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O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER
da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem,
dando seguimento à catarse das suas recordações.
O VELHO
DA TABANCA REVELAVA UM SABER ANCESTRAL
O “HOMEM GRANDE” E O SEU
CACHIMBO
A sua fisionomia encantava-me! Calmo, um estatuto que
aliás se aplicava à quase generalidade dos “homens grandes” guineenses, de
poucas conversas, reservado e astuto no seu saber ancestral, aquele homem,
aparentando uma idade já avançada, dedicou-me alguns momentos de lazer. A sua
cordialidade obrigava-me, no fundo, a debitar com ele instantes de prazer.
Gostava ouvir os seus ditos sobre os conteúdos de uma guerra que teimava em não
dar tréguas.
Sentado numa espécie de “sofá” anárquico que era utilizado simultaneamente para receber um
anfitrião, como para repousar as pestanas nas horas de maior calor, o velho, e
amigo, apresentava sempre uma simpatia extrema quando por lá passava.
Era também comum ter à sua frente um banco em madeira
feito artesanalmente para mandar sentar gente que por ali passasse. O banco,
nada cómodo, começou a ser-me familiar tendo em conta as visitas feitas à
residência do frágil homem. Sempre que a oportunidade surgia, lá ia eu a
caminho da tabanca para dois dedos de conversa com o meu aliado, onde ouvia
histórias mirabolantes.
Curioso parecia ser o seu estado de espírito. Falava
mal a língua de Camões. Porém, habituei-me a entende-lo. Os pontapés na
gramática não eram uma questão de capital importância para um diálogo por vezes
atrevido. Falava-me em surdina dos conflitos no terreno, dos “turras”, da tropa branca e das mortes
que já tinha conhecimento.
Ao invés do clima de guerra já sabido, o meu amigo
rejubilava com a sua airosa tabanca construída com paredes de barro e, sobretudo,
com o seu mítico cachimbo. O patacão,
embora escasso, permitia-lhe dar umas fumadas no seu companheiro pito e
congratular-se com o destino que a vida lhe traçou. A tapar a cabeça um velho
gorro. O seu coração era enorme. Um belo dia pedi-lhe para me arranjar um
leitão. De pronto a minha encomenda estava garantida. Disse-me que conhecia um
rapaz que tinha porcos e, de certeza, também leitões. Aguardei.
Sabendo-se que os muçulmanos não comem carne de porco
a tarefa apresentou-se, à partida, facilitada. Ao cair da tarde e já com um unimog pronto para recolher o “famoso bacorinho” lá marchámos, sendo
que o homem do cachimbo tinha tudo tratado e o leitão pronto para cruzar uma
nova e derradeira etapa. Custou a encomenda
20 pesos, parece-me. Admito, e concordo, que o homem do cachimbo terá tido,
também, a sua cortagem. Moral da história: no outro dia houve leitão assado e
regado acaloradamente com uma boa dose de cervejas… fresquinhas!
No registo das minhas Memórias de Gabú ficou a saudade
do “homem grande” que tanto me aturou.
Um abraço a todos os
camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op
Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Fotos: © José Saúde (2011). Direitos
reservados.
Mini-guião
de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
1 comentário:
Caro camarada José Saúde
Gostei imenso de ler a tua história,sobre o Homem Grande do Cachimbo.
Eu como estive numa Cª.Africana ccaç13 em Bissorã privei muito de perto com as Populações e o que mais me encantou ,foi que sempre encontrei grande sabedoria nesses "Homens Grandes" e o curioso é que quase todos têm o mesmo aspecto do teu "Homem do Cachimbo".
Na verdade tambem passei várias horas em grandes conversas com esses Homens.Até porque foi uma das coisas que aprendi a quando da formação que fiz em Bolama para as CCAÇs,nas aulas de acção psicológica,no entanto quando me dei fé estava a adorar essas conversas e a esquecer as ditas aulas.
Não haja dúvidas que das raríssimas coisas boas proporcionadas pela ida forçada á Guiné foi precisamente o conhecer culturas tão diferentes da nossa.
Bom amigo Saúde tudo isto para te dizer que gostei do teu texto
Um abraço
Henrique Cerqueira
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