Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.
Guiné > Zona Leste > Pirada, 1965 > Da esquerda para a direita: Cap Barão da Cunha, Cap Tadeu, Alf Mil Médico Duarte e Alf Mil Carlos Geraldes
Fotos: © Carlos Geraldes (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Mais um camarada que desaparece do reino dos vivos, mas não da nossa memória. Ontem, por telefone, soubemos da notícia da morte do Carlos Geraldes. O coração pregou-lhe a grande partida. Aos 70 anos. Na noite de quarta para quinta-feira passadas, o Carlos morreu, no Hospital de Viana do Castelo, vítima de ataque cardíaco.
Rui Vieira, seu amigo, 30 anos mais novo, foi o mensageiro da funesta notícia. Foi também ele quem nos deu mais pormenores biográficos sobre o Carlos Geraldes, membro da nossa Tabanca Grande desde 2009, e ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.
Nasceu em Lisboa, a 23 de Junho de 1941. Foi para Viana do Castelo, aos 4 anos, quando o pai, desenhador técnico, foi trabalhar para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Os pais do Rui e do Carlos eram amigos. Daí a amizade (e a admiração) que ligava o Rui ao Carlos, uma figura tutelar, de referência, um cidadão exemplar, um homem do seu tempo… O Rui é também leitor e admirador do nosso blogue. Acompanhava os escritos do seu amigo, publicados no nosso blogue, e que vão da poesia ao conto. Recorde-se que da sua série Gavetas da Memória publicaram-se 14 postes, mas também um conjunto de Cartas (Carlos Geraldes) (em 10 postes) revelando o seu dia no nordeste da Guiné, até ao seu regresso.
Rui Vieira aceitou o nosso convite para escrever um texto de homenagem póstuma ao seu amigo e nosso camarada. Prontificou-se também a falar com a Dona Isabel, viúva, no sentido de salvaguardar o espólio do Carlos relativo à Guiné (cartas, fotos, textos e outros documentos).
Ao Rui, à Isabel, ao irmão, arquiteto, sobrinhos, demais família, amigos do Carlos, bem como pessoal da CART 676, aqui a fica manifestação do nosso pesar mas também da nossa admiração por este camarada que nos honrou com a sua presença e a sua colaboração na Tabanca Grande. Nunca o chegámos a conhecer pessoalmente, nem nunca participou nos nossos encontros. O seu nome passará a figurar, no nosso blogue, na lista dos amigos e /ou camaradas que da lei da morte se foram libertando. E com ele já soma 19. Paz à sua alma.
Os editores.
PS1 – O Rui Vieira, natural de Lisboa, está a fazer o seu doutoramento em história contemporânea. É investigador na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É especialista no domínio da história da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Estamos-lhe gratos por ter contactado os editores do blogue. Ficamos a guardar o seu prometido texto de homenagem ao Carlos Geraldes.
PS2 - A nossa melhor homenagem ao Carlos, que era um homem culto e sensível, é dizer-lhe que está aqui connosco nos poemas, ora mais tristes ou pungentes, ora mais irónicos ou líricos, com que nos brindou em vida… Aqui fica uma pequena seleção de um conjunto de poemas a que ele deu o título “Guiné: A Face Oculta”, e que nos mandou com a seguinte nota, em 22/11/2009: “ (…) Peço desculpa pela desfaçatez, mas também eu escrevi ‘poemas’ em noites de maior solidão. Reuni aqui alguns que me parecem retratar melhor os sentimentos despertados pelas noites africanas. Curiosamente tinha-lhes dado um título, ‘Guiné: A Face Oculta’, mas era a minha face que sentia e queria manter oculta. Nada tem a ver com essa escandaleira que nos dia de hoje está a vir a lume em todos os meios de comunicação (…)".
A toalha branca
Pousada aos pés da cama
Está uma toalha branca,
Onde limpo o rosto após a jornada.
Dá-me calma, alento, vigor.
Mas hoje está para ali,
Inútil, enxovalhada.
Haverá alguém que diga:
Pronto, tudo acabou!
Já não há mais nada!
Será que é hoje? Amanhã?
Quem sabe?
Qual será o fim da derrocada?
Pirada, Abril de 1965
Os meus amigos
Os meus amigos
São as lentas sombras da memória,
Que me visitam em dias de chuva.
São aqueles com quem respirámos
A alma, os tormentos e a glória,
Dos heróicos dias do passado.
São aqueles com quem chorámos
As tristezas e as breves alegrias,
Deste mundo inacabado.
(E também a melancolia das tardes frias...)
Os meus amigos (os mais queridos),
São as palavras e as cores
Que vão morrendo aqui e agora.
(Os meus amigos voltaram esta noite.)
Pirada, 24 de Agosto de 1965
Noites de Paúnca
Depois vem a noite.
Plena de luzes brilhantes
Parecendo tão longe
Como sóis agonizantes.
Gritos horríveis, gritos de bichos
Rasgam o silêncio das trevas
Sem abalar a indiferença
Dos que adormecem nas casernas.
E as coisas cómicas,
E as coisas tristes,
Acabam por se misturar,
Ficando tudo mais indiferente.
Quando nasce o Sol, finalmente,
As coisas cómicas e as coisas tristes
Ficam novamente cómicas,
Ficam novamente tristes...
Paúnca, 21 de Outubro de 1965
A patrulha
Alargam-se os caminhos da povoação
Já se distinguem as enormes mangueiras,
Ouve-se o rumor abafado do pilão,
O falso matraquear de armas traiçoeiras.
Perdida a prudência, exauridos,
Pelas crianças, caem vencidos.
Pois em troca de balas e tiros,
Recebem longos abraços e risos.
Agora, já é tarde,
Muito tarde para voltar,
Ninguém mais recorda o ódio,
A crueldade ignóbil de matar.
Lá longe, a caminho da bolanha,
Vai uma rapariguinha a cantar,
Lembra aos tristes soldados
As longas saudades do mar.
Paúnca, 16 de Janeiro de 1966
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Nota de CV:
- Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9330: In Memoriam (103): Maria Manuela Flores França, ex-Cap Enf.ª Paraquedista (Maria Arminda Santos)
13 comentários:
O Carlos Geraldes, partiu!
PARTIR é a palavra que nos "acompanhou" na nossa juventude dos vinte anos!
PARTIR é palavra que volta a "zurzir" os nossos ouvidos!
Partir sempre foi o "destino" dos portugueses, e, porque é o "nosso destino" a partida vai-se fazendo, sem sabermos, concretamente, doia e hora.
Uns já partiram, outros, nós, segui-lo-emos, sabe Deus quando.
Que encontres a paz que mereces e, que aqueles que ficaram saibam, com as saudades que deixas, obter a força para te recordar sempre, no melhor que sempre foste.
Condolências à familia, amigos e camaradas de armas.
A notícia de morte de um camarada é sempre triste.
Na grande maioria não nos conhecemos fisicamente, mas pelo o que disseram, pelo o deixaram escrito, ficam os seus nomes para sempre gravados nas nossas memórias.
Quando li o nome rapidamente vi a sua foto e partes do que escreveu vieram-me à memória.
Eu gostava da sua forma de escrever e de contar, lamento que já há muito tempo não escrevesse para o blogue.
Lamento a sua partida e há família enlutada presto a minha mais sentida homenagem.
Este foi o último mail que recebemos do nosso camarada, agora desaparecido... LG
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Data: 16 de Agosto de 2010 13:21
Assunto: A minha polémica.
Para: Carlos Vinhal
Blogue Luis Graça & Camaradas
Caros amigos:
Perante as reacções desencadeadas pelo meu último texto, apenas posso penitenciar-me e, humildemente, pedir perdão a todos aqueles que se sentiram lesados e ultrajados.
Nunca foi esse o meu intuito mas, infelizmente, não o soube exprimir com a devida clareza.
Por isso, não querendo alimentar mais esta polémica, aqui me despeço do vosso Blogue que tantos momentos inesquecíveis me proporcionou.
Quero também deixar aos editores, e em especial ao Luis Graça, os meus mais sinceros agradecimentos pela maneira sempre impecável e isenta como fui tratado.
Até sempre.
Carlos Geraldes
Caros Camaradas
Estamos de luto mais uma vez e vamos sendo menos.
Que descanse em paz.
Á Família as minhas condolências.
Abraço Camaradas do T.
MORREU O CARLOS GERALDES.
PARA A FAMÍLIA ENLUTADA,ENVIO OS MEUS SENTIDOS PÊSAMES.
PAZ À SUA ALMA!
Ainda hoje de tarde fui acompanhar um amigo de há mais de 50 anos à sua última morada Cemitério do Prado do Repouso no Porto.
Assim pela segunda vez cumpre-me o doloroso dever de apresentar os meus sentidos pêsames a uma outra família, à família do nosso camarigo Carlos Geraldes e peço a Deus que dê paz às suas Almas.
Adriano Moreira
Caros amigos
Apesar do aumento da frequência com que estas notícias vêm ao nosso conhecimento, ainda não nos conseguimos habituar, ainda não nos acomodamos, ainda 'mexe' connosco.
Sabemos que é 'a lei da vida' mas incomoda. Com ele parte uma parte de nós, pois é esse estranho sentimento de solidariedade de identificação, que nos une.
Paz à sua alma!
Sentidos pêsames aos familiares e amigos.
Hélder S.
(..)
9. Um homem passa a ponte,
a passo,
a peso pluma.
A ponte armadilhada.
O barqueiro conta um conto
em cada viagem.
O barqueiro de Caronte.
Um peso, irmão.
Um bilhete de ida
Sem regresso.
In: No Geba Estreito ou os doze contos do barqueiro de Caronte
(poema de Luís Graça)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/11/guin-6374-p3431-o-tigre-vadio-o-novo.html
A partida de um camarada é sempre uma tristeza também para nós.
À família enlutada os meus sentidos pêsames.
Que Deus tenha a sua alma em bom descanso.
Um abraço.
Luís Dias
Para a família enlutada os meus sentidos pêsames.
Colaço.
Como ex-integrante da Cart 676 e camarada durante 1964/66 venho lamentar o sucedido e apresentar á família os mais sentidos pêsames.
PAZ Á SUA ALMA-
Jesus Moreira
Ex-furriel miliciano da Cart. 676.
O Carlos Geraldes... deixou palavras!
Deixou palavras que escreveu no seu tempo de menino-homem...
Deixou certamente, palavras que disse e escreveu ao longo da sua vida, porque, quem escreve poesia assim, aos vinte anos, deve ter dito e escrito muita coisa bonita, ao longo dos anos...
Deixou à família e a todos nós, a sua forma de ver e sentir...
Deixou a sua marca...dita...descrita.
Lamento que tenha já partido.
Felismina
Ex-furriel Jose Guilherme Freitas CAR 676. Embora estivesse em disacordo com muitas das suas narracoes, lamnento a sua morte. As minhas condolencias para familia. Jose Guilherme Freitas
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