quarta-feira, 7 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6126: (Ex)citações (65): Os nossos Brandões desconhecidos que foram os antepassados dos pais fundadores do PAIGC, MPLA e FRELIMO (António Rosinha)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas.  Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).



Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


1. Comentário, de hoje, do António Rosinha, ao poste P6116 (*)
 Quando se fala nestas figuras de comerciantes/agricultores, neste caso com o nome de Brandão, que na Guiné é um dos nomes de colonos históricos, noutras ex-colónias há outros nomes também com história, estamos a falar dos verdadeiros colonizadores à-lá-portuguesa.

Estes homens, sem disso terem consciência, chegaram e abriram caminho e serviram de intérpretes, a missionários católicos e outros, a chefes de posto e administradores e militares.

Estes comerciantes raramente foram alvo de um estudo, que analizasse as suas grandezas e misérias. Mas todos os governantes,  desde o Diogo Cão até ao Gen Spínola, secundarizaram estas pessoas, quando devia ter sido o contrário.

Os africanos (indígenas) davam mais importância a um comerciante do que a um governador geral ou a um missionário ou chefe de posto.

Em relação à guerra, tiveram um papel tão importante, para o bem ou para o mal, que podemos dizer que os milhares de Brandões na África portuguesa, foram os pais e os avós da maioria dos teóricos fundadores, do MPLA, PAIGC e FRELIMO, movimentos que secaram outros em volta, e com isso, talvez ainda sobre alguma coisa no fim de isto tudo. (**)

Estes comerciantes, a maioria analfabetos, ou quase, chegavam a falar um dialeto ou mais que um, continuarão a ser olhados de soslaio por qualquer militar que, ao fim de 24 meses, não chegava a comprender aquela africanização, para não dizer outros nomes.

Estes portugueses de Áfricas e Brasis foram a história mais importante da diáspora portuguesa. Em geral viajaram com passagem paga por eles. Muitos netos dessa gente veio para o meio de nós em pontes aéreas.

É um ponto de vista.

Antº Rosinha

[ Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]

__________________

Nota de L.G.:

(*)  Vd. poste de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6116: O Nosso Livro de Visitas (85): Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, localidade onde nasceu há 60 anos, hoje residente nas Caldas da Rainha (Luís Graça)

(...) Outros comentários:

(i) Torcato Mendonça:

Luís Graça:  não sei se a Ponta Brandão de que falas,  se refere a uma quinta, algures entre Fá e Bambadinca, e pertencente a um português há muito radicado na Guiné. Creio que por razões de ordem politica.

Tenho disso uma recordação muito fraca. O vago-mestre parece que ia lá comprar vegetais. Passei lá uma ou duas vezes. O Velhote tinha quatro ou cinco filhos, já homens e mulheres,  mais velhos que nós. Falei com, pelo menos, um dos filhos. Contou-me que, antes da guerra certamente, caçavam no Geba jacarés e outro tipo de caça naquela zona,  etc.

O Velhote tinha uma destilaria. Estando a fazer aguardente de cana,quando por lá passei, agarrou num copo em bambú,  encheu e bebeu a aguardente de um trago. Como quem bebe água fresca. Depois, noutro copo, deitou aguardente e deu-me a beber. Foi o liquido mais forte que bebi... deslizava e queimava... e ele olhava... respirei fundo e soprei forte. Fiquei desinfectado. O fulano sorrindo disse ter-me portado bem. A minha memória dessa destilaria é fraquissima. Há outro pormenor mas é com a "inteligência" de Bambadinca. O Jorge Cabral e outros militares que passaram por Fá, certamente lembram-se desta família. Será Brandão? Não sei.

Abraço,Torcato
 
(ii) Luís Graça:
 
Torcato: Também lá fui uma ou outra vez. Ponta quer dizer quinta. Logo havia lá criação (leitões, por exemplo), horta e fruta (abecaxis, por exemplo). Julgo ter lá ido algumas vezes quando algum de nós estava de sargento de dia à messe (ou sargentod e mês, mais exactamente)... O Jaime, o nosso vague-mestre (da CCAÇ 12), batia região à cata de matéria-prima para satisfazer o apetite voraz da messe de Bambadinca (as meses de sargentos e de oficiais eram separadas, mas a cozinha era a mesma)...


O Jorge Cabral também conhecia a Ponta Brandão, que de resto ficava perto de Fá... Mas tudo aquilo, a começar pela casa, tinha um ar decadente...

Já não posso jurar se a família era de origem metropolitana, ou caboverdiana... A família Brandão de Bambadinca era aparentada com os Brandão de Catió... Uns e outros tinham fama de ter gente no PAIGC...

E a propósito de civis de Bambadinca, soube pelo Dr. António Vilar - o médico do BART 2917, que sucedeu ao Mário Ferreira - que o Rendeiro ainda está vivo. Com cerca de 90 anos, vive em Murtosa, separado da esposa africana, que era filha de um régulo mandinga e que ele nunca nos mostrava. Era a mãe dos seus numerosos filhos... Jantei algumas vezes em sua casa... O seu chabéu era famoso... Em troca, ele queria saber coisas da vida do quartel...

Recordo-me de ele me ter dito que fora para a Guiné aos 17 anos... Terá nascido, portanto, em 1920.

(iii) Jorge Cabral:

Confirmo.Fui visita assídua do  Senhor Brandão, principalmente durante as férias da filha que trabalhava em Bissau. Era natural de Viana do Castelo ou da Póvoa de Varzim,já não me recordo bem.Teria na altura quase 80 anos, mais de 40 de Guiné e muitos filhos.

A aguardente de cana era fogo...mas matava qualquer bicho, mesmo os  imaginários...

Abraço.

Jorge Cabral

(**) Vd. também postes sobre a família do agricultor de Bambadinca, Inácio Semedo, um histórico do nacionalismo guineense, pai do Doutor Eng Inácio Semedo Júnior, que vive presentemente em Lisboa.

3 comentários:

Anónimo disse...

Rosinha: Levantas uma questão interessante... Que sabemos nós desses homens e mulheres, portugueses, caboverdianos, sírio-libaneses, que constituíam os "colonos" (comerciantes, agricultores, pequenos industriais) da Guiné ? Não falo já do funcionalismo administrativo...

Tens razão, eram desprezados pela tropa, olhados com desconfiança... Em contrapartida, também não nos viam com bons olhos... (Mas será que podemos generalizar, a partir dos poucos casos que conhecemos 'in loco' ?

Este sr. Brandão tal como como o sr. Teófilo de Bafatá, deve ter vindo numa leva de "desterrados políticos" por volta de 1930... Daí andaram à volta dos 70/80 anos quando os conhecemos...

Alguns desses "colonos" casaram com mulheres indígenas, como foi o caso do Rendeiro, também de Bambadinca.

Luís Graça

Anónimo disse...

Luis, eu só me apercebi da africanidade dos nossos craques de futebol, José Águas, Peyroteu e de gente como o Sãotomense Almada Negreiros, e apenas soube que eram mestiços e alguns eram designados de brancos de 2ª, passados mais de 15 anos de estar em Angola.

No entanto essa gente, cujo pai ou avô eram os tais "brandões", tiveram acesso a livros, viagens e conhecimentos tais, que conheciam melhor o nosso retângulo metropolitano, aldeão, rural e com aquele analfabetismo que sabemos, e daí, gozavam com a malta que ia daqui, como fui eu, antes da guerra, portanto, ainda tudo em paz e harmonia.

Mais tarde com a guerra, eles contavam esta piada:

"O soldado regressa à santa terrinha, e a família pergunta o que o marcou mais na guerra.

Responde o soldado: O que mais me marcou, foram as costas do meu furriel.

Porquê?

Porque em todas as patrulhas era eu que seguia a traz dele durante 2 anos."

De facto não havia integração alguma, para se poder conhecer o mínimo, e daí fazer uma análise do que se via.

Luis, foi a guerra e a colonização que se pode arranjar e um dia Angola tambem fará o campeonato do mundo em português e a Guiné a ver a crioulo.

Antº Rosinha

Sandra Brandão disse...

Estive a lêr quanto a familia Brandão de Bambadinca, e gostei de lêr as vossas recordações em relação ao meu avô. Ele era de Arouca, tinha só 3 filhos 2 rapazer e uma menina.Apesar de Abraçar uma nova patria ele recordava com amor o seu país, Sandra Brandão