segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9419: Nós da memória (Torcato Mendonça) (6): África, adeus - Fotos falantes IV

Bissau > Cais da Marinha ou o Repouso da Marinha





1. Em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos este texto para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 6
(…desatemos, aos poucos, alguns…)


2 – ÁFRICA, ADEUS!

(Parece plágio, creio que não)

Fotos Falantes IV

Sabia que não podíamos contrariar a História. Só não sabia quando.
Despedia-me agora de Lisboa sem com isso me preocupar. Partia como soldado em defesa do nada, de muito ou, isso sim, do desconhecido.

Em gelada manhã de Janeiro, meio escondidos como se de nós tivessem vergonha, juntamo-nos à beira Tejo no Cais da Rocha Conde de Óbidos e dali embarcamos, a custo para muitos e em desgosto para muitos mais que em terra ficavam acenando lenços, limpando uma lágrima mais incómoda, gritando um último chamamento. Triste a despedida, são sempre tristes e muitas vezes dispensáveis. Considerava esta sem interesse e, por isso mesmo, pedi para ninguém familiar ou amigo lá ir.

Lá fomos, no “Ana Mafalda”, quebrando ondas, deixando a terra a perder-se no horizonte e vendo só o oceano à volta. Sentia, com o correr dos dias, o ar a aquecer e o mar a mudar.

Finalmente o esperado grito:
-Terra. Cabo Verde, Ilha do Sal, Pedra Lume.

Para mim uma paisagem quase lunar. Paragem breve só para carga e descarga.

Levantou ferro o “Ana Mafalda” rumando ao continente, à Guiné de incógnita e temor, de destino imposto e não desejado.
Sulcava o barco pelo mar calmo e quente, o calor a aumentar e, em igual proporção, a curiosidade e ansiedade a aparecerem mais fortes, mais expectantes, tornando-nos menos faladores e mais mudos observadores.

Na madrugada seguinte o Continente, meio enevoado, surgia na linha do horizonte, cada vez mais perto e a mostrar-se com mais nitidez. Veio a informação:

- Ponta de Jeta, já estamos em mares da Guiné.

Pouco depois o estuário do Geba a ser fendido pela proa do barco. Os olhares a tudo devorarem e África já ali. Bissau a aparecer pouco depois e o calor tão forte a ensopar os corpos.

Recordo mais fortemente uma palavra talhada na alvenaria decrépita num velho casarão: Nosoco. Veio a informação. Era de um armazém de uma empresa francesa. Há anos que abandonara a Guiné.

Devagar navegava o barco e, a bombordo, aparecia o porto, o cais, a cidade. A estibordo o ilhéu do Rei, como a seguir soube o nome. Do alto, de todo o lado, vinha o calor e aquela humidade pegajosa que se colava á pele.

Paramos e esperamos maré. Depois foi o desembarque sem pressas e atravessamos a cidade só parando junto a enormes barracões.

Esperamos.
Não tardou veio a ordem de ali arrumar tudo e esperar.
Ordens a virem, ordens a saírem e o primeiro aquartelamento estava montado.
A noite quente, húmida, diferente, veio e com ela o cansaço.
E agora? Agora? Vamos ver, vamos esperar…

Porto de Bissau > Local de protesto

Uíge, o engole militares

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

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