1. Mensagem de Jorge Teixeira* (Portojo) (ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2010:
Especial para o pessoal referido no post (Cancela e Jorge Felix). Para o alferes médico da altura, que não faço ideia de quem era. Se um dia o apanho dou-lhe cabo das trombas, pois que me mandou meter na bundinha umas tantas picadelas com líquido avermelhado, da cor das antigas camisolas da selecção nacional de futebol do tempo do Pedroto e do Águas e do Travassos, e que me faziam ver as estrelas com vidrinhos. Ainda por cima dadas por um rapaz que tinha a mania que era pegador de toiros lá no Ribatejo e que nunca saltou a barreira, (o varandim do hotel) porque alguem me deitou a mão. Provàvelmente quem saltaria era eu, mas isso nunca ficou demonstrado.
Se o Carlos Vinhal quiser usar isto noutras tabancas, acho que pode. Por mim tudo bem.
Aquela janela... virada para o Heliporto
Pois foi daquela janela, melhor dizendo, do varandim do Hospital Militar de Bissau - primeiro quarto, primeiro andar, frente, direito, onde me encontrava em gozo de merecidas férias, ofertadas (leia-se, impostas) por um alferes médico que partiu de Lisboa, no mesmo barco (Niassa), no mesmo ano, no mesmo dia (1.05.1968) que eu, ele incluído num Batalhão que saiu de Chaves, se a memória não me faz dizer asneiras. E que me quis evacuar para a Metrópole. Só que eu mandei mais do que ele e não esperei pelos 35 dias de internamento e aos 30 exigi alta. Aluguei a seguir um meio de locomoção aéreo e fui para o meu posto, em Catió, onde cheguei a 4 de Dezembro de 1969, dia da Artilharia. Que é também o de Santa Bárbara, que nos proteja, amén.
Pelo caminho apanhei uns frescos pois o pessoal estava nas últimas. Aquela CCS não aprendeu nada comigo, mas enfim. O dinheiro podia mais que os interesses estomacais do pessoal menor. Mas para o caso não interessa nada. São estórias para outras conversas. Pois, é isso, lá do Hospital, primeiramente era necessário esconder dos meus "velhotes" o novo local de férias. O amigo e camarada Quintino (o do Bando) deu-me o seu SPM para onde a correspondência deveria ser enviada, bem como os vales postais com os escudos (a vida em Bissau era cara... e os desenfianços do Hospital também) que nos chegavam às mãos transformados em pesos, logo deduzidos do imposto de transferencia de capitais.
Por isso, de vez enquando eram precisas fotos para comprovar o bem estar cá do rapaz. Esta, lá acima é um dos exemplos. Só que os olhos dos meus velhos com mais ou menos miopia, logo descobriram na minha tromba, que até era linda, uns sinais esquisitos. Eram uns restos de uma maleita que apanhei nos dormitórios adoque do Quartel General, que puseram esta carinha laroca em carne viva. Mesmo assim cheguei a ser abordado por uma patrulha da PM, toda arrogante - quase afirmo que era o secretário geral do actual PCP quem a comandava - porque não trazia a barba feita. Troca de palavras, etc e tal, mais posição de sentido que para estas ocasiões as douradas e a velhice ainda tinham força e significado em Bissau.
No meio disto tudo perdi-me, porque era para contar a estória da foto abaixo e já fui para outros caminhos.
Então é assim, como agora se diz. Estava lá eu na tal janela virada... no primeiro quarto, do primeiro andar, frente, direito, do HMB e ouvi chegar um Heli. Logo os habitantes vinham ver do que se tratava, pois além de ser um passatempo a contabilização dos que chegavam por este meio transportados, queríamos sempre saber de quem se tratava. Porque até poderia ser um dos nossos mais íntimos. Neste dia quem chegou foi um barbudo (fiz uma foto, que veio para os amigos da metrópole, mas como tantas outras, desapareceu...). Pensamos, pelo seu aspecto, olha um Fuza. Fodeu-se. Mas não era, soube à noite quando fiz a ronda do costume para passar o tempo, estranhando ver Comandos de sentinela à porta, que era um cubano, de nome Peralta. Não me dizia nada. Depois disse. Por isso a tal foto para a rapaziada da metrópole... Mais tarde, anos depois, soube da sua libertação.
Mas a conclusão é: Será que o Jorge Félix se recorda ou até terá dado a sua colaboração a esta operação?
Por casualidade o Cancela também estava hospedado, na mesma altura, no mesmo Hotel Militar de Bissau. Mas no terceiro apartamento. Só o soubemos há dias quando entreguei esta foto - entre outras - para o Carmelita digitalizar e ele viu. Estórias de vida...
Cancela, eu era aquele que andava com uns chinelos de cada cor. Parece que se chamam agora havanesas. Um deles preso com um agrafe, daqueles dos papeis. Com umas calças de pijama com um grande rasgão no sítio dos ditos cujos e que saltavam para o ar livre a cada passada sim passada não. O casaco não tinha botões. Eu não tinha 100 pesos para mandar comprar aos libaneses aqueles pijamas dos chineses. Andava sempre com um livro, pois a minha vida diurna era na Biblioteca do Hotel, cuja responsável era uma bibliotecária lindaaaaaaaaaaa. Grandes conversas...
Mas porque será que uma foto vem buscar tantas lembranças?
Portojo
25 de Janeiro de 2010
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5634: Blogues da Nossa Blogosfera (31): Tabanca dos Melros - Ex-Combatentes do Ultramar Português de Gondomar (Jorge Teixeira/Portojo)
Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5740: Blogoterapia (141): Pensar em voz alta: Fotos esquecidas, imagens de gentes de outrora (Torcato Mendonça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Olha Jorge,essa minha estadia, no dito HOTEL,ainda nao a esquci,bem pelo contrario,pois enfelizmente,vi cenas dignas da apocalipse,nem no mato.Quanto ao ter-te encontrado nao tenho a minima ideia,com tanta gente lá dentro......
Um abraço
ze manelcancela
Caro 'Portojo'
Bem me queria parecer que afinal sempre tinhas estado num Hotel, nessa tua passagem pela Guiné...
E o que é que estavas lá a fazer?
E ficaste curado?
Porque é que te queriam 'evacuar'?
Um abraço
Hélder S.
de Jorge para Jorge
Caro
Ao passar hoje pelo blogue, de imediato me chamaou a atenção a foto do heli aterrado no HMB, contida no teu Post.
E como a ti, também ela me suscitou um tal corropio de lembranças, que, acredita-me, quase me atordoam.
Tentando alinhar ideias:
Como mecânico dos helis, foi exactamwente no Hospital Militar, que (excepção feita, naturalmente, à BA12) mais vezes aterrei na Guiné.
E também a mim as recordações que suscita, serão tudo menos agradáveis.
Seja a da lembrança das condições (fisicas e ou psicológicas) "infra-humanas" de homens que para ali transportei, seja a indescritivel visão da "sala de horrores", chamada triagem, onde eles eram "colocados"; de cada vez que ali tinha que ir recuperar macas. São imagens que jamais se esquecem.
Mas outra lembrança conseguiste, com o teu Post, desenterrar do fundo do meu subconsciente, a da evacuação do Capitão Peralta, a qual passo a transmitir, a quente, tal como a memória me debita.
Antes porém e à falta de outros registos, resolvi ir ao Google e digitar: Capitão Peralta.
Resultados:
- Ferido e capturado em 18.Nov.69 durante a operação JOVE, realizada pelo "Paras" entre os dias 16 e 19, no corredor de Guileje.
- A base dessa operação, a partir de onde os Paras foram heli-transportados, foi Aldeia Formosa.
Vamos agora à minha memória, que espero não me esteja a atraiçoar, sequer a iludir, e na qual (apesar da evidente redução de neurónios)quero ainda confiar.
Coloco os resultados dessa pesquisa em dois planos:
- O das quase certeza (ou com menor grau de falibilidade) e o das incertezas associadas, que evidencio entre parentesis.
Assim:
(1) Só não estava no voo em que viste o Capitão Peralta aterrar no HM, pelas condições extraordimárias ee que decorreu essa evacuação, que cujos contornos passo a descrever.
(2) Em operações como esta, em que, independemente da Tropa participante, a base se situava num aquatalamentos "longe" de Bissau, para aí se deslocavam normalmente: 5 helis + 1 heli-canhão, transportando uma equipa de manutenção e uma Enfermeira.
Dali partiam, então, fazendo as viagens necessárias para, transportando 5 ou 6 militares por heli, os colocar, protegidos pelo canhão, na ZOPS.
Se a operação se resumia a um dia, permaneciam os helis nessa base em alerta, para: evacuações, eventuais transportes das Tropas para outras posições na mesma ZOPS e finalmente para a sua recuperação no final da Operação.
Nos casos em que a Operação fosse por mais de um dia, ficaria em todod os dias em que esse decorresse e na base da mesma, no minimo um heli de alerta (com Piloto, Mecanico e Enfermeira) para eventuais evacuações e o heli-canhão para protecção destas e para intervenções de tiro se solicitadas.
(2) Nesta Operação em particular, é seguro que estive presente, desde logo porque recordo perfeitamente o objectivo apontado para a mesma(nos helis e durante os voos, mesmo que não quisessemos, ouviamos muita informação dita clssificada): captura do NINO.
(3) No dia 18 (Precisei a data na citada consulta na NET) portanto no 3º dia da Op.: voei (seguramemte de Aldeia Formosa) para essa ZOPS onde aterrei, no helicoptero que fez a evacuação do Capitão Peralta, não continuando no voo para o HM de Bissau,
PORQUE:
(Continua)
(Continuação)
(4)Os Alouette III, têm capacidade para transportar 6 passageiros para além do piloto (este e mais dois à frente) e até 4 no banco trazeiro.
Em evacuações com feridos em maca, essa capacidade ficava reduzida, pois para além dos 3 lugares à frente, normalmente ocupados pela tripulação (Piloto, Mecânico e Enfermeira, na maioria dos casos), apenas é possivel alojar 1 ou 2 macas na rectaguarda, que por transportadas transversalemente, impedem (ou dificultam, algumas vezes me tocou vir meio sentado meio em pé, nas abas da maca) utilizar os lugares trazeiros.
No caso desta evacuação (Cap. Peralta), tendo sido determinado, no terreno, que o capturado devia ser acompanhado no voo por escolta armada, foi necessário ocupar, por quem a fez, um dos lugares destinados à tripulação.
Para resolver o problema e (repito) se a memória não me atraiçoa, registou-se um caso que me lembre único:
* O heli canhão, que fazia a protecção à evacuação, ATERROU NA ZOPS, nele embarcado o mecanico (eu proprio) e voado (junto ao apontador) para Aldeia Formosa, donde posteriormente regressei a Bissau (outra nebulosa é que não me recordo como - noutro heli ? de DO ), pois no canhão não foi concerteza.
Como remate a estes factos, este voo no canhão foi para mim perturbante, pois que uns meses antes (Julho/meu 3º mès de Guiné) estive também para voar (nesse caso por experiencia passiva que, para sorte minha, não concretizei) no retorno duma outra Operação em Galomaro, voo esse com um fim trágico, traduzido no despenhmento do heli (a que assisti) ocorrido em Bafata, com a morte do meu comandante: Maj. Rodrigues (Piloto) e dum camarada de todos os dias, o Machadinho - como lhe chamavamos -(Mecanico Armamento/Apontador)
Um dia destes tentarei fazer o relato que me for possivel desta outra dramática ocorrencia.
Voltando ao Post e à tua solicitação ao Jorge Félix (tantos Jorges), quase seguramente ele ainda estava nessa data na Guiné.
Como atras referi não me lembro se terá sido inclusivé participante nos factos, em qualquer caso terá certamente presente memórias relacionadas e, quem sabe, como tem a "sorte" (que a FAP me coartou) de ter os seus registos de voo, pode buscar nos mesmos confirmações
Amanhã envio-lhe uma mensagem a chamar a atenção para o Post
E como este já vai longo, por aqui me fico
Recebe um abraço
Jorge Narciso
Eu não disse que uma simples foto faz história ?
Cancela: Nem tudo foi mau. O Duo Ouro Negro a um domingo deu-nos um concerto. Não lembras ? O resto é para os historiadores.
Helder: Nem te conto a estória de como lá entrei e de como saí, mas saí bom de certeza absoluta pois ainda cá ando. A evacuação corresponderia a 35 dias de hospital, acho eu. O tal médico achava que eu não aguentava até final da comissão. E como já eram mais de 18 meses de comissão era certo que se ficasse bom, o resto do tempo seria passado na metrópole. Mas como iria dar uma notícia dessas aos meus pais, que já eram sessentões ? Além disso tinha lá os rapazes que era preciso tratar deles.
Mas concluindo, os médicos também se enganam. Mas nunca esquecerei o carinho desse médico, que como disse, não faço ideia de quem seja.
Jorge Narciso: O teu comentário é um poste. Atenção aos camaradas editores.O Jorge Félix estava lá sim, naquele tempo.
Só uma achega ainda: Afinal, quem tratou quem, lá nos Catió, foram os meus rapazes a mim. Cada desenfianço, cada voluntarismo, para guardar as costas cá ao rapaz.
Caro Jorge Teixeira
Obrigado pela oferta,mas preferia que tivesse sido de frente,pois seria o 1º do lado esquerdo da maca,assim de costas sou o do meio,perdi a melancia, mas ainda levo o braço esquerdo como se ela lá estivesse.
Um Abraço
António Paiva
Caro António Paiva. As fotos têm destas coisas. Por vezes reconhecemo-nos sem saber que "estavamos lá".
Bom, pelo menos ficas com mais uma recordação dos teus-nossos tempos da juventude. Com ou sem melancia, o certo é que o "doente" ainda não tinha desembarcado e o pessoal já lá estava à espera. Isso era a coisa normal do pessoal de plantão. Solidariedade, companheirismo, serão as palavras exactas ? Sim, porque não era por dinheiro que o pessoal "trabalhava".
Um abraço de amizade
Caro Jorge Teixeira
Se não tivesses feito alusão á foto que era, talvez me tivesse passado,mas eu sei que estava lá, e só soube quem levei para dentro depois de ter sáído do PS.
Quanto á união,companheirismo e solidariedade,para muito dizer, talvez sejam as palavras certas.
Mas para nós só havia uma palavra...UNIÃO, o que para nós significava...TODOS SOMOS UM SÓ.
Posso-te dizer que nessa altura não fazia piquetes, assim como tambem te posso dizer que dos de piquete só lá estava um.
Ali, não era necessário estar destinado ao serviço para dar a mão a quem de nós necessitava.
Quando lá estives-te isso devias ter presenciado.
Um abraço
António Paiva
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