quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9435: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (6): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - VI Parte - Momentos de descompressão

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), com data de 30 de Janeiro de 2012:

Camarada Vinhal:
Junto envio a VI Parte da minha Comunicação para incluíres no Blogue.

Com os meus cumprimentos,
Manuel Vaz



MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (6)

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné

Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (VI Parte)

Momentos de Descompressão

Mas nem só de descargas e colunas de reabastecimento, de operações ou abrigos se vivia em Gadamael Porto. No coração e na mente da rapaziada muito havia para viver ou não fosse aquela a idade dos sonhos, dos projectos . . . e tudo contido no interior da paliçada, entrincheirado nos abrigos, limitado pelo arame farpado !. . .

O DO 27 no momento de aterragem. Do lado esquerdo, quase impercetíveis, os elementos da segurança e o mastro com a manga para a indicação do vento

A chegada do correio era um momento especial . . . como se o saco que o transportava contivesse os desejos de cada um: da família ! . . . da namorada ! . . do emprego ! . . . dos estudos ! . . . dos amigos ! . . . de o tudo que deixamos . . . e que esperava por nós.

O avião imobilizado na pista com o representante do Comando e outros graduados para receberem o correio, encomendas ou até recados.

Percebe-se, por isso, que quando o DO 27 sobrevoava o aquartelamento, a baixa altitude, para verificar as condições de segurança da aterragem, um súbito alvoroço irrompia de todo o sítio, onde viva alma se encontrasse e todo o aquartelamento se agitava até se distribuir o que o saco do correio continha.

A vinda do avião era um acontecimento semanal obrigatório que nada poderia impedir, sob pena de se gerar um mal-estar, mais ou menos generalizado. Compreende-se que assim fosse, visto que ele representava a ligação com o resto do mundo ! . . .

Mas havia sempre quem guardasse um calendário e religiosamente cortasse os dias que passavam. Por isso, dava conta dos domingos, feriados, dias santos e avisava que era dia de jogar à bola ! . . . E se nada fundamental fazia parte da “ordem do dia”, pois porque não ? Praticar desporto também é importante para desanuviar o espírito.

Uma peladinha no fundo da pista dava sempre jeito ao espírito e à pista, para não falar da forma física dos atletas.

O nosso (de Gadamael) principal adversário era Ganturé (Destacamento), principal e único, pois o campeonato era limitado e não eram admitidas inscrições fora do prazo. Por isso, quando não havia derby, treinávamos. Conseguia-se sempre arranjar voluntários para a segunda equipa. . . E para aqueles que não tinham pés para a bola, jogavam com as mãos . . . voleibol claro.

O Campo normalmente utilizado para o Voleibol era em Ganturé

Em qualquer dos casos, é de realçar, não só o empenhamento, mas também o estilo e a técnica. É caso para dizer: Assim se jogava em Gadamael Porto ! . . . E para que fique para a História, aqui vai a equipa principal de futebol.

Que me desculpem os esforçados atletas, mas só me lembram os nomes de alguns: Em baixo, da esquerda para a direita, em segundo lugar o Cap. Anacoreta Soares, seguida do Alf. Mil. Assunção e eu próprio.

Mas quem poderia imaginar que, no meio de tantas vicissitudes, o ser humano ainda dispunha de disposição e criatividade para “fundar” um Grupo Cultural e Recreativo, mais recreativo que cultural, naturalmente . . . Foi assim que nasceu o “LADRÕES DE GADO”. Têm dúvidas?!. . . Pois tentem ler o dístico, junto ao microfone . . .

O Palco improvisado foi montado numa Berliet que, para o efeito, foi estacionada, em frente do refeitório.

O espectáculo exibiu um repertório variado e teve numerosa assistência com direito a plateia e primeiro balcão, ou seja, a bancos do refeitório em primeiro plano, seguidos das respetivas mesas.

A fotografia seguinte retrata um ritual com um significado profundo que a galhofa esconde e em que os participantes, sem se aperceberem, transmitem uma mensagem, compreensível apenas a quem está “por dentro das coisas”.

Um grupo manifestando-se depois da “recuperação” de um amigo, na Clínica, a parada do Aquartelamento

O cortejo, porque é disso que se trata, captado noutra fotografia publicada na Segunda Parte, é uma manifestação festiva e espontânea de um conjunto de amigos que resolvem “recuperar um doente”:
- A CLINICA FEZ A RECUPERAÇÃO DE UM DOENTE, é o que diz o cartaz. O “doente” era um camarada que acabava de cumprir o castigo de trabalhar na parada à hora do descanso.

Moral da história:
- Quando o Grupo assume a disciplina como coisa indispensável à sua própria sobrevivência, o castigo é entendido como um tratamento e o facto tem honras de festa. Tenho de confessar que este ensinamento, transmitido de forma espontânea, me acompanhou para o resto da vida. Obrigado Camaradas.

A macaquinha (da raça “macaco cão” ao colo do Camarada Faria de Transmissões, que até parece que se fardou a preceito para a fotografia

Vou terminar esta comunicação, com uma homenagem à natureza da Guiné, simbolizada na macaquinha que, com o seu ar ternurento, nos deliciava com as suas diabruras, o seu pedido de festas as quais, à falta da mãe, nos solicitava. É impressionante como a natureza é implacável e determinante. É quase impensável que a macaca criada no meio dos humanos, sentisse vertigens quando colocada num ramo, a dois metros do solo !

. . . E que pensar da sua reação, quando saltitando à frente da coluna se aproximava da zona do Bendugo, onde habitava uma colónia da sua raça: eles ameaçavam com latidos ferozes e a macaquinha corria em pânico para nós. Ela coitada, sem querer, talvez pela força do destino, traiu os irmãos de raça ! . . . Nós, os humanos, éramos os amigos ! . . . Era assim com os macacos . . . Não é muito diferente com os humanos. . .
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9329: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (5): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - V Parte - Defesa do aquartelamento

7 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro Manuel Vaz:

Não és zoólogo (como eu também não sou), não tens/temos que saber… Mas a “macaquinha da raça macaco cão” que aparece ao colo do camarada Faria, das Transmissões, nem é macaco nem muito menos macaco cão…

É um símio, um chimpanzé, da floresta do Cantanhez… Um primata (como nós), o mais próximo de nós, e que os zoológos classificam assim (em latinório):

Superfamília:Hominoidea
Família:Hominidae
Subfamília:Homininae
Tribo: Hominini
Subtribo:Panina
Género:Pan
Espécie:P. troglodytes


Uma espécie em perigo… O ex-libris do parque nacional do Cantanhez... Lá chamam-lhe o "dari"... Temos que a acarinhar e proteger... Obrigado pelo teu texto e por esta foto...

http://pt.wikipedia.org/wiki/Chimpanz%C3%A9

http://guinebissau.adbissau.org/
areasprotegidaseparques/parquedecantanhez/informacaodecantanhez

Luís Graça disse...

Tirando o pequeno lapso "científico" (chamares macaco-com a um dari...), apreciei muito o teu texto, revelador de grande sensibilididade socioecológica:

(...)"Vou terminar esta comunicação, com uma homenagem à natureza da Guiné, simbolizada na macaquinha que, com o seu ar ternurento, nos deliciava com as suas diabruras, o seu pedido de festas as quais, à falta da mãe, nos solicitava. É impressionante como a natureza é implacável e determinante. É quase impensável que a macaca criada no meio dos humanos, sentisse vertigens quando colocada num ramo, a dois metros do solo !

"E que pensar da sua reação, quando saltitando à frente da coluna se aproximava da zona do Bendugo, onde habitava uma colónia da sua raça: eles ameaçavam com latidos ferozes e a macaquinha corria em pânico para nós. Ela coitada, sem querer, talvez pela força do destino, traiu os irmãos de raça !

"Nós, os humanos, éramos os amigos ! Era assim com os macacos. Não é muito diferente com os humanos"...


Um Alfa Bravo. Luís

Anónimo disse...

Caro camarada Manuel Vaz

Que inveja sinto entre o teu tempo e o meu.
A pista do meu tempo não era no mesmo sítio.
Também na nova pista jogávamos à bola de uma forma completamente anárquica(o jogo consistia em ver quem é que chutava a bola mais alto) porque tinha-se que fugir a "sete pés" quando começava a festa...às vezes ouvíamos as anti-aéreas do IN...fazia-se uma pausa..estão a experimentá-las..gritava-se.
Não tínhamos "mascotes" de macaco-cão, porque os comíamos.
Sobre o pequeno chimpanzé era natural, é que temos 98% de ADN em comum, e se tinha vertigens devia ter um problema nos ouvidos (s. vestibular).
Ganturé era apenas uma referência na carta topográfica...outros tempos..
Um alfa bravo

C.Martins

Anónimo disse...

PS

As anti-aéreas estavam colocadas na Guiné-Conakry...para que conste e não haja confusões.

C.Martins

Anónimo disse...

Camarada Luis Graça:
Agradeço a correção por todas as razões, mas também por não ser aceitável tamanho erro científico. Também não não sou zoólogo, mas tinha obrigação de saber. Acontece que sempre associei ao macaco cão as imagens que guardo relativas ao primata...Quando visionei o blogue e me quedei na última fotografia, por estar muito boa, disse para os meus botões: Afinal... não se trata de um macaco cão!... Coisas da Vida!... Obrigado L. Graça
Manuel Vaz

Anónimo disse...

Camarada C. Martins:
Ainda bem que falas e já não é a primeira vez... da "nova pista". É altura de a localizares, face ao aquartelamento primitivo, para que os mortais que passaram por Gadamael anteriormente, fiquem a saber onde se localizava e que sentido tinha.
Qunto ao diagnóstico das vertigens do dari, que agradeço, é pena vir fora de tempo... Fico à espera de notícias da pista. Obrigado.
Manuel Vaz

Anónimo disse...

Caro camarada Vaz

A nova pista tinha inicio na saída de gadamael para ganturé.
Do lado esquerdo (sentido gadamael-ganturé ) estava colocada uma companhia e do lado direito era arame farpado, um campo de minas e depois a mata.
Também no inicio da pista nova estava o abrigo de transmissões que era uma "casamata".
Nunca foi utilizada,após junho de 73, por razões óbvias.

Um alfa bravo

C.Martins