quinta-feira, 8 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6129: (Ex)citações (66): Repondo a verdade sobre o ensino na Guiné Portuguesa (Mário Dias)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Dias (ex-sargento Comando, Brá, 1963/66), com data de 6 de Abril de 2010:

Caro Luis,
Caros editores,
Cá estou mais uma vez a rezingar. Achaques da idade que certamente me desculparão.
Como a prosa é longa vai em anexo. A sua publicação, ou não, fica ao vosso critério.

Um grande abraço do
Mário Dias



Repondo a verdade sobre o ensino na Guiné Portuguesa

Nos últimos tempos, embora visite regularmente a tabanca, tenho-me abstido de intervir ou comentar por vários motivos, sendo o principal a pouca disposição – leia-se preguiça.

Prefiro ser um leitor atento e “engolir” opiniões, por vezes absurdas, que vão sendo produzidas. Mas tratando-se de opiniões e como cada um tem direito à sua nada digo embora me pareça que, por vezes, se ultrapassam os propósitos do blogue: narrar os acontecimentos que cada um viveu na guerra.

Para mim, isto significa não ir além dos factos ocorridos, nem referir nada que não se tenha a certeza ser verdadeiro. Opiniões? Tudo bem... não passam disso mesmo: “opiniões” e nada digo.

Porém quando se fazem afirmações menos verdadeiras que futuramente poderão induzir em erro quem as leia, vejo-me obrigado a intervir a bem da verdade dos factos e da história.

Toda esta lengalenga vem a propósito do P6014** da autoria do camarada Daniel Matos onde refere que “até há poucos anos, em todo o território, apenas se podia estudar até ao 2.º ano do primeiro ciclo...”

Saltou-me logo a mola como se costuma dizer.

Em fui para a Guiné em Fevereiro de 1952 ainda muito jovem (15 anos) e já nessa altura estava em funcionamento o Colégio Liceu de Bissau. A minha irmã mais nova lá estudou e completou o 5.º ano (2.º ciclo). Pensei retorquir de imediato mas como a quente podemos ser menos agradáveis para com os visados nada disse e resolvi aguardar uns tempos e, sobretudo, procurar elementos de consulta para fundamentar a minha intervenção e não restassem dúvidas sobre a sua veracidade.

Pesquisando o sítio http://memoria-africa.uo.pt/ que recomendo vivamente a quantos se interessarem pela história, devidamente fundamentada, da nossa passagem por terras de África, lá fui encontrar no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa N.º 22 de Abril de 1951, pág. 477, o seguinte:


Colégio – Liceu

Analisando estatisticamente o movimento do ensino liceal nesta Província no ano lectivo de 1949-1950, apresentamos elementos deveras satisfatórios...”

No quadro apresentado podemos ver que o Colégio-Liceu leccionava o 1.º ciclo (1.º e 2.º anos) e 2.º ciclo (3.º, 4.º e 5.º anos). No ano lectivo referido teve a frequência de 46 alunos sendo 5 europeus, 4 euro-africanos, 11 mestiços, 24 negros e 2 “outros” (vai com aspas pois não sei o que estes “outros” seriam).

O número de alunos era bastante escasso mas é interessante referi-lo pois nos permite avaliar o progresso neste domínio registado poucos anos depois.


Era neste edifício que funcionava o Colégio-Liceu. Por decreto foi criado o Liceu Honório Barreto conforme se pode ler no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa N.º 50, de Abril de 1958.

No ano lectivo 1958/59 instalou-se na parte alta da cidade de Bissau, nas proximidades dos Serviços Meteorológicos, provisoriamente em pavilhões de rés-do-chão, e era frequentado por 249 alunos bem longe dos cerca de 50 inicialmente existentes.

Em data que não posso precisar, o Liceu Honório Barreto passou a ter um novo edifício na parte alta da cidade do qual certamente muitos se recordam ainda.

(com a devida vénia de rumuafulacunda.wodrpress.com/Bissau)

Paralelamente ao liceu existia uma Escola Técnica que começou a funcionar nos finais da década de 50 com 164 alunos. Conforme n.º 56, de Outubro de 1959 do já referido Boletim, esta escola “foi elevada à categoria de Industrial e Comercial por decreto ministerial e nela passarão a ministrar-se os seguintes cursos: Ciclo Preparatório Industrial, Formação de Serralheiros, Carpinteiros, Mecânicos, Montadores Electricistas, bem como o Curso Geral de Comércio e o de Formação Feminina.”

No ano lectivo de 1958/59 esta escola era frequentada por 1051 alunos.

Além destes estabelecimentos oficiais de ensino, muitas entidades públicas ministravam cursos práticos e estágios diversos a quem lá trabalhava como era o caso das Obras Públicas, Oficinas Navais etc., não podendo deixar de referir o relevante papel desempenhado neste campo pelas Missões Católicas.

Também as considerações do nosso camarada Daniel Matos quanto à assistência médica não são rigorosas. Poderei rebatê-las, devidamente fundamentado, se assim desejarem.

Mas como a prosa já vai longa, por aqui me fico. Apenas, a título de curiosidade e porque a grande maioria dos “atabancados” não deve saber, o Hospital Militar de Bissau não foi construído com essa finalidade. Foi construído e inaugurado em Maio de 1960, portanto muito antes da guerra, como Hospital de Tisiologia. Pelo facto de tratar doenças infecto-contagiosas é que foi escolhida uma localização num ponto elevado e afastado das populações. Na altura da sua construção e entrada em funcionamento não existiam quaisquer habitações nas proximidades. Passou a Hospital Militar por necessidades derivadas da guerra tal como aconteceu um pouco por toda a Guiné onde diversas instalações foram atribuídas e ocupadas pelas unidades militares.

Mantenhas para todos.
Mário Dias
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5228: Memória dos lugares (52): Rio Corubal: afinal, havia... 3 pontes !? (C. Silva / D. Guimarães / M. Dias / Luís Graça)

(**) Vd. poste de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado

Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6126: (Ex)citações (57): Os nossos Brandões desconhecidos que foram os antepassados dos pais fundadores do PAIGC, MPLA e FRELIMO (António Rosinha)

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Mário Dias

Não nos conhecemos pessoalmente, sou um bocado mais novo de idade (e obviamente de Guiné) mas 'conheço-te' dos teus artigos que já li e guardo sentimentos de simpatia.

Nesse sentido, e sem ter procuração para 'defender' o Daniel, acho que fizeste bem em não intervir 'a quente' pois de intervenções impulsivas e pouco cordiais tem estado o nosso blogue recheado.
Assim, as tuas informações e esclarecimentos adoptam um tom construtivo e não o de 'correcção de cátedra' que às vezes aparecem e concerteza que o Daniel não deixará de ter em conta em futura 'afinação' do seu relato dos 'Dias de Guidage' ou até para possível publicação.

Aproveito para revelar que as minhas memórias de Bissau, em 1971 e 1972, incluem a admiração por aquele incontável número de estudantes que aproveitavam a luz dos candeeiros da iluminação pública à volta do Palácio do Governador e arredores para estudarem.
Lembro-me de algumas vezes espicaçar os meus acompanhantes de ocasião e lhes indicar que o exemplo dado por aqueles 'nharros' era o que devia ser seguido por eles, 'tugas', se quisessem progredir na vida e que ao mesmo tempo aquilo também indicava como se forjavam os 'quadros' dos guerrilheiros, na superação das dificuldades e aproveitando o que lhes era oferecido.
Quase que acertava!

Um abraço
Hélder S.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Leiam-se os postes do Mário Dias sobre o desenvolvimento e crescimento de Bissau nos anos 50, disponíveis na I Série do nosso blogue:


15 Março 2006
Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

http://blogueforanada.blogspot.com/2006/03/guin-6374-dcxxx-memrias-do-antigamente.html

Um Alfa Bravo para o Mário. Luís

MANUELMAIA disse...

CARO MÁRIO DIAS,

A TUA REPOSIÇÃO DA VERDADE FOI OPORTUNA ATÉ PARA SE CONSTATAR QUE MUITAS DAS FRASES FEITAS SOBRE A GUINÉ E A SUA VIVÊNCIA "NÃO SÃO ASSIM TÃO RIGOROSAS"...

OBRIGADO PELA INFORMAÇÃO SUSTENTADA POR UM CONHECIMENTO PROFUNDO DA GUINE.

JÁ AGORA APROVEITO PARA TE SOLICITAR, POIS FUI INFORMADO DE QUE TENS DADOS RIGOROSOS SOBRE A QUESTÃO,SE ME PODES EXPLICAR DE FORMA SUSTENTADA COMO É TEU TIMBRE,OS PREÂMBULOS DA GUERRA, FUNDAMENTALMENTE SOBRE A QUESTÃO DO CAIS DE PIDJIBITI(NÃO SEI SE ESTA GRAFIA É A CORRECTA...)PARA SERVIR DE MATERIAL DE APOIO A UM TRABALHO A QUE ME PROPUZ FAZER.

MAMUELMAIA1950@HOTMAIL.COM

UM GRANDE ABRAÇO E O MEU AGRADECIMENTO.

MANUELMAIA

Anónimo disse...

Obrigado homónimo,

A verdade vale ouro.

Um abraço,

Mário Fitas