sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7612: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (41): Na Kontra Ka Kontra: 5.º episódio




1. Quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 13 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA



5º EPISÓDIO

Chega a hora do jantar e a refeição já ia ser servida à mesa, então improvisada. Aqui, o Alferes Magalhães, devido ao seu estado de alma, a pairar nos ares como jagudi à procura de comida, comete uma imprudência que lhe podia ter ficado muito cara, no mínimo impedindo-o que à noite, no “bentem”, pudesse conduzir a conversa no sentido de obter informações sobre o fanado praticado na tabanca, sobre a idade de casar das bajudas, sobre cabaços e duma forma geral sobre tudo que o aproximasse da bajuda Asmau. Obsessão, efeitos do clima, ou muito simplesmente amor à primeira vista?

Ao lusco-fusco, verdadeira hora H do mosquito, vão jantar ou como é costume dizer-se, meter os pés debaixo da mesa. O nosso Alferes, que pairava noutro planeta, é o único que vai jantar de calções. Confraterniza-se verdadeiramente pela primeira vez. A conversa prolonga-se até porque tinham trazido uma garrafa de bagaceira e se beberica um pouco. Ao levantar-se o Alferes dá um ai. Tinha sentido, detrás dos joelhos logo acima da barriga das pernas uma sensação como que de queimado. Veio a verificar-se que tinha sido picado por centenas de mosquitos. O elemento que tem as funções de enfermeiro apressa-se a besuntar os inchaços com uma pomada apropriada.

O nosso Alferes não se livra de ter alguma febre e tem que se ir deitar por lhe custar a andar. A conversa que tanto queria ter com o João Sanhá tinha que ficar adiada.

No dia seguinte bem cedo, já meio recomposto, dirige-se à fonte com a intenção de orientar a construção de um resguardo, à base de folhas de palmeira, para os militares poderem tomar banho resguardados das lavadeiras. Vai tomar o seu banho, mas sobretudo ver se aparece por lá novamente a bajuda Asmau. Tem esperança que, por ser filha do Chefe de Tabanca, saiba falar algo de português. Não é a falar que a gente se entende?


O resguardo para a tropa tomar banho e o Alferes Magalhães observando a nascente.

O resto da manhã, “com o Sol encoberto” passa-o a posicionar o abrigo do morteiro. Um grupo de milícias encarrega-se de ir buscar troncos de palmeira para a cobertura do abrigo da população civil. Como havia canas secas de milho em grande quantidade foram espalhadas junto ao arame farpado, nos locais mais problemáticos, para se sentir qualquer aproximação ao arame farpado por parte de guerrilheiros, durante um possível ataque.

Depois do almoço e da sesta, que mais uma vez não aconteceu pois a cabeça do nosso Alferes era um turbilhão de ideias não contraditórias como costumava acontecer, mas centradas na Asmau sua ideia frontal. Foi pois orientar os trabalhos. À noite não deixaria de ter a conversa com o João para tirar tudo a limpo. Puro engano.

O radiotelegrafista tinha montado uma antena dipolo orientada para Galomaro, tendo logo nessa tarde chegado a primeira mensagem do Comando, ordenando que se fizesse no dia seguinte uma operação de reconhecimento, na zona da antiga tabanca de Padada.

Lá se ia, novamente, por água abaixo a conversa com o João.

Havia que combinar tudo: Pessoal que ia, armamento que se levava e sobretudo deixar instruções bem definidas ao pessoal que ficava na tabanca. Caso ouvissem rebentamentos para o lado de Padada pediriam apoio aéreo, pois não há meios rádio móveis. Adiada a conversa resta a esperança. Seria no dia seguinte? Provavelmente não. Iriam ser percorridos uns 25 ou 30 quilómetros carregados com armas, carregadores e granadas, debaixo de uma temperatura a rondar os 40 graus com uma humidade de cem por cento e, portanto, iriam todos chegar exaustos.

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd.último poste da série de Guiné 63/74 - P7605: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (40): Na Kontra Ka Kontra: 4.º episódio

3 comentários:

Fernando Gouveia disse...

Conforme referido no 1º comentário do 1º Episódio:

Glossário do 5º episódio (que por lapso devia ter sido incluído no 4º Episódio):

COLA: Fruto semelhante a uma castanha que os africanos costumam mascar, um fortíssimo excitante.

Um abraço a todos e até amanhã.
Fernando Gouveia.

Anónimo disse...

Caro Fernando Gouveia

Agradecido pela explicação dada. Eu li com atenção, mas devo ter olvidado a data, Junho de 1969.

Eu quando fui para a Guiné, em rendição individual, estive sempre numa companhia de nativos, lidei muito de perto com os civis e militares de Canjadude. Entrosei-me muito no meio deles e eles estimavam-me. Apontavam-me uma qualidade, ao dizerem que eu era o único branco que os tornava menos pretos, quando os fotografava! É lógico que isto não era qualidade nenhuma, só que eu quando os fotografava, segundo a leitura que fazia da escala do fotómetro, dava um pouco mais de abertura ao diafragma da máquina, ou seja, baixava a abertura para um valor menor em relação aquele que lia no fotómetro.

A propósito, da noz (ou castanha) de cola, que esclareces no comentário que acompanham os teus postes, muito bem com glossário, permite-me que diga o seguinte: Eu via os africanos constantemente a salivar e mascar a cola. Muitas vezes me ofereceram mas eu só experimentei uma vez.

A cola (cafeína) é um estimulante do sistema nervoso central (SNC). Os africanos utilizam-na como digestivo, e para minimizar o cansaço e a fome.
O princípio activo, da cola, é a cafeína, que deve ser uma das drogas com mais uso generalizado. É extraída dum conjunto de plantas tais como: As Coleiras, o Cafeeiro, o Cacaueiro a Planta do Chá (Camellia sinensis) etc. Os efeitos da cafeína são diversos mas menos agressivos e de menor duração no organismo que os das anfetaminas (vulgarmente drogas). Aumenta a respiração, estimula o centro respiratório, aumenta a força de contracção, o ritmo cardíaco e provoca diminuição da fadiga muscular, porque acelera o ciclo de krebs etc.

Se estivermos a beber um café e quisermos neutralizar um pouco os efeitos da cafeína, porque nos perturba, nada melhor do que comer umas laranjas (citrinos). A cafeína é uma base, que vai reagir com o ácido cítrico dos citrinos e vai formar um sal, que é o citrato de cafeína, que tem efeitos, no nosso organismo, contrários daqueles que tem a cafeína. Grosso modo, pode dizer-se, que a cafeína é um estimulante, enquanto o citrato de cafeína, é um calmante.

Um abraço

José Corceiro:

Fernando Gouveia disse...

Camaradas:

Já agora corríjo-me: Não é até amanhã mas sim até segunda-feira.

Mais um abraço.

Fernando Gouveia