terça-feira, 19 de abril de 2011

Guiné 63/74 – P8137: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (13): Oficina danada



1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 - Binta -, 1964/66, com data de 19 de Abril.
OFICINA DANADA

Dois homens de cabelos brancos passeiam lentamente aproveitando o fresco da noite que se avizinha.

O mais velho fala, gesticula e de olhos brilhantes aponta para um edifício amarelo, degradado, com muitos anos de tempo. De memórias, de sons de martelos e do fogo de bigornas...
- Ali era a “Oficina danada”!
- Espera aí, José Coelho. Vamos falar desses nossos antepassados com mais calma.
E com a magia de que os mais velhos são capazes aproveita-se a esquina mais próxima para se entrar na” máquina do tempo” e viajar muitos anos para trás.
Na casa amarela, trabalhavam quatro irmãos (o Joaquim, o Zé “Preto”, o Júlio e o António “Russo”), hábeis serralheiros, com oficina na Rua Frei Estêvão Martins, a poucas centenas de metros do Mosteiro. Viveram intensamente os tempos conturbados do assalto ao Quartel em meados de Janeiro de 1919.
Num livro escrito alguns anos mais tarde é referido «… que em 11 de Janeiro de 1919, civis armados, auxiliados por oficiais revoltosos de Regimento de Artilharia 1, aquartelado em Alcobaça, tomaram posse do quartel, prenderam o Comandante e alguns oficiais e seguiram para Santarém, principal núcleo do movimento revoltoso.

"No dia 13 seguinte, encontrando-se Alcobaça desguarnecida, entrou nela tropa de Infantaria 7, fiel ao governo, tendo-se seguido a prisão de largas dezenas de pessoas... e até 24 do mesmo mês viveu-se um regime de terror, com violação de domicílios e atropelos vários.»

Os quatro irmãos da nossa história e a sua oficina estiveram na mira das forças da ordem de então por terem sido denunciados por inimigos políticos. Eram acusados do fabrico de bombas para a revolução.
Foi um elemento da GNR que no final da busca, certamente cansado, enfarruscado e desiludido por nada ter encontrado que proferiu a frase que veio a tornar conhecida a oficina dos 4 irmãos:
- Que oficina danada!


Quanto às bombas elas estavam lá perto, dentro de um cesto que, preso por um arame, estava mergulhado nas águas escuras do Rio Baça, que passava nas traseiras da oficina.
Se têm aberto a janela enferrujada das traseiras e puxado o arame os quatro irmãos teriam ido mesmo presos.

Parafraseando a histórica expressão do soldado da GNR,  tiveram uma sorte danada!  E em tempos passados ou nos de hoje… a sorte de um homem é escapar!  Digo eu… que não sou de intrigas.
FMI, digo, FIM.

JERO
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4 comentários:

Anónimo disse...

Caro José Eduardo

Que história engraçada!

Engraçada, porque conseguiram escapar à procura de que foram alvos e pelo visto com fundamento.

Quantas histórias e estórias haverá por contar?

Quanto fica sempre no desconhecimento da maioria!

Quanto é apenas, ou foi, do conhecimento de poucos!

Obrigada pela história!

Um Abraço

Felismina Costa

Juvenal Amado disse...

Jero
Alcobaça não tem só o Mosteiro, belissimas frutas e simpatia das suas gentes, também tem estas estórias danadas.

Um abraço

José Marcelino Martins disse...

De notar que o RA 1 era de artilharia montada. Foi para Alcobaça o 2º e o 3º Grupos do RA 2 (montada) que se encontrava na Figueira da Foz - Decreto de 8 de Junho de 1911 e Ordem do Exército nº 13 de 9 de Junho de 1911.

O decreto supra citado foi CORRIGIDO pela O.E. nº 5 de 7 de Maio de 1921, transferindo o RA1, para Évora.

Tera sido por causa desta revolta?

Anónimo disse...

Caro Amigo José Martins
Não há dúvida que és um camarada especial dentro do nosso blogue. Tens a preocupação do pormenor e do enquadramento histórico dos factos. Esta história da Oficina Danada” aconteceu mesmo e foi-me contada por um meu familiar, que na altura já contava 80 e tal anos e que entretanto faleceu.
O assalto ao Quartel do RA 1 está documentado num livro chamada “Breve História de Alcobaça”, da autoria de Bernardo Villa Nova e Silvino Villa Nova. Diz respeito à época da presidência de Canto e Castro (1918-1919). O que incluí na minha postagem está referido a páginas 137 do referido livro dos Villa Nova(Pai e Filho).
O enquadramento a nível nacional está dentro da época que ficou conhecida por “Monarquia do Norte .
Em 19 de Janeiro de 1919 é proclamada a Monarquia no Porto e em Lisboa. Paiva Couceiro chefia a Junta Governativa do Reino
Em 20 de Janeiro registam-se manifestações a favor da República em Lisboa.
O Governo da República declara o “Estado de sítio” em todo o continente. Abrem-se inscrições para Batalhões de Voluntários para defender a República. Os ex-combatentes da 1ª.Grande Guerra Mundial são dos primeiros a aderir a este Movimento.
Em 24 de Janeiro de 1919 com o assalto a Monsanto é debelado a Sul a revolta monárquica. Em 13 de Fevereiro termina no Norte a sublevação monárquica.
Nesta fase conturbada da vida nacional o assalto ao Quartel de Alcobaça incluiu-se na guerra civil do Litoral do Centro com republicanos a opor-se à Monarquia do Norte.
Estas últimas informações foram, em parte, respigados da colectânea “Portugal Século XX”, de Joaquim Vieira.
Um abraço de Alcobaça,
JERO