OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA
16.º episódio - Alô K3
Oficiais, Sargentos, Praças e tudo: Apresenta-se o Senhor Furriel Miliciano, que "desertou" daqui há 35 dias, para ir a Bissau tirar a carta de condução de veículos ligeiros, pesados e motos, e que acabou por andar a engonhar no bem-bom da Metrópole, devido a causas e artes mágicas. - Trago, para paparmos juntos, uns chóriços lá do porco dum meu parente, bem como uns paínhos do lombo do mesmo animal.
Nisto ouve-se uma voz vinda lá do fundo:
- Calha bem qu'o lume está aceso.
Era dum dos homens da minha Secção, experimentado nos temperos com que besuntava as distraídas cabras do mato que últimamente, e por vezes, se deixavam apanhar por ali e que melhor ainda, untava os pombos verdes que derribava com a pressão d'ar. Outros foram chegando para me dar as boas-vindas, atraídos que foram, pelo agradável cheirinho do grelhado e assim se consumiram os vinte quilos do bom enchido de fumeiro e dois garrafões de catorze litros do tinto ali estacionado para consumo interno, para além das bastas cervejolas das grandes. O Vat 69, veio logo após.
Pela matina, ergui-me ainda lusco-fusco e fui prestar vassalagem ao aquartelamento e mirar as novidades:
A cozinha estava já com as paredes, embora não muito alinhadas, e na parte virada para o exterior, havia sido construída um muro, um metro para fora, que seria cheio com terra, a fim de resistir às investidas do espingardum inimigo. Faltava só o tecto e fui para tal convidado a contribuir com cibes, para que se tapasse, o que farei já a partir de amanhã.
Também tínhamos agora, um gerador para fornecer luz a quatro potentes holofotes, colocados um a cada canto do recinto, luz essa que só seria ligada quando das visitas habituais nocturnas. A ideia era proporcionar aos manganões, uma melhor visão aquando da fuga rápida que costumavam iniciar logo que os cumprimentávamos de acordo com as mais elementares regras da boa educação. Dentro ainda daquele espírito religioso que nos animava, queríamos que não tropeçassem no escuro e, que se não aleijassem ou partissem alguma perna, coitados...
O agradecimento pela bondeza do acto (fazer bem sem olhar a quem) foi que, e sempre que acendíamos os tais, eles, quais bestas quadradas, destruíam-nos o que nos levava a pensar: "ingratos do caraças".
Além, junto à via rápida para Mansabá, perto da porta d'armas, fora criado um mini-zoo e construído um tanque onde boiava um metro de crocodilo, que fazia a alegria da rapaziada e também eu colaborei com alguns restos do leite condensado matinal, que comia às colheres, em vez do misturar com água, coisa que ainda hoje pouco consumo porque líquido sensaborão e com cheiro a lixívia. Uso apenas para lavagens.
Ao lado, fizera-se uma horta onde despontavam alfaces, couves e cenouras. Os resultados finais foram negativos, porque e a meu ver, especialista que fui em nabos e na produção de tomates, o terreno era ensopado pelas águas do Cacheu e estas traziam resquícios de sal marinho.
À volta do hotel e para lá das redes do arame farpado, a área capinada fora aumentada e as vistas estavam soberbas. Pena que os passeios a rodear as suites, continuavam feitos lamaçal e mais ainda agora, graças à bendita chuva de quentes águas, própria da época iniciada e que durará até lá para Oitembro, mas que me permitirá tomar grandes banhos ao ar livre, comungando com a natureza e utilizando o Lifebuoy que ainda uso, salvo um dia antes de ir ao barbeiro, pois que ele costumava dizer-me:
- A sua cabeça cheira a cão.
E pronto, despeço-me até "ao meu regresso".
Vou apanhar o trem das onze para Farim, onde e antes d'almoço, me espera um solilóquio científico, já contratado e cujo tema é: "CONVERSA GIRO"
K3 (Saliquinhedim), Junho de 1966 > Veríssimo Ferreira e o Cripto Rui
Foto: © Veríssimo Ferreira. (Direitos reservados)(continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10724: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (14): 15.º episódio: Hora de voltar ao palco da guerra
1 comentário:
Olá, caro Veríssimo!
Com que então "dentro daquele espírito religioso que nos animava ..."?!
Pois, já percebi! Com cerimónias rituais do tipo daquela em que manducaram 20 Kgs de chouriço embebidos em 28 litros de vinho e outros líquidos "espirituais", não admira a religiosidade! Dava com certeza para ter visões e tudo!
Um abraço do
Manuel Joaquim
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