1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 21ª história, com data de 11 de Novembro de 2009:
Uma visita ao Oio...
30 de Agosto de 1964
Vinte e cinco dias depois do dia fatídico em que foi ferido com gravidade, voltou ao seio da «675» o nosso Comandante de Companhia, sendo recebido por todos, desde o oficial até ao soldado mais humilde, com a mais sincera alegria.
Numa manifestação espontânea de consideração e estima, isenta no entanto daquela rigidez militar ou medo pelos galões, que deve ser para o Chefe a melhor prova de respeito e disciplina, todos o rodeavam dando-lhe mais uma vez a certeza de ter em cada subordinado um colaborador leal e um amigo que o seguem com dedicação e confiança totais.
Mais magro, pálido, com sinais evidentes do mau bocado porque acabava de passar e ainda com o estilhaço no ombro, o nosso Capitão era acompanhado pelo Sr. Comandante de Batalhão (fez a viagem Farim–Binta em barco a motor) visitou demoradamente o aquartelamento, correspondendo sorridente a todas as saudações que lhe eram dirigidas, tendo para todos uma palavra amiga que sensibiliza e que torna intimo o Chefe e o Homem.
Já inteirado sobre a actividade da Companhia durante a sua forçada ausência, não perdeu tempo em reiniciar uma actividade caracterizada por uma ideia permanentemente ofensiva, e poucas horas depois da sua chegada, partia, comandando a companhia para uma visita ao já lendário OIO, numa operação de envergadura em que colaboravam mais duas companhias.
O seu estado de saúde, ainda precário, não o impediu de estar presente á frente dos seus homens, nesta operação que se adivinhava difícil, pedindo alta ao hospital numa altura em que era recomendável passar mais alguns dias de convalescença.
Pouco depois da meia noite, três grupos de combate estavam prontos a sair.
Ordenadamente, cada secção embarca numa LDM que passará a companhia para a margem contrária.
O transbordo decorreu na melhor ordem e com o mínimo de barulho possível, seguindo a LDM ao longo de Cachéu logo que terminou o desembarque para despistar o inimigo, caso este se tenha apercebido do movimento desusado no rio.
A «fama» dos terroristas da OIO e o desconhecimento da zona onde se ia actuar – sem guias conhecedores da região – fazia com que desta vez uma indisfarçável expectativa, que criava um «aperto mitral», nos levasse a iniciar a marcha nocturna com redobrados cuidados.
Golpe de Mão a tabancas do Oio: Tambato Mandinga, Gebacunda e Fátima in PORTUGAL. Estado Maior do Exército. CD-ROM nº série 798.
Seguiu-se através de um caminho, que sobrelevava a bolanha inundada, numa longa fila indiana que progredia lentamente.
Devido á completa escuridão utilizava-se uma corda para ligação.
Percorridos uns 3 kms penetrou-se na selva muito densa começando aí as dificuldades para atingir o objectivo – a tabanca de Gebacunda habitada pelo inimigo – pois a bolanha indicada na carta parecia prolongar-se mais para o interior.
As dificuldades avolumavam-se com as características da floresta cerradíssima e começamos ás voltas sem saber onde nos encontrávamos.
Amanheceu, e embora estivéssemos atrasados, o aparecimento da luz do dia vem facilitar um pouco a orientação embora se tornasse quase impossível continuar a missão com a vantagem dos factores surpresa e silêncio.
Avistámos, dentro em pouco, gente a trabalhar na bolanha e, como já prevíamos, fomos detectados por um pequeno grupo que deu o alarme através de uma trompa.
Perseguimos imediatamente esses elementos inimigos até próximo de Tambato Mandinga, inflectindo depois resolutamente para o objectivo que atacámos e incendiámos sem encontrar resistência do inimigo, que se pôs em fuga fazendo apenas um tiro de pistola. Da tabanca o pessoal fugiu antes do ataque, tendo parte seguido em direcção ao rio e outro para SO, pelo que conseguimos fazer só um prisioneiro - um Padre Mandinga.
Comunicado o facto ao navio patrulha, que apoiava a operação, este fez imediatamente fogo na direcção provável da fuga do primeiro grupo referido.
Capim em chamas. Agosto de 1964. Fotografia do autor.
As explosões contínuas das granadas e os grossos rolos de fumo que se elevaram da tabanca em chamas davam um aspecto « dantesco» á zona onde actuávamos, chegando-nos ao nariz um cheiro acre a queimado e a pólvora que nos galvanizava na perseguição do inimigo que, desmentindo a sua fama de «maus», sprintavam velozmente á frente da tropa de Binta que desde aquele momento passavam a não conhecer só de nome.
Perdido o contacto com este grupo, que fugiu para SO, iniciou-se o regresso, avistando-se num pontão frente a Gebacunda um grupo inimigo, de uns 20 indivíduos, que corriam na margem da bolanha provavelmente com o intuito de nos emboscar á saída da mata.
Abrimos fogo imediatamente e arrancámos para o grupo inimigo que, vendo aquela tropa gritando como possessos na sua direcção, fez uma travagem brusca invertendo rapidamente a marcha, a toda a velocidade, para a mata mais próxima, fazendo umas atabalhoadas rajadas de pistola-metralhadora.
Mais uma vez os «valentões» do OIO nos desiludiram e alguns levaram «recordações» de Binta, já que vimos alguns rastos de sangue depois de perdermos o seu contacto na mata muito densa, por onde fugiram.
Reiniciámos o regresso pelo mesmo itinerário depois da missão ter sido dada como terminada pelo PC aéreo.
Os últimos 2km na bolanha foram particularmente penosos, ressentindo-se bastante o nosso Capitão do esforço despendido após um período de inactividade devido ao seu ferimento de 5 de Agosto último.
Com 12 horas de «trabalho» Binta estava de novo à vista e a perspectiva apetecida de um banho, de um almoço e de uma sesta de algumas horas animavam a moral das nossas tropas.
A LDM passou-nos para a outra margem do Cacheu e, minutos depois, contávamos aos que tinham ficado como é que os «turras do OIO» tinham fugido a sete pés frente à malta
da CCaç 675.
E depois do banho falou-se mais no almoço que se atrasou do que no OIO e dos seus mitos.
Na foto Ten. Coronel Fernando Cavaleiro e Capitão Tomé Pinto
Mais uma missão cumprida com honra e proveito para a tropa do Capitão de Binta.
Facto a destacar foi a vinda do Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Fernando Cavaleiro, para acompanhar o nosso Capitão, regressado do hospital, protagonizando ambos uma acção temerária numa vinda de Farim a Binta durante a noite.
Com efeito viajar pelo rio Cacheu num barco a motor barulhento e lento, com uma pequena escolta de quatro militares, terá sido verdadeiramente arriscado, para não dizer uma loucura.
O esforço permitiu-lhes chegar antes da tropa partir para a operação, onde intervinham outras forças militares da região.
O exemplo de dois grandes chefes sempre presentes quando era preciso junto dos seus homens.
«Mais do que pela bandeira o soldado bate-se pelos seus Chefes»
Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
3 comentários:
Registo as palavras do José Eduardo Oliveira sobre os seus dois comandantes, oficiais do Quadro Permanente "dois grandes chefes sempre presentes quando era preciso junto dos seus homens".
Outras companhias e batalhões tiveram certamente oficiais do quadro permanente com outro comportamento.
Dos oficiais do QP que conheci na Guiné, com quem lidei no meu CAOP 1, o mesmo dos três majores barbaramente assassinados no mato, entre Pelundo e Jolmete, em 1970,desses oficiais, digo, em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, posso assegurar que quase todos foram militares
que honraram a sua opção e escolha de vida. Eis alguns nomes:
Coronel pára-quedista Rafael Ferreira Durão, coronel pára-quedista João Curado Leitão, ten. cor, Herdade, majores Barroco, João Pimentel da Fonseca, Mário Malaquias , Nelson de Matos, capitão Borges. Todos do
quadro permanente. Não estavam no ar condicionado em Bissau, nem fujiam às suas responsabilidades.
Também trabalhei em Cufar com um ten.coronel que pertencia ao grupo, extremamente minoritário, creio, de que o nosso Manuel
Rebocho não gosta. É o ten.cor.B., no meu Diário da Guiné.
Não me interessam polémicas, mas temos de ser justos. Apenas isto.
Um abraço,
António Graça de Abreu
Meu caro IERO:
Deves estar desapontado, mas eu ão consegui dar aí um salto, memso estando pert, na Lourinhã, para te abraçar e comer contigo uma barriguinha de freira...
O fim de semana é sempre curto para a família e os amigos. Em contrapartda, o Fernão Lpes de Binta continuar a deliciar-nos com a sua prosa e as proezas dos seus feros guerreiros...
Sabes que, antes de ti, havia poucas notícias da guerra no Oio e no Rio Cacheu... Estás a colmatar um lacuna importante do "puzzle" das nossas memórias...
Um Alfa Bravo, camarada e amigo. Luís
José E Oliveira
Havia Capitães e Capitães.
Pela minha Companhia passaram três:um Miliciano (Arquitecto)e dois do quadro.
Dos tres ,um do quadro não mereceu a minha simpatia e confiança.Os outros dois eram Homens e Militares que a meu ver o sabiam ser,cada um a seu modo masinterligados saudavelmente com os subordinados.
Gosto de ler os teus relatos,Jero.Continua a envia-los
Um abraço
Luis Faria
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