Caro Carlos, Luís e restante Tabanca Grande
Faz anos que tínhamos chegado a Bissau. O Batalhão ficou alojado no Cumeré onde fez o treino operacional.
Os Condutores foram para Bissau tirar um curso sobre Berliet e condução em todo terreno. As Berliet Tramagal eram diferentes das que até aí tinha conduzido durante a instrução. Os seis rodados em linha, bem como outras alterações nestes modelos criados especialmente para as nossas picadas, necessitaram de instrução. Também nos foi ministrado cursos de manutenção das mesmas.
Mais um mês estaríamos a caminho de Galomaro, Saltinho, Canculim e Dulombi.
Um abraço
Juvenal Amado
LEMBRAS-TE?
O estampido abafado pelo grito.
Lembras-te do cheiro que tinha a morte?
Da surpresa no olhar do moribundo,
o que fazer para esquecer o seu olhar?
Lembras-te como o sangue sai em esguichos
e que os sulcos de suor da face desaparecem com as lágrimas?
Lembras-te do cheiro a podre da água na picada,
do aspecto irreal das coisas através das ondas de calor.
Lembras-te dos abutres cheirando a carniça
e o teu terror em mudar os pés?
Lembras-te das saídas dos morteiros e dos RPG?
O tilintar das garrafas no arame farpado,
das sombras que dançavam no teu olhar cansado.
Lembras-te de destravar a arma desejando que fosse engano?
Lembras-te de estar no café e assustares-te com barulho de um escape?
Quase te atiraste para debaixo da mesa.
Lembras-te de olhar em volta e ver os sorrisos de quem não esteve lá?
Lembras-te…?
Lisboa, 18 de Dezembro de 1971 > Embarque do BCAÇ 3872 no navio Angra do Heroísmo
Fotos: © Sousa Apontador de Morteiro 81 do Dulombi____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 23 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9261: Estórias do Juvenal Amado (40): O meu compadre Aljustrel
Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9294: Blogoterapia (195): Ano Novo de 1970 em Empada (José Teixeira)
7 comentários:
Lembro-me sim Juvenal.
E gostei da tua memória em verso.
Um grande abraço da nossa Alcobaça, que esteve hoje soalheira e um pouco menos pacata do que é habitual.
JERO
Ora Viva Amigo e Camarada Juvenal
Procurei esquecer, juro que fiz muita força para isso.
Ia e voltava e um dia mandei o desejo de esquecer embora...e lembro-me sim. Eu lembro-me e me arrepio nestas breves linhas.
Hoje recordamos, damos a conhecer para que , no futuro, se ainda houver alguém de bom senso a aparecer, dizer o que aconteceu.
Abraço amigo do T.
Caro amigo Juvenal,
Se me lembro?!...Até o teu Angra do Heroísmo é igualzinho ao meu.
Só que mais velho um anito.
Mas lembrar não é suficiente.
A história exige rigor e verdade, tanto quanto a nossa memória permita.
Não temos que recear o julgamento que a história um dia fará sobre nós.
Porque, como diz o Torcato, alguém de bom senso irá contar o que aconteceu. Nós só temos que o ajudar.
Um abraço amigo,
José Câmara
Com esta literariamente bela chamada, a minhas memórias avivam-se, a visual, a auditiva, a olfativa e até a memória do tempo.
Obrigado, Juvenal, por esta espécie de nostalgia dolorida mas não dolorosa, para não dizer agradável.
Afinal "safámo-nos" e esta memória recorda-nos isto mesmo, a nossa sobrevivência.
Um grande abraço
Caro Juvenal
Como não havia de me lembrar...Embarcámos no mesmo dia, naquele navio.
Como não me havia de lembrar de ter desembarcado em Bissau na véspera de Natal.
Como não me havia de me lembrar daqueles estampidos, do som dos morteiros e roquetes, das respostas e contra-respostas, do estrelado das balas tracejantes, dos cheiros da queima da pólvora.
Como não me havia de lembrar de me terem deixado sozinho no mato na primeira operação...!
As vezes pensava, face à beleza dos sons e dos clarões que se produziam nos ataques nocturnos, que pena a guerra produzir tantos desgostos, tanta morte e tantos sofrimentos!!!!
São estes momentos que nos fazem lembrar daqueles que perderam a vida, que sofreram ferimentos que lhes deixaram marcas para sempre.
Como não me havia de lembrar....éramos tão jovens!!!
Um abraço
Luís Dias
juvenal,
Obrigado por esta lembrança que não devemos esquecer nunca.
abraço
manuelmaia
Caro Juvenal
Muito bom!
Conseguiste, em dúzia e meia de linhas, descrever uma multidão de situações e de sentimentos que não deixam de ser comuns a muitos dos nossos 'companheiros de aventuras africanas', tanto na Guiné como nos outros locais.
É um poema destinado a figurar numa antologia poética sobre o período da guerra colonial.
Abraço
Hélder S.
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