domingo, 4 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6105: (Ex)citações (63): O Ten Cor Correia de Campos foi um dos heróis de Guidaje (José Manuel Pechorro)

1. Recebemos esta mensagem de José Manuel Pechorro* (ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73) para publicação:


P6090 - … Os dias da batalha de Guigaje, 20 e 21 de Maio de 1973, do ex-Fur Mil Daniel de Matos

Acabo de visitar o blogue (03/4/2010) e abrir a postagem n.º 6090, Os Marados de Gadamael e Os dias da batalha de Guidaje, 20 e 21 de Maio de 1973, em que o ex-Fur Mil Daniel de Matos fala do Sr. Ten Cor António Valadares Correia de Campos de modo depreciativo e infeliz.

O seu relato longo sobre a sua estadia na Guiné lhe deu bastante trabalho e levou tempo, merecendo o nosso reconhecimento e louvor. É difícil descrever acontecimentos que não presenciamos e que não dominamos correctamente.

O Sr. Ten Cor Cav deu entrada em Guidage, integrado na coluna Binta/Guidage, no dia 10 de Maio de 1973, cerca da 19 – 19,30 horas. Fez o percurso quase todo a pé, apareceu de pistola à cowboy, com botas de fuzileiro, os galões nos ombros e bengala na mão, acompanhado pelo Fur Mil de Informações e Operações de Infantaria, Carlos Jorge Lopes Marques Pereira, também do COP 3. A chegada da coluna foi saudada pela população e militares com regozijo!

Logo que chegou dirigiu-se ao Comando e na presença dos oficiais, afirmou que era ele o Comandante, o que ficou bem claro.

Neste dia tinham-se verificado confrontos violentíssimos que o PAIGC travou com as NT, na zona do CUFEU. Primeiro com a CCAÇ 3, que ao contra atacar desbaratou e depois com a CCaç 19, mandinga, onde esta sofreu 5 mortos que abandonou no terreno; os únicos que teve na estrada durante o cerco a Guidage, retirando apressadamente para o aquartelamento. O PAIGC deixou a zona fortemente combalido, principalmente no embate com a CCaç 19, sofreu pelo menos 6 mortos e vários feridos graves e ligeiros. Morreu o seu comandante. Estou convencido que as suas baixas foram mais elevadas… as informações recebidas falavam entre 10 a 12 mortos e o relato dos combatentes no terreno o dão a entender. Compreende-se que esta coluna não tivesse sido atacada.
O PAIGC já tinha tido 13 mortos confirmados e vários feridos, no dia 8/9 de Maio 73, conforme relato (P4957) do ex-1.º Cabo Manuel Marinho que bem descreve, durante os ataques à coluna de 4 viaturas que não chegou a Guidage. No local das viaturas as NT deixaram 4 mortos.

Durante o período da sua estadia o Sr. Ten Cor Correia de Campos dormiu sempre debaixo de chapa de zinco, no Posto de Comando. Durante as flagelações via-o sair sempre com o AVP 1 na mão, em locais de risco, de pé, tentando ajudar o nosso Pel Art 24 e o morteiro 81 a responder com mais eficácia, contra as 4 principais bases de fogo do IN. As zonas mais atingidas eram os locais da nossa artilharia, enfermaria e posto de comando; resto do aquartelamento e povoação.

Admirado e curioso, por três vezes fui atrás dele. Falava com uma calma e serenidade que me impressionou. Observava as saídas do fogo do IN e os rebentamentos das nossas granadas… Dava indicações.

A messe dos oficiais tinha uma só porta e era coberta também com chapa de zinco. As mesas e cadeiras dificultavam a circulação e o Sr. Ten Cor Correia de Campos, dando exemplo sentava-se no fundo, para fugir seria sempre o último.

Quanto a disciplina, o Comandante entrou a doer. Eu próprio levei uma reprimenda! Custou-me, no momento, mas logo compreendi que noutras circunstâncias não a teria recebido. Percebi o que ele queria ou desejava.

O caso relatado e passado na messe, leva-me a supor que o ex-Fur Mil Daniel de Matos terá cometido ou infringido algo que provocou a reacção do Sr Ten Cor Correia de Campos.
Assisti a outras reprimendas disciplinares e conclui que o Comandante tinha razão.

Quis defender Guidage, conseguiu com valor e venceu. Cumpriu o seu dever de militar.

Quem viu o filme Dr. Jivago, e as cenas sobre a debandada do exército russo, nas trincheiras ou valas na frente ocidental com o exército alemão, fará uma ideia do que se passou também em Guidage. Em muito menor escala mas aconteceu. Lá não abandonamos graças ao Sr. Ten Cor Correia de Campos.

Quanto ao Whisky é verdade. Bebia com frequência, diluído em água, diariamente. Nunca o vi bêbado, mas sempre lúcido.
Adormecia cansado e acordado pelos rebentamentos, notei algumas vezes sair ensonado, passando rapidamente.

Perante certas afirmações ou piadas dos soldados, algumas forçadas, no ambiente tenso ou pesado, por vezes o vi sorrir e até rir.

O Sr. Ten Cor Correia de Campos deixou o quartel no dia 12 de Junho, em coluna auto em direcção a Binta. Foi substituído pelo ex-Major Carlos Alberto Wahon da Costa Campos, também já falecido.

Relembrando o dia 25 de Maio de 1973 e o abrigo subterrâneo ou embutido no terreno, junto à vala paralela à pista de aviação que tem a bolanha e o Senegal pela frente, onde se encontrava o Fur Daniel de Matos. A granada de morteiro 120 que rebentou no canto, em cima da parede, na ponta do ângulo recto, perfurou a placa na ponta do abrigo. Esta deixou um buraco no tecto, por me parecer que o telhado estava enfraquecido pelo tempo. A granada não entrou, caso penetrasse teriam morrido todos os que lá se encontravam!

Houve heróis no assédio do IN a Guidage, mas sobressai o principal, o Sr. Ten Cor Correia de Campos. Que descanse em paz e que Nosso Senhor tenha perdoado as suas faltas, as que eu desconheço.

Faço votos de Uma Santa e Feliz Páscoa para todos.

Chegada ou partida de helicóptero, na zona de evacuação. De costas o Fur Mil de Inf Op Inf Carlos Jorge L. M. Pereira, com o AVP 1 na mão.

José Pechorro dando de comer a uma gazela, pertença do Fur Mil Enf Crisóstomo.
Foto cedida pelo 1.º Cabo Transmissões Janeiro.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6077: (Ex)citações (54): José Brás lamenta ver publicado um texto antigo de sua autoria na Tabanca da Lapónia

11 comentários:

Antonio Graça de Abreu disse...

Pois é, há sempre uns tantos camaradas que gostam de dizer mal de nós, adoram dar tiros no pé, nós, portugueses, somos sempre do piorio.
Os oficiais do QP foram todos uns cobardes, nas guerras do ar condicionado, etc. Até há livros escritos sobre isso, não é Manuel Rebocho?
Lembram-se da tese da guerra militarmente perdida, por incapacidade dos nossos militares resistirem à pretensa superioridade do PAIGC? Essa tese nasce com Guileje, morre com Guidage, Gadamael e o resto da Guiné, 1973/74.
Homens como Correia de Campos, Costa Campos e até o meu coronel Rafael Ferreira Durão (apesar dos muitos defeitos que lhe conheci) souberam honrar a farda que vestiram, a sua opção de vida.
Apenas isto.
Eu não tenho vergonha de ser português.
Abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Amigo Pechorro.

Este teu testemunho sobre o Ten. Cor. Correia de Campos que eu subscrevo, por ser o Comd. que foi para o local onde só líderes com forte carisma conseguem dar alento e esperança aos homens que comandam com o seu exemplo, por isso estou de acordo contigo e com os camaradas que fizeram a mesma crítica nos comentários ao post 6090.

Isso não me impede contudo de julgar, que não podemos “crucificar” o camarada Daniel Matos, apenas pelo facto de ter sido infeliz na apreciação depreciativa que faz de uma ocorrência isolada que teve com o Cor. Correia de Campos, num contexto complicado de guerra que os que lá passaram sabem perfeitamente, e porque nesse mesmo texto o Daniel embora de forma vaga faz menções elogiosas ao Comd., e também porque a 3518 lá deixou os seus mortos, devemos também palavras de apreço ao camarada.

Para terminar eu no mesmo comentário que fiz ao post que estamos a falar, digo o que se passou comigo para realçar a diferença abismal de postura entre um Cap. que não “viu” Guidaje e teve atitude que me revoltou, e os que de facto com grande capacidade de comando conseguiram levar a que Guidaje fosse exemplo de coragem, sacrifício, e porque não de heroísmo, só esses me merecem respeito.

Um grande abraço, e votos de Feliz Páscoa para todos.

Manuel Marinho

Anónimo disse...

Caros camaradas,
Por aquilo que me foi dado observar o camarada Daniel Matos não disse nada do outro mundo sobre o ten cor, Correia de Campos por quem eu tenho muita consideração. Só não gostou da observação que lhe foi feita pela sua entrada na messe. Duma maneira geral nós sabemos muito bem que os
milicianos se estavam a cagar para as formalidades e para o RDM e que os militares do quadro às vezes até exageravam na sua aplicação o que para nós era uma xicalhada díficil de suportar. Quanto à parte operacional todos aqueles que lidaram com o maj. Correia de Campos ´que podem ter existido outros tão valentes como ele, mais é díficil.
Um grande abraço e boa Páscoa para todos.

Adriano Moreira - Fur. Mil. Enf.
Cart.2412 "SEMPRE DIFERENTES"
Bigene,Binta,Guidage e Barro 1968/70.

Anónimo disse...

No comentário anterior escapou-me a palavra "sabem" entre o major Correia de Campos e podem ter existido.
Desculpem o lapso.
Mais um abraço e tudo de bom.
Adriano Moreira

Anónimo disse...

Caro António Graça de Abreu,

Daí se compreender que sejam poucos os oficiais do QP a colaborar no blogue.
Abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Felizmente não conheci, nem Correia de Campos, nem Guidage e muito admiro os que lá aguentaram o que sabemos pelos relatos vários.
Naturalmente que o fizeram no mcumprimento de obrigações e deveres que cada qual, podendo entender como subjectivos e inúteis à luz de um futuro mais que certo, não podem deixar de se enaltecerem.
Coisa diferente é o que escreveu o Daniel, aproveitado de imediato para estrapolações radicalizadas.
Li os dois postes do Daniel e achei-os do melhor que já vi escrito no blogue. Circunspecto, poupado em lamentos que noutros seriam motivo parea chor ou para auto-louvação, muito claro, justamente como quem aceita a parte que lhe coube.
Sempre admirei essa capacidade de doação e bravura que habitou muitos dos nossos militares, sem distinção de serem ou não profissionais do quadro.
Nunca admirei a teatralidade da valentia como o camarada pechorro descreve Correia de Campos.
Com isto digo que divido a admiração que poderia ter por ele se com ele tivesse convivido.
O que o Daniel descreveu é apenas um episódio que todos conhecemos na tropa, na guerra ou no puto.
E nada mais do que isso, não merecendo as reações acaloradas dos camaradas "ofendidos" nem o "suponho" e o "ifeliz" ditos dele pelo camarada Pechoro.
Abraços
José Brás

Luís Dias disse...

Carissimos camaradas

Como dizia alguém: "Rei fraco faz fraca forte gente". Logo, um bom dirigente,um bom comandante, anima e encoraja aqueles que de si dependem.

Um abraço

Luís Dias

Anónimo disse...

A Verdade!

Queiramos ou não, aqui está descrito pelo José Manuel Pechorro, a verdade do que foi um verdadeiro militar, de um Exército com séculos de história.
Foi esta e outras mais, que o Coronel Carlos da Costa Campos me contou! É verdade e outras!
Será talvez um pouco desaberto, falar causticando, um militar que um dia entrou numa Academia e se furmou jurando defender o seu país.
Quem se sinta com a mente completamente descompremetida e que não tenha feito o mesmo juramento, perante a mesma bandeira que ainda hoje é símbolo deste deste país, que atire a primeira pedra.
Se Correia de Campos, se Carlos da Costa Campos cumpriram. Hoje e agora tomo a minha posição dado ter feito o mesmo juramento.
Não me importa, e para mim não tem valor, os que criticam os que foram cobardes e os que foram heróis. Interessa-me saber os que cumpriram o seu juramento.
Hoje já não há dúvidas, dos porquês da História deste país mal tratado.
A democracia é visil pelo que escrevo, mas está escondida pelo que vejo viver.
A Guiné-Bissau, o "chão" que partilhá-mos com os nossos irmãos, está melhor?
Imperialismo! Colonialismo!
O Império foi-se! O Colonialismo? Mantem-se, e agora sem diferença de côr.
Estamos ultrapassados. Não só na Guiné!
Mas na Guiné nós é tirámos as armas aos que foram mortos, aos que fugiram para uma Pátria que julgavam deles.
E quanto a nós?
Pura ilusão!
Fomos atirados para o lixo de uma espécie em extinção.
A unica coisa que nos resta, é respeitar a memória daqueles que foram honestos com a sua própria convicção. No lixo para onde nós iremos já eles estão!
Estou pronto, para receber a primeira pedra de quem se sinta incolo-me e inocente.

Mário Fitas

Anónimo disse...

Aprecio a frontalidade e a coragem do José Manuel Pechorro na defesa do seu comandante em Guidaje.Concordo e corroboro as palavras e pensamento do Mário Fitas no seu comentário acima.Abraço para quem assume a história, e não tem complexos de pecursos ou passados, CGASPAR.

Anónimo disse...

E direi mais há quem diga que se esteve na guiné, uma terra que não era nossa.Mas o povo da Guiné também foi enganado com a guerra de libertação, que afinal não libertou nada.Falem com os mais velhos que têm também a nossa idade e que voltaram a pegar em armas em 1998 inclusive contra os seus "amigos do Senegal e Conakri.Eles também foram considerados lixo pelo poder.Lá como cá o poder e a politica são iguais "muito democráticos" mas só em relação aos seus próprios interesses.Vale a pena pensar nisto?Não vale mais deixarmo-nos vergastar com o chicote de colonialistas.E para terminar direi com ironia, que a Guiné está agora liberta.Mas de quem e de quem?CGASPAR

Anónimo disse...

E ainda me esqueci de mais vejo no blogue notícias e eventos, livros e pequenos vídeos relacionados com a Guiné é certo e verdade.Mas ainda não li nada nem vi entrevistas relacionadas com os mais velhos da Guiné aqui no blogue em relação ás verdades que estes disseram nos acontecimentos de 1998 na Guiné.
CGASPAR