1. Mais um episódio, enviado em mensagem do dia 20 de Novembro de 2012, da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.
Do Ninho D'Águia até África (30)
As Lavadeiras
Há mil histórias das ditas “Lavadeiras”!
Quase todo o militar dizia:
- A minha lavadeira, é melhor do que a tua!
O Cifra depois da fraca experiência, com a sua lavadeira,
que afinal era
guerrilheira,
andou um tempo
sem lavadeira,
andava sujo, e
por vezes
usava a roupa
do Setúbal, ou
mesmo do
Curvas, alto e
refilão.
Não
podia
continuar
assim, pois
não se sentia
confortável, e
em conversa
com o Setúbal,
este diz-lhe:
- Porque não usas a minha lavadeira? Creio que ela já
desconfiou, que lhe entrego roupa a mais, todas as semanas.
E isso era verdade, pois por vezes, o Setúbal levava alguns
calções e camisas do Cifra, para ela lavar, e ela era esperta,
pois entre elas falavam, e sabiam quantas peças de roupa, era
normal um militar usar por semana. Diziam por lá, que ela era de
etnia “Papel”, e como tal muito desconfiada, nasceu na Ilha de
Bissau, e tinha vindo para Mansoa, há catorze “chuvas”, que
deviam de ser anos.
O que o Criador lhe
deu a mais fisicamente,
roubou-lhe um pouco na
inteligência, e se se
lembrasse de dizer que o
Vinte e Oito da
companhia velha, era o
Trinta e Seis do pelotão
de morteiros, tinha que
ser mesmo, e lá havia um
conflito, pois estes
dois militares eram
completamente diferentes
na fisionomia do seu
corpo.
Mas continuando com
a história, passou a ser
também a sua lavadeira,
foto ao lado, e como
tal, ficou sujeito a
todas as anomalias da
troca de roupa, e quando
ao sábado a vinha
entregar, e quando havia
alguma confusão, ela logo respondia:
- Mi, lavá roupa para manga de pessoais!
O que era verdade, mas não motivo para entregar ao
Cifra, três meias soltas, uns calções, onde cabiam dois Cifras,
já sem forro nos bolsos, e sem botões na frente, e umas calças
de camuflado, que o Cifra nunca usou, pois o Cifra não usava
camuflado, toda a sua farda de camuflado, foi usada pelo Setúbal
e pelo Curvas, alto e refilão, e que ela dizia a pés juntos que
eram dele. Ao pôr uma mão no bolso dessas calças, encontrar o
isqueiro do Curvas, alto e refilão, que já procurava
há uma semana, pois “pedia lume”, a toda a gente e dizia:
- Se encontro o filho da p... que me roubou o meu isqueiro,
eu máto-o. Cabrão!
Mas havia um dia, em que ela, quase nunca se enganava, e até
colocava a tal flor de cheiro sobre a roupa, esse dia era ao
final do mês, e antes de entregar a roupa, estendia a mão e
dizia:
- Dá patacão, é fim de mês.
Às vezes, pagavam com notas do Banco Nacional Ultramarino, e
ela nunca dava o referido troco, e dizia:
- Mi, “patacão ká tem”, está bem assim.
O Curvas, alto e refilão, dizia:
- Filha da p..., para ela, o mês só tem três semanas!.
Qualquer dia mato-a!
(Ilustrações: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10716: Do Ninho D'Águia até África (29): Maldita matacanha (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Que delícia!... "Dá patacão, é fim de mês!"... Estou a imaginar a cena!...
Ainda está por estudar o real impacto que teve, na economia daquela gente, a presença da nossa tropa no TO da Guiné... Já não me lembro quanto é que se pagava no meu tempo (1969/71) à lavadeira, tenho ideia que eu pagava 100 pesos... Era mandinga, e a mãe tinha um filho de um militar, coisa pouco habitual entre os mandingas... As praças pagavam 50... Acho que havia alguma equidade na tabela de preços das lavadeiras... O capitão, o major e o tenente deveriam, por essa ordem, pagar mais, mas eles não vêm ao nosso confessionário, tirando o To Zé [, António José Pereira da Costa], o Jorge Picado, e poucos mais...
Parabéns, Tony, pelas tuas pequenas memórias do quotidiano de Mansoa... É obra, tens memória de elefante!...E talento para a ilustração, como já tive ocasião de o dizer... As ilustrações valorizam muitos as tuas "croniquetas", ou "short stories"... Andas a fazer concorrência ao alfero Cabral!...
Caro Tony Borié
As tuas estórias continuam a encantar.Parabéns pela tua arte de desenhar.
Quanto ao tema das Lavadeiras,eu já fiz aqui uma homenagem ás nossas Lavadeiras na Guiné e em especial á "minha" Lavadeira Amélia em Bissorã.
Não há duvida que de certo modo nós ajudamos a melhorar um pouco a economia das populações da Guiné.Mas na realidade era sempre um momento de satisfação quando ao final da tarde as Lavadeiras vinham trazer as roupas.Em Bissorã como tinha lá a minha mulher e filho era sempre um bom momento de conversa com a "nossa"Amélia.
Um abraço e continua.
Henrique Cerqueira
Caros amigos,
O Tony retirou, neste poste, em formato politicamente correcto, um pouquinho do véu que cobria as relacoes tao ambiguas como secretas, entre a tropa metropolitana e as suas lavadeiras.
A grande maioria da tropa portuguesa que conheci (convivi com tres companhias entre 1968/74, em Fajonquito) respeitava e cumpria o contrato ntacito com as lavadeiras, mas também, como diz o Tony Borié, as "boleias" eram frequentes no meio das pracas de uma mesma caserna, especialmente os lencois e também, nao era raro assistir a conflitos abertos de soldados que recusavam pagar o devido por causa de botoes partidos e de meias extraviadas ou trocadas, pois as mulheres (da nossa zona) para lavar as roupas pesadas, sobretudo os camuflados, batiam-nos sobre pedras com uma tal violencia que faziam saltar ou partir os botoes e, nao podendo conserta-los, porque nao tinham como o fazer, procuravam dissimular o facto cada uma a sua maneira.
Com os oficiais nao tenho memoria de nenhum caso, porque estes se respeitavam e faziam o possivel para respeitar a populacao nativa e no caso de Fajonquito até os Furrieis entravam neste leque porque tratava-se de uma unica companhia isolada no mato.
abraco amigo,
Cherno Baldé
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