Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Guiné 63/74 - P9117: (In)citações (36): Para melhor compreendermos a África... (Artur Augusto Silva, 1963)
Cota: A7/1.3_013.002
Assunto: Província da Guiné, Conselho de Governo, Acta da Sessão de 7 de Julho de 1964 - n.º 2
Membros presentes: Presidente: Governador da Província, Brigadeiro Arnaldo Schulz;
Vogais Eleitos: Mário Lima Wahnon, Dr. Artur Augusto Silva, Joaquim Baticã Ferreira;
Vogais Natos: Secretário-Geral, Inspector Administrativo, James Pinto Bull, Comandante Militar, Brigadeiro, Gaspar Maria Chaves de Sá Carneiro, Delegado substituto do Procurador da República, Dr. Severino Gomes de Pina, Chefe dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, Director de 2.ª classe interino, Tomaz Joaquim da Cunha Alves
Secretário: Manuel Trindade Rodrigues Lisboa
Termos de referência: Ordem do dia: projecto de D.L. sobre a entidade a quem competirá o controle da migração de nacionais e estrangeiros; projecto de D.L. aprovando o regulamento de publicidade radiodifundida; projecto de portaria para aprovação do 1.º orçamento suplementar ao ordinário para o ano económico de 1964 dos C.T.T.; projecto de portaria fixando normas, disciplinando o exercício de comércio nas diversas localidades da Província e alterando a Portaria n.º 971, de 1-2-958.
Data: 7.JUL.1964
Tipo de Documento: Actas
Fundo: DIP - Documentos INEP/A7 - Fundo do Gabinete do Governador
INEP / A7-Fundo Gabinete do Governador / 2-Cons. Legislativo e de Governo / Actas
Fonte: Fundação Mário Soares / INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Bissau) (Com a devida vénia...)
1. Pequena homenagem no âmbito de um duplo aniversário: o de um homem (Carlos Schwarz da Silva - Pepito, para os amigos - que fará amanhã 62 anos de vida, vida de um lutador e de um sobrevivente) e o da sua obra (AD - Acção para o Desenvolvimento, de que foi um dos co-fundadores há 20 anos, e de que é o diretor executivo)...
Uma dupla reprodução: por um lado, uma cópia de um ata de uma sessão do Conselho do Governo da Província da Guiné, com data de 7/7/1964, presidida pelo Governador da Província, Brigadeiro Arnaldo Schulz, com a presença do Dr. Artur Augusto Silva, na sua qualidade de vogal eleito...
Desconhecíamos este dado biográfica, o lugar que o pai do Pepito chegou a ter no Conselho do Governo da Província, em 1964 (ao lado régulo manjaco, Joaquim Baticã Ferreira, e de Mário Lima Wahnon), antes de ser preso pela PIDE, em 1966, no aeroporto de Lisboa, e impedido de voltar à Guiné, à terra dos seus antepassados, que ele tanto amou ao ponto de lá ter morrido, em 1983.
Por outro, reprodução de mais um excerto, com a devida vénia do livrinho Pequena viagem através de África, de Artur Augusto da Silva (1912-1983), pp. 15-18 (Originalmente, uma "conferência pronunciada em 1963 no Salão Nobre da Associação Comercial da Guiné, no 46º aniversário da sua fundação", publicado em Bissau, 2009; ed lit, Henrique Schwarz, João Schwarz e Carlos Schawarz). [Os destaques, palavras-chave e realce a cores, é da nossa responsabilidade] (LG)
(…) Para melhor compreendermos a África, torna-se necessário descrever, embora sumariamente, as diversas formas de organização social que a tradição ainda mantém para, em seguida, lançarmos um olhar ao que se está tentando levar a cabo.
Anarquia
O primeiro sistema social, aquele que mais fere a compreensão dos ocidentais, é a anarquia que vigora nalguns povos africanos.
Tomemos, por exemplo, os balantas. A sua organização social corresponde à definição etimológica de anarquia: ausência de governo.
O sistema vigora em todos os agregados africanos de pequenas dimensões — agrupamentos sociais lhes chamaríamos nós — tenham eles por base a família, a religião ou associações de carácter defensivo-ofensivo, como as classes de idade.
O primado das condições materiais é o fulcro da organização anárquica: não existe, nem é necessária, uma autoridade nem força, porque as disputas são reduzidas ao mínimo pela aceitação tácita dos costumes imemoriais.
Sanção: desprezo da comunidade, suicídio, doença e morte, banimento
A desobediência tem como sanção um elemento moral da mais alta transcendência: o desprezo da comunidade. O homem que as sofre, na maioria dos casos, só no suicídio encontra uma fuga para o terrível isolamento em que passa a viver.
Por vezes, pode juntar-se ao desprezo da comunidade uma outra sanção moral, de fundo religioso: a doença e a morte provocadas pelos espíritos dos antepassados que velam pela boa ordem do povo.
Só em caso de extraordinária gravidade é que a colectividade toma uma deliberação extrema: o banimento daquele que infringiu o costume instituído pelos antepassados.
O parentesco ou a ligação em classes de idade é o vínculo que une os homens.
Regulação do(s) conflito(s)
E as próprias lutas dentro da tribo, mais se assemelham a competições desportivas do que a guerras, porque nunca ultrapassam o aspecto desportivo. Veja-se como entre os felupes, por exemplo, quando duas tabancas entram em guerra, logo surge outra tabanca que vai apreciar a luta e não deixa que esta atinja grande crueldade. Quando os árbitros vêm que a contenda toma foros de crueldade, logo intervêm e apaziguam os beligerantes.
Este sistema anárquico não vive, como pretendiam os teorizadores europeus do século passado, de um individualismo sublimado, mas de um comunitarismo onde o indivíduo não existe.
Entre estes grupos anárquicos, não existe nenhum chefe — os balantas e os felupes, por exemplo, não os têm — e o único comando ou regra de vida é o costume legado pelos antepassados.
Poder-me-ão dizer que entre os felupes existe um chefe, «o Aiu». Mais uma observação precipitada daqueles que querem generalizar as nossas instituições a todos os povos.
O Aiu é um chefe que não comanda, nem é obedecido. Limita-se a revelar o costume. Mas porque o costume tem base mística, o Aiu é também o grande revelador.
O poder das crenças religiosas, uma liberdade ampla, uma vida comunitária sólida e uma igualdade de fortuna, mantêm a paz social e a felicidade do povo.
Entre os felupes, há uma palavra comum para designar LIBERDADE, PAZ, FELICIDADE: «kasumeie».
Como acontecia na Roma antiga, tudo o que perturbe a ordem, é considerado um sacrilégio. E sacrilégios são a ambição, a riqueza, a vaidade…
Do regulado ao império
O regime de regulados é outra forma de organização tradicional africana, ainda em vigor, e floresce normalmente nas regiões de estepe ou de savana.
Aí, a necessidade da defesa num ambiente aberto às razias ou algaras, obrigou as famílias a reunirem-se em volta de um chefe simultaneamente político e religioso.
Aliás o binómio temporal-sacral das nossas sociedades é completamente desconhecido em África. Quem detêm o poder temporal, guarda também o poder religioso.
Por vezes, esta poeira de pequenos regulados aglutina-se e surgem os impérios que a história africana regista: do Gana, do Mali, dos Zulus, etc. etc…
As dificuldades da comunicação cedo vêm quebrar a unidade e de novo se volta ao sistema dos regulados.
Quem conhece a história da Europa medieval, facilmente compreenderá este fenómeno. (…)
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Nota do editor:
Último poste da série > 29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9114: (In)citações (35): Museu Memória de Guiledje, em que a história é o conjunto das histórias de todos (Pepito)
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1 comentário:
Tanto algures no texto como em marcadores, está Shulz e Schultz.
Não apenas pelas "gralhas" mas sobretudo em vista de futuras pesquisas, conviria emendar: o sobrenome é Schulz
Cpts,
JCAS
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