores
Tendo-me posto a dedilhar no teclado saíu-me uma pequena prosa do tempo do CAOP 1 que envio para vossa apreciação, juntamente com um anexo duma nota de reunião de trabalhos anterior à minha chegada.
Como sempre, se julgarem com algum valor para arquivo do Blogue, é de todos.
Abraços
Jorge Picado
Algo sobre a minha passagem pelo CAOP 1
Tendo deixado, para grande consolo e descanso meu, a CArt 2732 em MANSABÁ, em 29ABR71, depois de 52 dias de ali ter chegado e, 38 após receber a Nota do QG a comunicar a colocação no CAOP 1, arribei – desculpem este termo náutico, mas apesar de não querer nada com o mar, sou duma terra de “ex-homens do mar” – a Teixeira Pinto cerca das 13H de 4MAI, depois duma travessia por JOÃO LANDIM, DINGAL, CÓ e PELUNDO, sob a protecção de pessoal da CCaç 2660? ou 2658? Não tenho a certeza qual era a CCaç encarregada de efectuar as colunas a BISSAU, mas era sem dúvida do BCaç 2905, então em T. Pinto.
O pessoal da CArt 2732 que me perdoe por este intróito, mas não julguem que os menosprezei.
Parece que já estou a ouvir o nosso co-editor e amigo Carlos. “Olha para este malandro. Não gostou da companhia e tratou de se safar. Mas que grande s..... me saiu”.
Nada disso. Não foi pela companhia (não confundir com Companhia), mas antes… pelo clima… ou os ares do campo que, por aquelas bandas (como diz o Zé povinho), não eram muito saudáveis. E quem me tinha “aberto definitivamente os olhos” ainda em BISSAU, tinha sido o “Ex”…
A prova de que sempre senti algo por esse pessoal, está no que transmiti ao papel em 2003, quando tentei alinhavar umas recordações, sem sequer me passar pela cabeça que viria a reencontrar alguém desse tempo. Pois se nessa época os que comigo mais tempo conviveram não me tinham reencontrado, como poderia alimentar a ideia de encontrar alguém de MANSABÁ? Passo a transcrever então algumas passagens do que escrevi:
[…despedi-me daqueles camaradas de infortúnio, que tão pouca sorte tinham tido com o “seu” Cmdt.
Na verdade não o mereciam porque eram todos bons rapazes e fixes.
Usei a expressão “camaradas de infortúnio”? Sim.
Afinal também não lhes notei qualquer motivação para desempenharem os papéis que lhes tinham atribuído.
Não os via, como igualmente não me reconhecia, com motivos para fazerem a guerra.
Pressentia que o que a maioria desejava era voltar às suas terras, às suas casas, às suas Famílias.]
Já chega de devaneio, voltemos ao CAOP 1.
Como já disse num dos escritos sobre esta zona, era adjunto do Oficial responsável pelos assuntos da ACAP/POP, sem qualquer actividade operacional, bem como livre de actividades de “quartel”, isto é, não entrava nas escalas de serviço, como acontecia em MANSOA, já que essas eram tarefas da competência da unidade de quadricula, o BCaç 2905 até DEZ71 e o BCaç 3863 depois. Era pois, convenhamos, uma situação muitíssimo mais tranquila do que até aí tinha sucedido.
Ao mesmo tempo o ambiente que se vivia entre os componentes daquele mini-EM era completamente diferente do chamado “ambiente de caserna”. Tudo muito afável, duma grande correcção e “espíritos muito abertos” que, confesso, me deixavam surpreso.
O meu camarada de quarto, que não tinha curso de EM e tinha cumprido uns anos antes uma 1.ª comissão à frente duma CCaç na área de BULA, manifestava-se já tão descrente e dizia tão mal, que eu, passei a manter-me sempre na defensiva, convencido que a sua intenção era fazer-me “abrir a boca” para confidências politicamente comprometedoras. E quanto às minhas competências não militares, aconselhava-me a não me manifestar. Tinham-me mandado para ali como militar? Era porque se estavam nas tintas para os outros meus conhecimentos, ia-me dizendo. O seu azedume era tal que usava uma assinatura de tal modo estilizada, na documentação oficial, que até um ponto colocava na extremidade, para ficar mais semelhante a um falo, como provocatoriamente me segredava.
Mando hoje, digitalizado, uma cópia dum relatório de 4 folhas, das notas de uma reunião efectuada em BULA em 02MAR71, portanto anterior à minha chegada a este Agrupamento.
Tenho dúvidas se, dada a impressão ser tão ténue, o documento será legível. Por isso resolvi transcrevê-lo.
“ REUNIÃO EFECTUADA EM BULA EM 02MAR71 SOB A PRESIDÊNCIA DO SENHOR SECRETÁRIO-GERAL
- Razão da reunião (Cor. Amaral) – despachos do Secretário-Geral, voltaram atrás os processos de Veterinária e Agricultura por terem mudado os respectivos Chefes de Serviço.
- Pedreiros – apresentado o pedido ao Pes. Log. (faltam e não há na área)
- Agricultura – não está a trabalhar em pleno!
- Problema da estrada T.PINTO-ALF. NUNES, má asfaltagem
- Problema da falta de arroz
(a) falta no mercado - Não
(b) falta dinheiro para o comprar
A segunda hipótese é garantida (desmatações) e trabalhos na estrada. Em vista disto não deve constituir problema.
- Apresentado a falta de dinheiro em P.CONSOLAÇÃO para compra de arroz.
- Problema dos estrangeiros (no Chão Manjaco). N/General vai fazer uma campanha de nacionalização. Ficam suspensos de pagamento.
- O CAOP e a Administração devem ver as áreas com vista a abolição (dispensa) do imposto, devido à seca. Ter atenção às áreas afectadas, J.LANDIM, A.BARROS, P.CONSOLAÇÃO.
- Apresentado pelo BCaç 2905, falta de homens nos reordenamentos, caso concreto BATUCAR, ida dos homens para a estrada do CACHEU – o Administrador prometeu resolver o assunto.
- os reordenamentos estão em ritmo aceitável apenas o de CHUROBRIQUE, está mais atrasado.
- O delegado do ComChefe afirma que nas reuniões do mesmo dizem que os reordenamentos na área de T.PINTO estão excedidos na previsão pelo que talvez sejam de tirar lá especialistas.
- Contraproposta imediata do BCaç 2905 e CAOP.
- O Comandante do CAOP apresentou três problemas
- Arroz – já tratado
- Peixe – frigorífico no CACHEU
- Carne – existe muita dificuldade. Preconizou a sua regularização se possível com frigorífico.
- O Secretário-Geral sobre a carne disse: o Veterinário fez um relatório onde abordava este assunto.
O CTIG está a tentar resolver o problema dado que a FA o tem resolvido e a Marinha também.
- Problema do BCaç do PELUNDO.
- Estrada J.LANDIM-T.PINTO (bermas e capinagem – alcatrão) apresentou a solução de Angola e Moçambique. (ver nota já enviada ao CAOP).
O Secretário-Geral falou na utilização das máquinas da agricultura, podendo ser aproveitadas na solução apresentada pelo Ten. Cor.
- Reordenamentos:
- JOLMETE – Regresso ou afluxo das POP às povoações. Mais 35 casas, as já construídas estão muito juntas, ver a construção das futuras.
- PELUNDO – Quintais no Bairro P. Ramos
- Mesquita
- Posto Sanitário (falta o apetrechamento).
- CÓ – Tratar dos arruamentos – Cozinha nas ruas
- Controle de população – apresentou a notícia que a população vem do mato para o PELUNDO via BISSAU. Preconizou uma estrutura de controle.
- Urbanização e desenvolvimento do PELUNDO. Tem clube? Tem Centro de Convívio? Há quem queira fazer um café.
- Iluminação da ILHA de JETE.
- O Secretário-Geral resumiu os problemas apresentados.
- Dinheiro
- Luz
- Posto Sanitário
- Mesquita
- Centro de Convívio (apresentou propostas)
- Destronca da estrada
- Reordenamento de JOLMETE – Azeredo
- Escola de JOLMETE (cento e tal contos)
Bat. BULA
- Tem os mesmos problemas expostos e mais alguns! Dada a actividade operacional tem certas dificuldades.
- Obras Públicas – asfaltagem da estrada BULA-BINAR.
- O problema da estrada BULA-S.VICENTE – desmatagem e barreiras (o problema está posto).
- Reparação de buracos da estrada J.LANDIM-BULA.
- Abordou o problema de P.CONSULAÇÃO e dos reordenamentos em geral da desmatação dentro dos reordenamentos.
- Água nos reordenamentos
- Acessos aos reordenamentos PLACO-A.BARROS e de acesso a P.CONSOLAÇÃO.
BULA – Água e luz. São os geradores militares que a fornecem.
Problema apresentado pelo Capelão. Fazer um Centro de Convívio para os miúdos.
Secretário-Geral: o padre deveria oferecer os préstimos à Missão para ser essa a tomar conta disso.
Toda a vantagem dos esforços concorrentes.
- A.BARROS não colabora (diz que tem fome!)
- DINGAL é só da tropa. Falou sobre o nº de casas.
- Problema das carreiras de autocarros
- T.PINTO e
- S.VICENTE
- Ciclo das inaugurações – Se o Ministro vier será nessa altura. Se não... quando for.”
Como se pode constatar são umas notas muito sucintas e não sei quem as tomou. Comigo a assistir a reuniões destas e desde que encarregado de tomar apontamentos, estes seriam muito mais precisos.
Deve ter sido uma reunião prolongada, já que se abordaram numerosos assuntos e, pelos vistos, era um ponto da situação que se estava a fazer, pois previa-se uma visita Ministerial e era necessário apresentar e mostrar obras feitas, ou não fosse aquela zona a “sala de exposição” principal da Politica de “Uma Guiné Melhor”.
Quando se fala no Bat. BULA, deve ser o BCaç 2928 a que pertenciam os camaradas Luís Faria, Matos e outros.
Por hoje é tudo, mas estou a procurar preparar mais 4 documentos que recuperei daqueles tempos em T. Pinto.
Jorge Picado
__________
Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4364: Memória dos lugares (22): Fortim e Ponte Alferes Nunes, sobre o Rio Costa, entre Canchungo e Bachile (Jorge Picado)
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3051: Estórias de Jorge Picado (4): Como cheguei a Comandante da CART 2732 (Jorge Picado)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
J.Picado
Achei curioso este teu Poste.
E´como dizes o Bat 2928,comandado pelo apelidado de"dez para o meio-dia"ou "cabeça torta",Cor.Andrade,que pelo que depreendo conheceste,assim como o Major "pata larga" ou "Rebenta-minas" creio que de nome Morais(?)
e o Major Veiga,sem cognome(!!) das Operações.
Ao "Cabeça-torta" encontro-o todos os anos no convívio do Batalhão muito acabadito e meio surdo,infelizmente.
Se tivessem tratado atempadamente dos buracos da estrada J.Landim - Bula,teria sido evitada a morte do
Celestino(4º GR COMB)
Um abraço
Luis Faria
Já agora, a versão utilizada entre a "distinta oficialidade" era o comandante como o "Seis e Cinco" e o tal Morais (?) como o "Bagabaga" ou "Rebenta-Minas" ( pela posição dos pés com as biqueiras saídas anormalmente para fora como um verdadeiro pata-rasa ) .
De referir que esta gente mais o Veiga e outros constituíam o núcleo duro da "Batalhoa" assim chamado o batalhão por ser comandado por um coronel e dois tenentes coronéis.
As operações eram "comandadas" da célebre "Nave dos Loucos" ( sala de operações ).
António Matos
Luís Faria e António Matos
Fico contente, pelo menos fiz-vos recordar os vossos "VEXAS" e algumas das guerras em que estavam envolvidos, para satisfazerem as necessidades de proporcionarem a tal Política de "Uma Guiné Melhor". Infelizmente já era tarde para tais medidas e, como agora se confirma, nem mesmo todo esse trabalho e as tentativas de diálogo iniciadas pelo COMCHEFE tiveram eco em que quem nos Governava na época.
Talvez tudo tivesse sido diferente para melhor, para ambas as partes...ou talvez não.
Abraços
Jorge Picado
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