1. A propósito da aventura do Pedro Vaz, irmão do Luís Vaz, que durante as férias do Natal de 1973 acompanhou o pai até Cufar, de avião, e depois foi até Cadique, de sintex... e que terá dormido, na noite seguinte [ou noutra ocasião, ele não pode garantir], numa LFG no Rio Cacine, onde viu fuzileiros a fazer esqui aquático, tivemos curiosidade em espreitar, de novo, o diário do António Graça de Abreu (AGA) (*)...
No diário não há vestígios da família Vaz, nem em Cufar nem em Cadique. Também não se fazia esqui, lá em baixo, pelo menos no Cumbijã... Em contrapartida, o sintex era um transporte popular, rápido e relativamente segundo. Tanto servia para o Coronel do CAOP1 ir a Cadique dar apoio moral às NT na véspera de Natal ou para evacuar feridos até a Cufar, como servia para a malta ir a Caboxanque destilar a adrenalina e beber um copo...
O Pedro Vaz (nem o irmão Luís) tem a certeza sobre a data exata em que ocorreu a aventura... Pode ter sido antes ou depois do Natal ou até mesmo nos primeiros dias do novo ano. Para o Pedro ("que tem uma memória seletiva", diz o mano mais novo) foi seguramente nas férias de Natal de 1973, não nas férias da Páscoa de 1974 (A Páscoa nesse ano foi a 14 de abril).
De 13 a 21 de dezembro, o AGA está em Bissau, onde foi ao dentista. Se o CEM do CTIG, o cor cav Henrique Gonçalves Vaz, esteve lá pode ter sido nesta altura. E não terá lá ido fazer turismo, que aquilo não era propriamente um destino paradisíaco como Bubaque. Ao ler o diário do AGA, sabe-se que se estava a preparar, para a época natalícia, a grande Op Estrela Telúrica, envolvendo o batalhão de comandos africanos (3 companhias), a 38ª CCmds, os fuzileiros (de Cacine), a tropa de Cadique... Houve grande movimentação de meios aéreos, conforme se pode ler diário do AGA (Vd. Cufar, 26 de dezembro de 1973).
Cufar era a Bissalanca do sul... E as NT lá andavam também de sintex (pequenos barcos de fibra com potentes motores de 50 cavalos)... E lá estava o CAOP1... O António Graça de Abreu esteve lá de Junho de 1973 até Abril de 1974... Ele próprio foi a Cadique de sintex com o comandante dele, coronel, no dia 24 de dezembro... Mais uma razão para se pensar que esta aventura do filho do CEM do CTIG é perfeitamente verosímil...
Selecionei uma série de excertos do do diário do António, com referências ao sintex, usado no Cumbijã, ligando Cufar aos vários aquartelamentos (Cadique, Caboxanque)... Reproduzimos aqui, mais uma vez, com, a devida vénia ao autor e ao editor...(LG).
(...) Cufar, 26 de Junho de 1973
Adapto-me, moldo-me a um novo quotidiano ingrato. Podia ser pior, pode sempre ser pior.
Estou no sul da Guiné em zona de muita guerra. Os guerrilheiros continuam a dispor de boas hipóteses para vir a Cufar chatear quem cá vive, de resto, eles também não moram longe. De momento creio que têm mais com que se preocupar mas qualquer dia voltam cá, de certeza.
Em Cufar não existe propriamente um quartel, as instalações militares são pouco mais do que uma dezena de pequenas casas separadas umas das outras, vivemos praticamente misturados com a população o que é uma vantagem em caso de flagelação. Os africanos, das etnias balanta, beafada, mandinga, fula coexistem com a tropa, nem muito, nem pouco amigos. São frequentes pequenos sarilhos entre as NT e as gentes da terra mas sem gravidade, cada um trata de si.
Ao contrário do que acontecia em Canchungo e Mansoa, a tropa especial, comandos, pára-quedistas e fuzileiros não vivem aqui connosco. Sinto a sua falta, não estou tão seguro. Até Novembro [de 1973] a guerrilha não deve aumentar, estamos na época das chuvas.
Em termos de ligações com o resto da Guiné, Cufar está muito isolada. Existe a estrada asfaltada para Catió, nove quilómetros que só se fazem com escolta, e a estrada para o porto grande no rio Cumbijã, dois quilómetros por onde nos deslocamos à vontade. Depois, há umas picadas em péssimo estado que conduzem à terra de ninguém, ou melhor aos lugares habitados pelos guerrilheiros. Quem se mete por aí? Ninguém. De Cufar a Bissau serão uns cento e trinta quilómetros, em linha recta, mas não há estradas.
É pelo rio e pela ramificação dos seus afluentes que Cufar se liga aos novos aquartelamentos da região. Existem os sintex, pequenos barcos de fibra sintética – em Cafal e Cafine, os fuzileiros têm os zebros -, com motores de 50 cavalos que sobem e descem os rios a boa velocidade com grupos NT, sempre armados, garantindo a comunicação entre todos nós.
Temos ainda a pista de aviação com os aviões e os hélis. Hoje chegou uma DO, um Nordatlas – o avião é conhecido entre a tropa por Horácio - e dois helicópteros. Vêm de Bissau e para lá regressam. Trazem víveres, correio, pessoal, pequenas cargas. Os helicópteros redistribuem os géneros pelos aquartelamentos da região, frangos e peixe congelado, carne, batata, farinha, couves frescas.
Se os homens do PAIGC voltam a mandar um avião ou héli abaixo, estamos todos lixados porque suspende-se outra vez o apoio aéreo. Mas agora já não é fácil que tal aconteça. Os pilotos conhecem as características dos mísseis terra-ar, os Strela ou Sa 7 que são eficazes entre os 200 e os 2.000 metros de altitude, e tomam as devidas precauções. As DOs e os hélis voam muito baixo, a rapar, rente às árvores, às bolanhas e aos rios, e os Nordatlas ou os DC 3 voam muito alto, com tectos de mais de 2.500 metros. Descem e sobem sobre a pista de Cufar, onde montamos sempre segurança, voando em círculos ou espirais para evitar sobrevoar as florestas, as zonas IN. Em quarenta minutos de voo, uma pessoa põe-se em Bissau. É seguro? Até hoje tem sido.
As LDG, Lanchas de Desembarque Grandes, são o outro meio para se chegar e partir. As viagens são mais seguras do que de avião, mas incómodas e demoradas. Há uma semana atrás, experimentei o luxo da Alfange, uma das três LDG que navegam nos mares e rios da Guiné. O navio vinha carregado com tudo, víveres, cimento e muitos outros materiais de construção, um obus, munições, três unimogs e dois jipes do CAOP 1 atravancados com os nossos haveres e cerca de 150 pessoas, não apenas soldados, também população negra que aproveita a boleia das NT e se desloca utilizando os meios possíveis.
Largámos de Bissau às três da tarde em direcção ao mar, chegámos a estar aí a uns quinze quilómetros da costa. Vim com os condutores auto que já enfrentaram a morte, estiveram em Guidage quando morreu o Viegas que também teria viajado connosco para Cufar se não tivesse morrido. Arranjámos o jantar que comemos em cima da minha mesa-secretária, composto por pão, atum, cebola e vinho. Por volta das dez da noite, a LDG ancorou no mar à espera da maré da manhã seguinte para então poder subir os vinte e cinco quilómetros do rio Cumbijã até Cufar, com paragem nos aquartelamentos da margem para descarregar materiais e pessoas. Dormimos na Alfange em condições péssimas, em cima de mercadorias, no chão de ferro do barco, onde calhava e havia espaço. Nós trazíamos as nossas viaturas e colchões e eu lá me safei porque coloquei um colchão dentro da cabina de um Unimog e consegui dormitar. Para azar de toda a gente, às duas da manhã começou a chover em grande, as pessoas não tinham onde se abrigar, foi o encharcanço total. Também me molhei porque os Unimog não têm janelas e a lona grossa que cobre as viaturas não é impermeável. Mas já esqueci.
De manhã, foi a subida do rio Cumbijã passando por Cafine, Cafal e Cadique, lugares críticos de guerra. Mal se entrou no rio, fomos avisados de que a LDG ia disparar sobre as margens para testar as metralhadoras pesadas. O armamento, colocado a bombordo e estibordo, sossega quem viaja no barco e põe os guerrilheiros em sentido. Eles não possuem armas semelhantes e é raríssimo flagelarem uma LDG. Existe a hipótese de minas aquáticas, já rebentaram algumas, mas não têm feito mossa nos navios maiores, de aço compacto e pesadíssimo.
(...) Cufar, 5 de Julho de 1973
À tarde, evacuámos no Nordatlas para o hospital de Bissau um soldado de Cobumba que pisou uma mina e ficou sem uma perna, esfarrapado, retalhado até aos testículos. O médico diz que ele não se salva. Veio pelo rio Cumbijã de sintex até Cufar e perdeu muito sangue. Fui à pista e todo o seu corpo era ligaduras e sangue. A minha passividade a olhar para o moço, os olhos parados. Não sou o mesmo António que desembarcou na Guiné há um ano atrás.
(...) Cufar, 1 de Setembro de 1973
Sábado tombou mais um Fiat sobre o Morés, ao lado de Mansoa. Fala-se de avaria técnica, o avião entrou em perda e pumba! Também se fala em mísseis do PAIGC. O piloto teve sorte, ejectou-se e na altura passavam por perto dois helicópteros que viram o pára-quedas no ar e o foram buscar ao solo.
Também sábado ao entardecer, tivemos em Cufar as consequências da guerra. Às quatro e meia da tarde, um Unimog pisou uma mina anticarro em Cobumba. Os seis pobres desgraçados que iam na viatura ficaram feridos, três em estado grave. De Cufar, pedimos a evacuação para Bissau, vinham dois hélis a caminho mas voltaram para trás devido ao mau tempo. Um Nordatlas que seguia de Bafatá para Bissau foi desviado para aqui e chegou já de noite.
Em Cufar não existe propriamente um quartel, as instalações militares são pouco mais do que uma dezena de pequenas casas separadas umas das outras, vivemos praticamente misturados com a população o que é uma vantagem em caso de flagelação. Os africanos, das etnias balanta, beafada, mandinga, fula coexistem com a tropa, nem muito, nem pouco amigos. São frequentes pequenos sarilhos entre as NT e as gentes da terra mas sem gravidade, cada um trata de si.
Ao contrário do que acontecia em Canchungo e Mansoa, a tropa especial, comandos, pára-quedistas e fuzileiros não vivem aqui connosco. Sinto a sua falta, não estou tão seguro. Até Novembro [de 1973] a guerrilha não deve aumentar, estamos na época das chuvas.
Em termos de ligações com o resto da Guiné, Cufar está muito isolada. Existe a estrada asfaltada para Catió, nove quilómetros que só se fazem com escolta, e a estrada para o porto grande no rio Cumbijã, dois quilómetros por onde nos deslocamos à vontade. Depois, há umas picadas em péssimo estado que conduzem à terra de ninguém, ou melhor aos lugares habitados pelos guerrilheiros. Quem se mete por aí? Ninguém. De Cufar a Bissau serão uns cento e trinta quilómetros, em linha recta, mas não há estradas.
É pelo rio e pela ramificação dos seus afluentes que Cufar se liga aos novos aquartelamentos da região. Existem os sintex, pequenos barcos de fibra sintética – em Cafal e Cafine, os fuzileiros têm os zebros -, com motores de 50 cavalos que sobem e descem os rios a boa velocidade com grupos NT, sempre armados, garantindo a comunicação entre todos nós.
Temos ainda a pista de aviação com os aviões e os hélis. Hoje chegou uma DO, um Nordatlas – o avião é conhecido entre a tropa por Horácio - e dois helicópteros. Vêm de Bissau e para lá regressam. Trazem víveres, correio, pessoal, pequenas cargas. Os helicópteros redistribuem os géneros pelos aquartelamentos da região, frangos e peixe congelado, carne, batata, farinha, couves frescas.
Se os homens do PAIGC voltam a mandar um avião ou héli abaixo, estamos todos lixados porque suspende-se outra vez o apoio aéreo. Mas agora já não é fácil que tal aconteça. Os pilotos conhecem as características dos mísseis terra-ar, os Strela ou Sa 7 que são eficazes entre os 200 e os 2.000 metros de altitude, e tomam as devidas precauções. As DOs e os hélis voam muito baixo, a rapar, rente às árvores, às bolanhas e aos rios, e os Nordatlas ou os DC 3 voam muito alto, com tectos de mais de 2.500 metros. Descem e sobem sobre a pista de Cufar, onde montamos sempre segurança, voando em círculos ou espirais para evitar sobrevoar as florestas, as zonas IN. Em quarenta minutos de voo, uma pessoa põe-se em Bissau. É seguro? Até hoje tem sido.
As LDG, Lanchas de Desembarque Grandes, são o outro meio para se chegar e partir. As viagens são mais seguras do que de avião, mas incómodas e demoradas. Há uma semana atrás, experimentei o luxo da Alfange, uma das três LDG que navegam nos mares e rios da Guiné. O navio vinha carregado com tudo, víveres, cimento e muitos outros materiais de construção, um obus, munições, três unimogs e dois jipes do CAOP 1 atravancados com os nossos haveres e cerca de 150 pessoas, não apenas soldados, também população negra que aproveita a boleia das NT e se desloca utilizando os meios possíveis.
Largámos de Bissau às três da tarde em direcção ao mar, chegámos a estar aí a uns quinze quilómetros da costa. Vim com os condutores auto que já enfrentaram a morte, estiveram em Guidage quando morreu o Viegas que também teria viajado connosco para Cufar se não tivesse morrido. Arranjámos o jantar que comemos em cima da minha mesa-secretária, composto por pão, atum, cebola e vinho. Por volta das dez da noite, a LDG ancorou no mar à espera da maré da manhã seguinte para então poder subir os vinte e cinco quilómetros do rio Cumbijã até Cufar, com paragem nos aquartelamentos da margem para descarregar materiais e pessoas. Dormimos na Alfange em condições péssimas, em cima de mercadorias, no chão de ferro do barco, onde calhava e havia espaço. Nós trazíamos as nossas viaturas e colchões e eu lá me safei porque coloquei um colchão dentro da cabina de um Unimog e consegui dormitar. Para azar de toda a gente, às duas da manhã começou a chover em grande, as pessoas não tinham onde se abrigar, foi o encharcanço total. Também me molhei porque os Unimog não têm janelas e a lona grossa que cobre as viaturas não é impermeável. Mas já esqueci.
De manhã, foi a subida do rio Cumbijã passando por Cafine, Cafal e Cadique, lugares críticos de guerra. Mal se entrou no rio, fomos avisados de que a LDG ia disparar sobre as margens para testar as metralhadoras pesadas. O armamento, colocado a bombordo e estibordo, sossega quem viaja no barco e põe os guerrilheiros em sentido. Eles não possuem armas semelhantes e é raríssimo flagelarem uma LDG. Existe a hipótese de minas aquáticas, já rebentaram algumas, mas não têm feito mossa nos navios maiores, de aço compacto e pesadíssimo.
(...) Cufar, 5 de Julho de 1973
À tarde, evacuámos no Nordatlas para o hospital de Bissau um soldado de Cobumba que pisou uma mina e ficou sem uma perna, esfarrapado, retalhado até aos testículos. O médico diz que ele não se salva. Veio pelo rio Cumbijã de sintex até Cufar e perdeu muito sangue. Fui à pista e todo o seu corpo era ligaduras e sangue. A minha passividade a olhar para o moço, os olhos parados. Não sou o mesmo António que desembarcou na Guiné há um ano atrás.
(...) Cufar, 1 de Setembro de 1973
Sábado tombou mais um Fiat sobre o Morés, ao lado de Mansoa. Fala-se de avaria técnica, o avião entrou em perda e pumba! Também se fala em mísseis do PAIGC. O piloto teve sorte, ejectou-se e na altura passavam por perto dois helicópteros que viram o pára-quedas no ar e o foram buscar ao solo.
Também sábado ao entardecer, tivemos em Cufar as consequências da guerra. Às quatro e meia da tarde, um Unimog pisou uma mina anticarro em Cobumba. Os seis pobres desgraçados que iam na viatura ficaram feridos, três em estado grave. De Cufar, pedimos a evacuação para Bissau, vinham dois hélis a caminho mas voltaram para trás devido ao mau tempo. Um Nordatlas que seguia de Bafatá para Bissau foi desviado para aqui e chegou já de noite.
Entretanto, os feridos de Cobumba, a perder muito sangue, vieram para Cufar nos sintex, descendo o rio Cumbijã. A pista de aviação foi iluminada pelo usual processo artesanal, as garrafas de cerveja cheias com petróleo e as mechas acesas distribuídas lateralmente ao longo da pista. Com os feridos seguiu para Bissau o furriel enfermeiro que fez de capelão quando daquela brincadeira no desembarque dos periquitos há quinze dias atrás. Os feridos de Cobumba estiveram na sala de operações do hospital de Bissau até às quatro horas da manhã, não morreu nenhum. Tanto esforço, mas salvaram-se as vidas.
(...) Cufar, 19 de Novembro de 1973
A guerra, os efeitos da guerra. África pobre, quente, medos, suores, sangue e tudo o mais que as palavras não dizem, mas sentimos e vivemos.
Sábado chega a notícia de que na foz do Cumbijã, a uns trinta quilómetros de Cufar, caíra uma DO, ou melhor fizera uma aterragem forçada no tarrafo da margem do rio. Avançaram logo meios para se recuperarem os tripulantes, o piloto, e duas enfermeiras pára-quedistas. Tiveram muita sorte, três horas depois os fuzileiros de Cafine descobriram-nos no lodo do tarrafo.[++] Embora a avioneta tivesse caído numa região libertada, os guerrilheiros não apareceram e os fuzileiros trouxeram o pessoal aqui para Cufar nos zebros, ainda meio assustados e cobertos de lama. Dois helicópteros levaram-nos depois para Bissau. A DO não foi abatida, tratou-se mesmo de acidente.
Ontem foi dia de ataque a Cadique, o aquartelamento a sul mais perto de Cufar. Às seis e meia da tarde, estavam a jantar, mal tiveram tempo para fugir para as valas e levaram com canhão sem recuo, RPG e morteirada.
(...) Cufar, 19 de Novembro de 1973
A guerra, os efeitos da guerra. África pobre, quente, medos, suores, sangue e tudo o mais que as palavras não dizem, mas sentimos e vivemos.
Sábado chega a notícia de que na foz do Cumbijã, a uns trinta quilómetros de Cufar, caíra uma DO, ou melhor fizera uma aterragem forçada no tarrafo da margem do rio. Avançaram logo meios para se recuperarem os tripulantes, o piloto, e duas enfermeiras pára-quedistas. Tiveram muita sorte, três horas depois os fuzileiros de Cafine descobriram-nos no lodo do tarrafo.[++] Embora a avioneta tivesse caído numa região libertada, os guerrilheiros não apareceram e os fuzileiros trouxeram o pessoal aqui para Cufar nos zebros, ainda meio assustados e cobertos de lama. Dois helicópteros levaram-nos depois para Bissau. A DO não foi abatida, tratou-se mesmo de acidente.
Ontem foi dia de ataque a Cadique, o aquartelamento a sul mais perto de Cufar. Às seis e meia da tarde, estavam a jantar, mal tiveram tempo para fugir para as valas e levaram com canhão sem recuo, RPG e morteirada.
Houve um pobre soldado que corria para um abrigo e foi atingido por um estilhaço de canhão sem recuo que lhe perfurou o crâneo. Contaram-se mais meia dúzia de feridos.
Era já noite quando os sintex trouxeram o ferido grave para Cufar e aqui aguardámos duas longas horas por um avião que transportou o rapaz para o Hospital Militar de Bissau. Como de costume, iluminámos a pista com as garrafas acesas e os faróis das viaturas. Quando o avião desceu, já o soldado estava a oxigénio, a caminhar para a morte. Na madrugada de hoje, no hospital, não resistiu. Tinha perdido massa encefálica, o estilhaço apanhara-lhe o cérebro.
Podia ter acontecido a qualquer um de nós, um destes dias posso ser eu.
(...) Cufar, 24 de Dezembro de 1973
Tempo de Natal. Paz na terra aos homens de boa vontade, na Guiné em guerra.
Fui a Cadique com o meu coronel, de sintex, dez quilómetros descendo o rio Cumbijã. Os pobres de Cadique, que tiveram dois mortos na terça-feira passada, estão a entrar na engrenagem da loucura. Já houve soldados que se recusaram a sair para o mato. Outros, ou os mesmos, na confusão de uma flagelação, atiraram com uma granada de mão ao tenente-coronel comandante do batalhão que não o atingiu por pura sorte. O tenente-coronel não tem culpa do sofrimento e da morte dos seus homens, limita-se a cumprir ordens, não pode pegar no batalhão e marchar sobre Bissau, ou sobre Lisboa. De resto, entre os muitos oficiais do QP que tenho conhecido, este tenente-coronel é um dos homens mais humanos e sensíveis ao sofrimento dos seus subordinados.
A zona de Cadique é terrível, os guerrilheiros deixaram construir a estrada para Jemberém e agora passam o tempo a dinamitá-la e a emboscar as NT. Sabotaram os sete pontões do trajecto, abriram enormes brechas no asfalto, em vários sítios. Para arranjar a estrada, a tropa de Cadique avança com camionetas carregadas de terra e troncos de árvore. Depois dos primeiros dois quilómetros, começam a ser flagelados. Quem quer caminhar para a morte?
Os dias estão tão bonitos! Frescos, serenos, com pouca humidade, manhãs de sol que abrem os braços para os homens, o fumo a sair das tabancas e a espalhar-se sobre os campos, como em Portugal. A natureza não tem culpa da insensatez, do desvairo da espécie humana.
(...) Cufar, 13 de Janeiro de 1974
No domingo fui a Caboxanque com o Dias da Silva, o capitão da 4740, outro alferes e mais cinco soldados em dois sintex, os botes com que se viaja por estes rios. Íamos bem armados, eu levei uma espingarda Kalashnikov (um dos soldados que nos acompanhou chama-lhe Calaxmicose!) emprestada pelo capitão e senti-me um verdadeiro guerrilheiro. É fácil atacar os nossos botes que sobem e descem o rio Cumbijã. O tarrafo das margens é alto e basta os combatentes do PAIGC esconderem-se na vegetação e dispararem umas dezenas de carregadores das espingardas ou uns RPG para provocarem baixas nas NT. Raramente tal acontece. Não sei porquê, não entendo porque é que o inimigo, às vezes, é tão nosso amigo. Em paz, fomos a Caboxanque, em paz regressámos.
O objectivo da curta viagem até ao aquartelamento nosso vizinho foi simplesmente sair de Cufar, a ideia do passeio foi ver outras pessoas, beber uns copos com o pessoal amigo de Caboxanque. Dei uma volta pela povoação, que até é maior do que Cufar, e tudo tão pobre! Comprovei como são miseráveis as tabancas, deploráveis as instalações dos nossos militares.
(...) Cufar, 7 de Fevereiro de 1974
Em alguns aquartelamentos aqui do sul também existem carências de todo o tipo, mas de natureza diferente das deste pobre povo guineense. No Relatório Mensal Janeiro 1974 do nosso CAOP 1, no ponto 4. b. Logística, os meus chefes referem, em diferentes destacamentos da nossa zona operacional, falta de medicamentos, falta de mesas e bancos para os refeitórios, falta de víveres frescos e de arroz para distribuir pela população, falta de armamento, falta de peças de substituição para muitas das viaturas auto-metralhadoras Fox e White que têm dezenas de anos e estão na sua maioria avariadas, falta de geradores eléctricos, de moto-serras, de electro-bombas, de motores para os barcos sintex.
(...) Cufar, 5 de Março de 1974
Guerra, só guerra. O PAIGC não pára, desencadeou mais uma ofensiva. Flagelaram uma série de aquartelamentos e lançaram-se em força sobre Jemberém. Com o abandono do aquartelamento de Guileje em meados do ano passado, foi-lhes possível abrir uma estrada desde a Guiné-Conacri até às florestas situadas entre Bedanda e Jemberém. Vêm com as viaturas até bem dentro do território carregados com toneladas de material de guerra. Jemberém tem estado dias e dias debaixo de fogo. Encontram-se lá duas companhias, mais de trezentos homens, ainda há soldados a viver em tendas e tudo aquilo está muito destruído.
Por incrível que pareça, com tanta flagelação não registaram ainda nenhum morto, só bastantes feridos. Cavaram valas profundas e praticamente vivem nesses buracos. A tropa portuguesa já pensou em abandonar Jemberém por várias vezes, mas a situação é tão má, tão má que não têm por onde sair. Jemberém fica encravada na região do Cantanhez, voltada para sul, para o rio Cacine e agora só se chega lá com os barcos pequenos, os zebros e os sintex, em viagens pelo rio nada seguras a partir de Cacine. Foi construída uma boa estrada asfaltada entre Cadique e Jemberém mas os guerrilheiros tornaram-na intransitável ao dinamitarem vários troços. Quando as NT avançam a pé, o IN monta emboscadas e é cada vez mais extenso o rol de mortos e feridos.
Jemberém encontra-se numa situação crítica mas nestas últimas semanas não registaram nenhum morto. Nós, em Cufar, estamos bem melhor mas há dias, com o inferno das minas, dos incêndios nos batelões carregados de gasolina contámos dezanove mortos, em meia dúzia de horas.
(...) Cufar, 7 de Março de 1974
Neste exacto momento em Portugal, há milhões de pessoas especadas diante do televisor à espera do Festival da Canção. Aqui na guerra do sul da Guiné, acabou de morrer um homem, outro está moribundo. Oiço o roncar dos motores do Nordatlas que, com a pista iluminada acabou de aterrar e vai levar gente ferida para Bissau.
Lá longe, satisfeitos, os portugueses deliciam-se com melodias, músicas capazes de enternecer uma mula ou um burro. Neste pequeno lugar do mundo, em África, um homem retalhado tem o corpo a arfar nos estertores da morte. Vim há pouco da enfermaria, vi tudo, continuo a ver demais.
Foi em Caboxanque, os nossos vizinhos do outro lado do rio Cumbijã. O aquartelamento não costumava ser muito flagelado embora se situe numa zona praticamente controlada pelos guerrilheiros. Neste momento Caboxanque tem duas companhias, a velhinha que terminou a comissão e está de partida no merecido regresso a Portugal, e a de periquitos acabados de chegar. Por isso, para assustar os piras, foram atacados quatro vezes em doze dias.
As flagelações sucessivas também se integram na ofensiva geral sobre os nossos aquartelamentos desencadeada pelo IN. Hoje acertaram na tropa de Caboxanque e nem sequer foi um grande ataque, dez minutos apenas com vinte disparos de canhão sem recuo. Estou farto de ouvir, e até de sofrer, ataques piores. Mas a tropa de Caboxanque teve azar, uma granada de canhão caiu numa vala e rebentou lá dentro. Resultado, um morto, um soldado cozinheiro da companhia velhinha cortado ao meio, a cabeça voou para um lado, o tronco e as pernas caíram para outro, mais um ferido gravíssimo com os intestinos de fora e vários feridos ligeiros.
Na noite de luar, os barcos sintex trouxeram os feridos para Cufar. Neste momento o Nordatlas levanta de voo levando os homens de Caboxanque para o hospital de Bissau. No rádio, no Festival da Canção, o Artur Garcia canta a “Senhora Dona da Boina”. (...)
Fotos: © António Graça de Abreu (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9406: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (6): Bissau, 23 de Junho de 1972, e 25 de Março de 1974: dois estados de espírito diferentes...
Podia ter acontecido a qualquer um de nós, um destes dias posso ser eu.
(...) Cufar, 24 de Dezembro de 1973
Tempo de Natal. Paz na terra aos homens de boa vontade, na Guiné em guerra.
Fui a Cadique com o meu coronel, de sintex, dez quilómetros descendo o rio Cumbijã. Os pobres de Cadique, que tiveram dois mortos na terça-feira passada, estão a entrar na engrenagem da loucura. Já houve soldados que se recusaram a sair para o mato. Outros, ou os mesmos, na confusão de uma flagelação, atiraram com uma granada de mão ao tenente-coronel comandante do batalhão que não o atingiu por pura sorte. O tenente-coronel não tem culpa do sofrimento e da morte dos seus homens, limita-se a cumprir ordens, não pode pegar no batalhão e marchar sobre Bissau, ou sobre Lisboa. De resto, entre os muitos oficiais do QP que tenho conhecido, este tenente-coronel é um dos homens mais humanos e sensíveis ao sofrimento dos seus subordinados.
A zona de Cadique é terrível, os guerrilheiros deixaram construir a estrada para Jemberém e agora passam o tempo a dinamitá-la e a emboscar as NT. Sabotaram os sete pontões do trajecto, abriram enormes brechas no asfalto, em vários sítios. Para arranjar a estrada, a tropa de Cadique avança com camionetas carregadas de terra e troncos de árvore. Depois dos primeiros dois quilómetros, começam a ser flagelados. Quem quer caminhar para a morte?
Os dias estão tão bonitos! Frescos, serenos, com pouca humidade, manhãs de sol que abrem os braços para os homens, o fumo a sair das tabancas e a espalhar-se sobre os campos, como em Portugal. A natureza não tem culpa da insensatez, do desvairo da espécie humana.
(...) Cufar, 26 de Dezembro de 1973
Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estomagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente e presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.
Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressámos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz. Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de Estrela Telúrica. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a Estrela Telúrica prolongar-se-á por mais uma semana.
Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª., fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade. Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a embrulhar, seis feridos graves entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata, com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros… No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.
Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DO, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.
Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.
Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos embrulhanços, das flagelações. É impressionante o potencial de fogo, de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.
Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação Estrela Telúrica. Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.
(...) Cufar, 4 de Janeiro de 1974
Ontem de manhã acordei com mais um tremendo embrulhanço, os rebentamentos uns atrás dos outros. Era a estrada Cadique-Jemberém. Ainda na cama pensei: “Lá estão mais pobres desgraçados a morrer!” Era verdade, dois soldados mortos do batalhão de Cadique, os corpos destroçados. Vieram para Cufar e, como de costume, aqui foram metidos nas urnas junto com um fuzileiro que esperava por caixão há dois dias e já cheirava mal. O cangalheiro vestiu o fato de madeira e chumbo aos três. Já ninguém estranha muito, estamos habituados, a vida continua. Mas porque diabo é que o rodopio dos mortos e feridos passa sempre por Cufar?...
Tenho constatado que em muitos de nós existe um prazer sádico, mórbido em ver mortos e feridos. Faço parte do grupo. Há qualquer coisa de macabro no ser humano, talvez uma silenciosa nostalgia da morte que nos aguarda a todos. Ontem, ao fim da tarde, quando o cangalheiro metia os três rapazes nos caixões, ao ar livre, no largo no centro de Cufar, juntaram-se à volta umas dezenas de mirones, brancos e negros. Um furriel pegou numa G 3 e ameaçou disparar sobre os curiosos se não desaparecessem imediatamente. Assisti a tudo, parado, insensível como um boneco de gesso, a cinquenta metros de distância.
No domingo fui a Caboxanque com o Dias da Silva, o capitão da 4740, outro alferes e mais cinco soldados em dois sintex, os botes com que se viaja por estes rios. Íamos bem armados, eu levei uma espingarda Kalashnikov (um dos soldados que nos acompanhou chama-lhe Calaxmicose!) emprestada pelo capitão e senti-me um verdadeiro guerrilheiro. É fácil atacar os nossos botes que sobem e descem o rio Cumbijã. O tarrafo das margens é alto e basta os combatentes do PAIGC esconderem-se na vegetação e dispararem umas dezenas de carregadores das espingardas ou uns RPG para provocarem baixas nas NT. Raramente tal acontece. Não sei porquê, não entendo porque é que o inimigo, às vezes, é tão nosso amigo. Em paz, fomos a Caboxanque, em paz regressámos.
O objectivo da curta viagem até ao aquartelamento nosso vizinho foi simplesmente sair de Cufar, a ideia do passeio foi ver outras pessoas, beber uns copos com o pessoal amigo de Caboxanque. Dei uma volta pela povoação, que até é maior do que Cufar, e tudo tão pobre! Comprovei como são miseráveis as tabancas, deploráveis as instalações dos nossos militares.
(...) Cufar, 7 de Fevereiro de 1974
Em alguns aquartelamentos aqui do sul também existem carências de todo o tipo, mas de natureza diferente das deste pobre povo guineense. No Relatório Mensal Janeiro 1974 do nosso CAOP 1, no ponto 4. b. Logística, os meus chefes referem, em diferentes destacamentos da nossa zona operacional, falta de medicamentos, falta de mesas e bancos para os refeitórios, falta de víveres frescos e de arroz para distribuir pela população, falta de armamento, falta de peças de substituição para muitas das viaturas auto-metralhadoras Fox e White que têm dezenas de anos e estão na sua maioria avariadas, falta de geradores eléctricos, de moto-serras, de electro-bombas, de motores para os barcos sintex.
(...) Cufar, 5 de Março de 1974
Guerra, só guerra. O PAIGC não pára, desencadeou mais uma ofensiva. Flagelaram uma série de aquartelamentos e lançaram-se em força sobre Jemberém. Com o abandono do aquartelamento de Guileje em meados do ano passado, foi-lhes possível abrir uma estrada desde a Guiné-Conacri até às florestas situadas entre Bedanda e Jemberém. Vêm com as viaturas até bem dentro do território carregados com toneladas de material de guerra. Jemberém tem estado dias e dias debaixo de fogo. Encontram-se lá duas companhias, mais de trezentos homens, ainda há soldados a viver em tendas e tudo aquilo está muito destruído.
Por incrível que pareça, com tanta flagelação não registaram ainda nenhum morto, só bastantes feridos. Cavaram valas profundas e praticamente vivem nesses buracos. A tropa portuguesa já pensou em abandonar Jemberém por várias vezes, mas a situação é tão má, tão má que não têm por onde sair. Jemberém fica encravada na região do Cantanhez, voltada para sul, para o rio Cacine e agora só se chega lá com os barcos pequenos, os zebros e os sintex, em viagens pelo rio nada seguras a partir de Cacine. Foi construída uma boa estrada asfaltada entre Cadique e Jemberém mas os guerrilheiros tornaram-na intransitável ao dinamitarem vários troços. Quando as NT avançam a pé, o IN monta emboscadas e é cada vez mais extenso o rol de mortos e feridos.
Jemberém encontra-se numa situação crítica mas nestas últimas semanas não registaram nenhum morto. Nós, em Cufar, estamos bem melhor mas há dias, com o inferno das minas, dos incêndios nos batelões carregados de gasolina contámos dezanove mortos, em meia dúzia de horas.
(...) Cufar, 7 de Março de 1974
Neste exacto momento em Portugal, há milhões de pessoas especadas diante do televisor à espera do Festival da Canção. Aqui na guerra do sul da Guiné, acabou de morrer um homem, outro está moribundo. Oiço o roncar dos motores do Nordatlas que, com a pista iluminada acabou de aterrar e vai levar gente ferida para Bissau.
Lá longe, satisfeitos, os portugueses deliciam-se com melodias, músicas capazes de enternecer uma mula ou um burro. Neste pequeno lugar do mundo, em África, um homem retalhado tem o corpo a arfar nos estertores da morte. Vim há pouco da enfermaria, vi tudo, continuo a ver demais.
Foi em Caboxanque, os nossos vizinhos do outro lado do rio Cumbijã. O aquartelamento não costumava ser muito flagelado embora se situe numa zona praticamente controlada pelos guerrilheiros. Neste momento Caboxanque tem duas companhias, a velhinha que terminou a comissão e está de partida no merecido regresso a Portugal, e a de periquitos acabados de chegar. Por isso, para assustar os piras, foram atacados quatro vezes em doze dias.
As flagelações sucessivas também se integram na ofensiva geral sobre os nossos aquartelamentos desencadeada pelo IN. Hoje acertaram na tropa de Caboxanque e nem sequer foi um grande ataque, dez minutos apenas com vinte disparos de canhão sem recuo. Estou farto de ouvir, e até de sofrer, ataques piores. Mas a tropa de Caboxanque teve azar, uma granada de canhão caiu numa vala e rebentou lá dentro. Resultado, um morto, um soldado cozinheiro da companhia velhinha cortado ao meio, a cabeça voou para um lado, o tronco e as pernas caíram para outro, mais um ferido gravíssimo com os intestinos de fora e vários feridos ligeiros.
Na noite de luar, os barcos sintex trouxeram os feridos para Cufar. Neste momento o Nordatlas levanta de voo levando os homens de Caboxanque para o hospital de Bissau. No rádio, no Festival da Canção, o Artur Garcia canta a “Senhora Dona da Boina”. (...)
Fotos: © António Graça de Abreu (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:
20 comentários:
Caros Camarigos:
Acabei de ler estas linhas, que tentam enquadrar a "Estória" do meu irmão Pedro. Entretanto voltei a falar com o meu irmão António, que na altura tinha quase 16 anos, e ainda não leu esta "Estória". Disse-me logo que ele não tem duvida quanto à data, foi mesmo no período indicado, meados do mês de Dezembro de 73l, e como já me tinha dito, o nosso pai, foi lá por causa de uma operação que se ia realizar, não sabe se seria a Op. Estrela Telurica ou outra, pois nessa altura não faltavam operações por todo o TO na Guiné, em que o Comando do CTIG tinha responsabilidades. E segundo o António, meu irmãon (não o AGA!), tem a certeza de que a ida a Cadique se relacionava com a verificação “in loco”, se faltaria alguma coisa, para que as tropas de Cadique não sofressem ainda mais baixas do que já tinham tido até o momento. Como tal o CEM/CTIG, foi in loco, falar com o comandante de Cadique, tenente-coronel Sousa Teles pessoalmente, pois era apanágio dele, certificar-se PESSOALMENTE, que nada faltaria para as operações, que na 4ª Rep do CC, se tinha gizado para essa altura(1) . E nessa odisseia, em que o meu irmão Pedro se viu envolvido, não ficou pela narrativa que ele escreveu. Talvez por achar melhor não adiantar pormenores, de que já não se lembra com precisão,… e deu realce aquilo que o marcou para a vida, como diz no final. Mas segundo o meu irmão António, depois da visita “especial” e do “briefing” com o comandante”, o regresso a Bissau não foi assim tão pacífico como se poderia, ou não, esperar. E segundo testemunho deste meu mano, foi assim, a saber “…o Pedro e o nosso pai nessa noite não puderam regressar a Bissau (o piloto não teve condições de regressar ao aeroporto de Cufar... e houve comunicação “brava” com o piloto…, como tal tiveram de ficar (pernoitar) em Cacine ( adopção de um Plano B), num Barco da Marinha (LDG, Lanchas de Desembarque Grandes ?), e puderam durante a noite "testemunhar in loco”, algumas flagelações a Aquartelamentos na Zona.... Tendo o próprio barco feito "Fogo Amigo", como apoio de artilharia, sobre algumas zonas, onde se presumia a concentração de forças do IN. Só regressaram a Bissau no dia seguinte…”
Como se pode registar por este testemunho, este meu irmão António que dá estes pormenores lembra-se muito bem, de ir ao Aeroporto de Bissalanca, com um dos condutores do meu pai, o Djaló buscar o meu Pai e o meu irmão Pedro no dia seguinte à dita visita a Cadique, tendo esperado pelo nosso pai enquanto se reunia com alguém do Comando da Força Aérea. E lembra-se de ouvir a Estória toda da boca do mano Pedro, que a relatou numa atitude de excitação, típica de quem muito jovem, assistiu a algo deveras importante! E antes de eu enviar a “Estória” do Pedro, já me tinha dito, que “.. Luís: a visita do nosso pai a Cadique teve a ver com uma operação que se ia realizar na Zona…” Pelos vistos tinha Razão, tem Boa Memória e a “Tal Operação”, teria se calhar,… o nome de “Operação Estrela Telúrica”. Agora percebe-se melhor, porque foi nomeado CEM do CTIG, numa altura muito má para as nossas Tropas neste Teatro de Operações , por “ESCOLHA”.
Um Alfa Bravo para todos vós:
Luís G. Vaz
(1) - segundo sabemos o Coronel Henrique Vaz nisso era impecável, e não deixava essa “certificação” para nenhum dos muitos oficias do QG, pois tratava-se do seu brio profissional, e por outro lado era ele o responsável máximo, pela coordenação de todo o “Apoio Logístico e humano para apoiar estas operações”, e perante o Comandante do CTIG, se a logística dessas operações tivessem pontos fracos, era também ele o responsável, e é claro, … perante o Comandante-chefe na Guiné, seria o Comandante do CTIG o responsável. Comprovam este seu perfil, os 17 louvores (2 de ministros do Exército) que constam na sua folha de Serviços, bem com as condecorações que recebeu.
Não cometo nenhuma inconfidência, espero, se disser que dos seus 7 filhos (6 rapazes e 1 rapariga) o cor cav Henrique Gonçalves Vaz, na altura com 50 anos, tinha em 1973 dois na Escola Naval...
O Pedro vinha passar férias à Guiné, mas pelos vistos o pai obrigava-o a fazer TPC (trabalhod e casa)...
A experiência de Cufar/Cadique/Cacine terá sido uma grande lição de vida...Daí a bonita homenagem que ele presta ao pai...
Alguns leitores (e nomeadamente a malta que conheceu Cufar, Cadique, Jemberém...)poderão ter reservas em relação a uma eventual atitude "temerária" do pai/CEM para com o filho/cadete... Seguramente que ele não misturou os papéis e ponderou bem os prós e os contras... Afinal foi o filho/cadete quem pediu insistentemente ao pai/CEM para o acompanhar naquela ida ao "mato"...
Felizmente tudo correu bem...
Luís Vaz, inclino-me mais para uma LFG - Lancha de Fiscalização Grande, tipo Orion, a navagar em Cacine... Obrigado pela história, que é empolgante... O Pedro deveria ter assento na nossa Tabanca Grande!
Há pequenos coisas ou elementos que nos ajudam a comprender melhor a personalidade e o caráter de dos outros... O que deixo aqui já o transmiti ao interessado, o nosso tabanqueiro Luís G. Vaz:
Telefonou-me há dias o antigo ordenança do cor cav Henrique Vaz, no RC 6, no Porto (em 1972 ou princípios de 1973)... Foi ordenança dele apenas durante 3 meses. Mas isso marcou-o para a vida.
Chama-se Alberto Diogo Andrade Santos. Disse-me que conhecia o Luís Vaz, e os seus de lá ir a casa. Era um homem da inteira confiança do comandante do RC 6 ao ponto de ir pessoalmente ao banco fazer depósitos, em dinheiro, com o BI militar do coronel...Leu a notícia da morte dele, em 2011, no JN, recortou-a, e conversa-a nos seus papéis. É carpinteiro, vive na freguesia de Souselas, concelho de Coimbra, telemóvel 963 461 791...
Esteve também na Guiné, em rendição individual, de 1973 a 1974, primeiro - 4 meses - em Bambadinca, no Pel Rec Daimler 3085 (portanto no Sector L1, e na mesma altura do Sousa de Castro, que esteve no Xime e em Mansambo), e depois mais 11 meses na messe de oficiais do QG, onde voltou a encontrar o seu antigo "patrão", agora CEM/CTIG - e outros oficiais superiores (incluindo os do MFA). Deve ter regressado a casa no final (Set ou Out 1974).
Disse que gostava muito de falar com o Luis Vaz, o que já de resto aconteceu. Não tem email, mas soube do Luís através do nosso blogue... Enfim, é caso para dizer que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!
Não me lembro da passagem do coronel Henrique Gonçalves Vaz e do seu filho Luís por Cufar, onde não terão permanecido muito tempo. Devem ter seguido logo para Cadique, de sintex.
O trajecto, uns oito quilómetros não era assim tão perigoso. Foram raríssimos os ataques do IN e todos os dias tínhamos tropa de Cadique, Cafal, Cafine, Caboxanque, Cobumba, Chuguè
que vinha pelo rio Cumbijã até Cufar, nos sintex.
e zebros.
O comandante de Cadique era mesmo o ten.cor. António Sousa Teles, o 2º. comandante era o major Bélico Velasco, dois honestos e valentes militares do QP que conheci bem.
O meu coronel João José Curado Leitão, pára-quedista (substituto do Rafael Durão) comandante do CAOP 1, em Cufar, também visitava estes aquartelamentos todos da nossa área de acção, de sintex e héli. Também era valente, um excelente militar.
O soldado cozinheiro que morreu em Caboxanqe num ataque, cortado ao meio por uma granada de canhão sem recuo era um grande sportinguista, tinha por alcunha o "Yazalde", nome daquela estrela argentina que deslumbrava nos estádios portugueses, de leão ao peito.
Forte abraço,
António Graça de Abreu
O "Yazalde" de Caboxanque era o soldado António Correia, natural de Tendais, Cinfães. Pertencia à companhia 8352, os
Águias Negras.
Fui agora à minhas notas confirmar,
Abraço,
António Graça de Abreu
Confesso que cada vez estou mais parvo.
Com que então recebiam couves peru frango...
COUVES ? PERÚ ?
Mas ca gandas felizardos..eu não me lembro de comer tal coisa.
Os fuzos de cacine não faziam water-skiing no rio mas sim ralies com os zebros.
Quem o fazia de sintex (com o soldado operador deste completamente apavorado) e também tiro de caçadeira a todas as aves que lhe apareciam ,era o cap. comando Patrocínio, oficial de operações em gadamael.
Era completamente "amalucado".
Insistia comigo que operar os obuses era praticamente igual como os morteiros.
Um dia recebemos um jornalista inglês da bbc, que quis uma explicação sobre o obus 14,enfiei-lhe uma série "pêtas", o tubo era de fabrico alemão, as sapatas russas,o reparo americano,os amortecedores franceses,as rodas e o óleo espanhois..o cap. Patrocínio assistia a tudo meio incrédulo.
Por fim quis gravar um tiro de obus..bem mandei colocar o gravador de bobines à frente do obus (perante o espanto geral dos meus soldados)..e..e após o tiro o "dito cujo" desintegrou-se.Risota geral.O news-paper queria que eu lhe pagasse o gravador..expliquei-lhe que como nunca tinha feito uma gravação de um tiro de obus não sabia que o resultado era aquele.
Mais tarde soube que se queixou de mim nas altas esferas de Bissau..
Ah..comia-se bem no patrulha que frequentemente aportava em cacine.
C.Martins
Uma pergunta a Graça de Abreu sobre uma foto sem legenda publicada no poste.(Um Alferes fumando cachimbo). Será que tínhamos um amigo comum que,para mais,a ser o mesmo,foi companheiro meu e de Mexia Alves no Colégio?A ser o tal "menino" o que fazia ele na Guiné? "Degredado" pela família?É que não era costume....... Um abraço.
J. Belo: Essa foto já foi publicada, em formato grande, no nosso blogue, e devidamente legendada... Trata-se do "Miguel Champalimaud (sobrinho do António Champalimaud, o 'tio Patinhas' português)" (sic), conforme se pode ler no Diário do AGA (Vd. entrada: Cufar, 14 de Novembro de 1973; é a única referência que encontro).
A foto foi tirada em Cufar, no aeroporto, em janeiro de 1974. Não sei a que unidade pertencia o Miguel, talvez a CCS do batalhão sediado em Cufar...
LG
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2008/09/guin-6374-p3188-guerra-estava.html
Caro Luís Graça.Obrigado pelo esclarecimento.Recebi simultâneamente esclarecimento por parte de Graça de Abreu,e lá fui ler o capítulo do muito interessante livro em que isto é referido.Trata-se na verdade de Miguel Champalimaud.Só que,e ao contrário do que julgava,não Alferes, mas sim Aspirante,por ter sido punido em Portugal.Fiquei esclarecido quanto à foto,pois inicialmente julguei estar completamente confundido.É sempre interessante esta dialéctica entre "Dever" para muitos...e "punicäo" para alguns. Um abraço.
Eis a minha resposta enviada em mail pessoal ao Zé Belo:
Meu caro Zé Belo
O rapaz é o Miguel Champalimaud, sobrinho do tio Patinhas. Era aspirante e não alferes. Levara uma porrada em Portugal
e foi parar à Guiné como aspirante.
Colocaram-no em Cufar, na minha secretaria operacional, para provar que os Champalimauds também iam para o mato.
Esteve em Cufar aí mês e meio a dois meses, foi depois colocado numa repartição em Bissau.
Mas era bom rapaz, com um assustador medo dos tiros e rebentamentos, mas gostava de o reencontrar.
E está no meu Diário da Guiné, é só procurares no capítulo ou saga Cufar.
Abraço amigo.
António Graça de Abreu
Caro António Graça de Abreu:
Antes demais gostaria de o informar, de que quem visitou o Aquartelamento de Cadique em meados de Dezembro de 73, via Cufar, foi o meu irmão Pedro Vaz e não eu, que nesses dias estava no conforto de Bissau.
Quando diz "Não me lembro da passagem do coronel Henrique Gonçalves Vaz e do seu filho Luís (deve ler-se Pedro!) por Cufar...", eu pergunto-lhe se estava lá em meados de Dezembro de 73?
Como diz que "..-O comandante de Cadique era mesmo o ten.cor. António Sousa Teles...", então deve identificá-lo numa fotografia, ao lado do meu pai, no Pelundo, numa inspecção do CEM/CTIG à instrução das Milícias, na altura em que ele (TC Sousa Teles) era ainda "Delegado do Governo no Chão Manjaco", visite por favor um artigo meu no seguinte Blog do Sousa de Castro:
http://cart3494guine.blogsmbro?
pot.com/2012/01/9-136-situacao-militar-no-teatro-de.html
Um Abraço
Luís Gonçalves Vaz
Caro António Graça de Abreu:
o endereço correcto para o meu artigo, onde aparece o Sr. Tenente-coronel Sousa Teles é:
http://cart3494guine.blogspot.com/2012/01/9-136-situacao-militar-no-teatro-de.html
Abraço e Bom fim de Semana
Luís Gonçalves Vaz
Por vezes não chega o nome...isto a
propósito de Sousa Teles.
Li que o comandante de Cadique era o
Ten-Cor Sousa Teles,e fiquei com uma
dúvida:qual deles?Conheci dois,ambos
ainda Majores,e irmãos,um de Infantaria,2ºcomandante doBCAÇ de
Galomaro,o outro,de Artilharia,2º
comandante do BART de Bambadinca
(batalhão a que pertencia o Mexia)
Privei mais com o Sousa Teles infante
com o artilheiro,pouco tempo,mas deu para perceber que eram duas
personalidades muito diferentes,acho que já o escrevi
tempos atrás.
Verifiquei,através de um link do
Luís Vaz,que o comandante de Cadique era o artilheiro,e pelo
pouco que conheci,deveria ser um
bom comandante.
Caro Paulo Santiago:
Eu já recortei uma fotografia, que identifica o sr. Tenente-coronel Sousa Teles, o de Artilharia, isso não há duvidas..., pois está bem nítido nas costas da fotografia, e pelo punho do meu falecido pai. Em suma peço aqui para que se confirme que o Comandante do Aquartelamento de Cadique em Dezembro de 73,era o Tc Sousa Teles, o Artilheiro! pois só sei pelo Eduardo Campos que "...Com a chegada em 20/06/73 da CSS/B.CAÇ 4514, comandada pelo Ten. Coronel Sousa Teles, ficou o mesmo a partir dessa data, como comandante em Cadique. ...". Como tal necessito confirmação que esse tenente-coronel Sousa Teles é o mano Artilheiro. Fico a aguardar essa confirmação.
Forte Abraço
Luís Gonçalves Vaz
Caros camarigos:
Parece que afinal é o Tenente-coronel de Infantaria, pois segundo a FICHAS DA UNIDADE do Batalhão de Caçadores n.º 4514/72, Mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 15, de Tomar, embarca em Lisboa a 3 de Abril de 1973, chegando a Bissau a 9 do mesmo mês.
Teve como Comandante o Tenente-coronel António Manuel Dias Falagueiro de Sousa Teles e Segundo Comandante o Major Eduardo César Franco Bélico Velasco, que viria a ser substituído no cargo pelo Capitão de Infantaria Jorge Xavier de Vasconcelos Mendes Belo, que era o Oficial de Informações e Operações/Adjunto da unidade.
Estará esclarecido? Agora solicito uma fotografia deste oficial, se alguém a tiver, para que o Editor coloque no artigo da visita a Cadique. Obrigado.
Abraço:
Luís Gonçalves Vaz
Amigo Graça Abreu, conhece-me concerteza de polémicas que por aqui houve, e talvez da minha estadia em Bedanda 1963/1964, tenho lido situações que há pouco se tem relatado e publicado por aqui,ás quais li mas não quero comentar, o meu ingresso neste seu post tem a finalidade de me esclarecer se possivel, o que era o barco sintex. Pois também andei pelo Cumbijã nuns botes de plástico aos que lhe apelidavam de M-1. Gostaria se o meu amigo tivesse alguma foto mesmo parcial a publicasse afim de me certificar sobre o dito "vaso de guerra".
Desde já agradeço.
Rui g. dos Santos
Relativamente ao comentário do Camarada C. Martins, subscrevo tudo o que diz. Ou seja: a "estória" da gravação do disparo do óbus 14 gravado pelo(s) jornalistas da BBC, só que, se a minha memória não me trai, na reprodução da gravação, em ez de se ouvir o enorme BUUUUM do disparo, ouvia-se qualquer coisa como um "pec". Quanto ao Capitão Patrocínio, além do que o C. Martins conta, ensinou-me a fazer esqui aquático a reboque do "sintex" que, além do camarada que ia ao leme, levava um outro à proa com uma metrelhadora. O dito Capitão fazia esqui com a "valter" à cinta. Também é verdade que se comia bem no navio patrulha que costumava estar ancorado perto de Cacine (numa parte chamada Atalaia, penso). Fui lá uma vez e comemos sardinhas assadas com batatas cozidas)
Relativamente à destruição de Jemberém, posso dizer que uns dias antes de começarem os ataques, fomos lá em visita para a inauguração de uma padaria. Quando lá voltei, fui com dois pelotões da CCAÇ. 4152 montar duas emboscadas. Uma delas com a instalação de um pelotão à beira do rio e que ficou sob o comando de um Furriel. A outra, numa curva que ficava entre a povoação/aquartelamento e o cais, ficou sob o meu comando. No momento em que o Camarada (alferes) que pertencia à guarnição de Jemberém me estava a dar algumas indicações, ouvimos o ruído característico de um jacto a "picar". "Cornos no chão", disse ele. Logo de seguida, o silvo da bomba e o rebentamento. Nunca mais me esquecerei do barulho dos estilhaços a rasgarem as árvores à nossa volta. Uns dias antes, tinha morrido, naquele mesmo local, um soldado de Jemberám com um disparo mal calculado de um canhão sem recuo.
Abraço a todos
Carlos Milheirão
Já agora, confirmo a destruição total de Jemberém onde a única coisa que se via de pé, eram alguns ferros das tendas.
A todos uma Páscoa feliz
Carlos Milheirão
Caros Camaradas da Guiné:
Os relatos que o Luís publicou muito me fizeram recordar alguns quadros da guerra em que nos encontrámos; especialmente a descrição relativa à flagelação a Caboxanque, de que resultou um morto imediato e um ferido grave. Tendo integrado o grupo que seguiu imediatamente de sintex a Cufar, na esperança de salvar a vida do Arlindo - assim se chamava ele - tivemos, no dia seguinte, a infeliz notícia do falecimento desse Camarada. Ficámos sem saber se ele resistiu até chegar ao Hospital de Bissau ou se morreu mesmo em Cufar, porque o meu pelotão - o 1.º da CCAV83555 - foi destacado para Cadique, aquartelamento que lutava com grandes dificuldades, aliás descritas pelo Graça com muito realismo, próprio de quem conhecia bem os meandros do que se passava naquela região da Guiné.
Votos de longa vida e
Grande abraço aos Camaradas de armas. Arlindo Flávio
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