sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8935: Notas de leitura (289): Ultramar - 1968: Quando Américo Thomaz percorreu livremente a Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
Tirando um aspecto trágico-cómico da propaganda do regime, este número da revista Ultramar dá informação por vezes de grande qualidade, nomeadamente no campo histórico, religioso, antropológico e etnográfico. E obriga-nos a reflectir, pela diferença, como os anos 60 foram muito mais pobres que a década anterior no impulso editorial, no empenho da investigação, no surto literário, entre outros.

Há sempre a pairar o fantasma desse turbilhão que foi Avelino Teixeira da Mota e as missões científicas de altíssimo coturno do final dos anos 40 e de toda a década de 50. Afinal, Amílcar Cabral fez o recenseamento agrícola da Guiné entre 1952 e 1954. Lê-se este número e dá para comparar as oportunidades perdidas naquele período de guerra, não houve imaginação para mais.

Um abraço do
Mário


1968: quando Américo Thomaz percorreu livremente a Guiné

Beja Santos

A revista Ultramar (propriedade do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa) dedicou o número do segundo semestre de 1968 à visita que o Presidente da República fez à então Província da Guiné. No prefácio, Joaquim da Silva Cunha, ministro do Ultramar escreve a propósito dos resultados da viagem:

“Desmentiu redondamente o boato gerado por certa imprensa estrangeira de uma parte, maior ou menor, do território da Guiné portuguesa ser controlada e dominada pelos terroristas. O Presidente da República percorreu livremente os caminhos do interior sem haver encontrado impedimento ao entusiasmo das multidões”.

Nada melhor de ver, de acordo com o que ficou escrito na revista, o que foi a visita à Guiné. Desembarcou do paquete Funchal em 2 de Fevereiro, passou revista uma guarda de honra, recebeu a chave da cidade de Bissau, dirigiu-se à Sé (houve Te Deum) e daqui segui para o Palácio do Governo. Os discursos multiplicam-se. Houve depois banquete e à noite grupos de Fulas, Futafulas e Fulas Pretos, Balantas e Manjacos, Mandingas e Saracolés, Felupes, Grumetes e Bijagós exibiram as suas danças e as suas músicas de fronte do Palácio. Houve amnistia e perdão para vários delitos.

No segundo dia, visitou o gabinete militar do Comando Chefe, esteve no cemitério de Bissau, no hospital civil, no hospital militar, no Museu Biblioteca de Bissau, no Bairro da Ajuda, no Asilo de Bor. À noite banquete na Associação Comercial de Bissau.

No terceiro dia, deslocou-se de avião a Nova Lamego, seguiu para Bafatá, entregou medalhas e espadas, recebeu chefes religiosos e conversou com o ourives Al-Hadje Cheik. Pelas 12 horas já estava a caminho de Bissau. Na Praça do Império presidiu a uma cerimónia de entrega de condecorações.

No quarto dia, visitou a Sacor, em Bissau, esteve no ilhéu do rei, inaugurou a Escola D. Gertrudes Rodrigues Thomaz e visitou a Feira do Livro na Praça do Império. Em 6 de Fevereiro visitou Bolama e Bubaque.

Na manhã do sexto e último dia, Américo Thomaz homenageou na Praça do Império os heróis das Forças Armadas e, por fim, visitou uma exposição de material de guerra na fortaleza de S. José de Bissau. E daqui partiu para Cabo Verde. Dito cruamente, que Guiné percorreu Américo Thomaz?

Mas fora as tiradas da propaganda, este número da revista Ultramar tem artigos de leitura obrigatória: Uma história breve da Guiné, por António Alberto de Andrade, trabalho meticuloso e irrepreensível; um ensaio de Teixeira da Mota sobre a visita de António Velho Tinoco à Guiné em 1575; um texto de análise antropológica sobre a Guiné e Cabo Verde, de António Carreira; um estudo de cultura religiosa de Fernando Rogado Quintino, entre outros. Há ainda a destacar um trabalho sobre a subversão na Guiné e outro sobre a acção das Forças Armadas.

Do significativo trabalho “História breve da Guiné portuguesa”, António Alberto de Andrade questiona o problema de civilização, tendo em conta que o ideal português estava informado pela Concepção cristã da vida, pelo estabelecimento de relações de amizade e, sempre que possível, a aceitação de vassalagem por parte daqueles povos que faziam parte do comércio euro-africano-asiático. O autor destaca várias dificuldades no que respeita a Guiné, aqui não havia um Estado organizado, mas povos agrupados em tribos, o islamismo já tinha um papel preponderante.

A Guiné começa por ser preponderante na esfera dos negócios, é ali que são deixados os lançados ou tango-maus, empurrados para o interior africano, isto sem minimizar a presença frequente dos cabo-verdianos; ainda hoje não há acordo sobre toda a área dos rios da Guiné frequentada pelas naus portuguesas, mas os relatos a partir de Álvares de Almada falam de uma costa da Guiné que em termos actuais vai desde o alto do Senegal até às fronteiras da Guiné-Conacri até à Serra Leoa.

Indiscutivelmente se criaram núcleos populacionais em Cacheu e em Bolama, na actual Guiné-Bissau e a partir do século XVI houve várias tentativas do estabelecimento de missões, praticamente todas elas falharam. Não é por acaso que a religião católica é minoritária, independentemente dos resultados por vezes extraordinários do seu proselitismo, da indiscutível importância que ocupa no sistema educativo, na ajuda humanitária e nos cuidados de saúde.

Este número da revista Ultramar passa a pertencer ao blogue.
____________

Nota do Editor:

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8915: Notas de leitura (288): Pami Na Dondo, A Guerrilheira, de Mário Vicente [, o nosso Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66] (Mário Beja Santos

4 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Tínhamos pouco tempo de Guiné e apareceu P.R. Almirante A.Tomás.

A minha "" Companhia fez segurança a Bafatá, cá fora e lá na cidade durante dois ou três dias. Creio que o Grupo do C.M. dos Santos andou na cidade.

A batucada ia-nos pondo doidos e era "manga de ronco" para aquela gente e passavam aos grupos rindo, batucando, cantando e dançando...viva o "Homem Grande de Lisboa"...eh...festas e romarias lá como cá e a maioria...o vira cá e o batuque lá. Era o Triplo F.

Se o IN aparecesse em frente de nós, piras", como seria?

AB T

Torcato Mendonca disse...

Tínhamos pouco tempo de Guiné e apareceu P.R. Almirante A.Tomás.

A minha "" Companhia fez segurança a Bafatá, cá fora e lá na cidade durante dois ou três dias. Creio que o Grupo do C.M. dos Santos andou na cidade.

A batucada ia-nos pondo doidos e era "manga de ronco" para aquela gente e passavam aos grupos rindo, batucando, cantando e dançando...viva o "Homem Grande de Lisboa"...eh...festas e romarias lá como cá e a maioria...o vira cá e o batuque lá. Era o Triplo F.

Se o IN aparecesse em frente de nós, piras", como seria?

AB T

José Nunes disse...

Pois eu estava em Bissau havia 15 dias,o percurso levou horas do cais ao Palácio,só circulavam carros militares,o carro do presidente descapotável ia em sanduichado pela policia militar ao lado á frente atrás de cem em cem parava para que fosse passada uma revista visual,as crianças foram metidas á frente,nos cruzamentos das ruas laterais estavam em cada um apontador de metrelhadora no chão com municiador ao lado,autometelhadores desciam e subiam as ruas de Bissau a ferro e fogo,muito folclore...
José Nunes
o lado

Anónimo disse...

AMÉRICO TOMÁS PERCORREU LIVREMENTE A GUINÉ= PROPAGANDA

O PAIGC PROCLAMOU A INDEPENDÊNCIA EM LUGADJOLE= PROPAGANDA

MILITARMENTE A GUERRA ESTAVA PERDIDA NA GUINÉ = PROPAGANDA

APÓS O 16-MARÇO /74-- REINA A PAZ E A ORDEM EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL = PROPAGANDA

PROPAGANDA ...PROPAGANDA

C.Martins