1. Trigésimo primeiro episódio, enviado em mensagem do dia 27 de Novembro de 2012, da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.
Do Ninho D'Águia até África (31)
O Movimento Nacional Feminino em Mansoa
Todos sabíamos que era domingo em Mansoa, e ia haver “manga
de ronco”, com o rancho um pouco melhorado, para mais trabalho
do cabo do rancho, o bom do Arroz com Pão, que logo pela manhã,
andava aflito a procurar
voluntários para o
descasque de batatas em
particular, pois tinha
havido missa pela manhã, e
o padre tinha dito:
- Tenho o orgulho de
dizer que está presente
entre nós, Sua Excelência,
o Senhor Segundo Comandante
do Território e a
Digníssima Senhora Presidente do Movimento
Nacional Feminino, nesta
província.
Isso era verdade, alguns militares já tinham reparado nessas
personalidades, embora a maioria deles só tivesse olhos
para as filhas do Libanês, que “inundavam” toda a igreja com o
seu perfume exótico!
À tarde, próximo da igreja, num palanque
feito a preceito, foto em baixo, e revestido com folhas de
palmeiras e de outras árvores tropicais, onde estavam presentes,
estas entidades, o comandante do comando a que o Cifra
pertencia, e outros comandantes das forças de intervenção que
estavam estacionadas no aquartelamento em Mansoa, mais o Régulo
da vila, entre outros.
Desfilaram, primeiro, alguns militares, que
foram voluntários, pois nesse momento tinham roupa lavada, onde
ia o furriel miliciano, a fumar um cigarro feito à mão, e que,
alguns diziam que se queria mostrar
às filhas do “Libanês”, também
tinham pedido ao Curvas, alto e
refilão para desfilar com a sua
medalha Cruz de Guerra, ao que ele
perguntou se era uma ordem, e
dizendo-lhe que não, ele respondeu:
- Só vou no desfile, com a
minha medalha Cruz de Guerra, se
for com as estrelas de General nos
ombros, que é para vos mandar a
todos para Portugal e acabar com
esta merda de guerra. - Era assim, o homem, rude na
linguagem, mas directo.
Em seguida desfilaram os
“Homens Grandes”, das aldeias
próximas da vila, alguns com cinco
e seis mulheres, foto ao lado,
com o Cifra, e quando passaram
em frente à tribuna, olharam as
entidades por segundos,
desviando o seu olhar para as
referidas mulheres, para que
continuassem juntas, querendo
mostrar às entidades presentes
que as mesmas eram
sua propriedade. Depois
desfilou um rapaz africano, com um corpo de “campeão de pesos
pesados”, foto em cima, quase nu, a soprar
num corno, emitindo um ruído
que obrigava a tapar os
ouvidos, a seguir vem a multidão, que eram os curiosos, como por
exemplo o Cifra, o Setúbal e o Curvas, alto e refilão, alguns
naturais, uns descalços, e só com um farrapo a tapar-lhe os
órgãos genitais, com algumas pulseiras de missanga nos braços e
nas pernas, outros com uma vestimenta branca a cobrir-lhe todo o
corpo, e com um gorro de lã na cabeça, algumas crianças, também
descalças, algumas com o dedo na boca e o ranho no nariz, e
mulheres com bebés amarrados com uma fita de pano nas costas. Também desfilaram alguns naturais que ajudavam os militares,
servindo de guias tradutores, fotos em baixo, com o Cifra.
O Curvas, alto e
refilão, primeiro
dizia que queria ser
general e mandar
tudo para Portugal e
acabar com a guerra,
e agora não parava de
dizer:
- Isto é tudo
fachada! Estão aqui
muitos guerrilheiros
disfarçados, no meio
de toda esta gente. Segurem-me, se não ainda vou buscar a G-3!
Todos nós sabíamos que só saíam bazófias da sua
boca, mas adiante, vamos continuar, foram buscar o carro da
Psico com a sua aparelhagem sonora, houve discurso a
preceito, fotografias, e no final distribuição de lembranças,
como por exemplo, lâminas para a barba, cigarros, aerogramas,
isqueiros, uns santinhos com a imagem de Nossa Senhora de
Fátima em cima de uma árvore e os pastorinhos de joelhos, com o
terço na mão, muito tristes a
olharem para ela, que alguns militares passaram
a usar no capacete quando
saíam em patrulha, e que o
Mister Hóstia, gravura ao
lado, se encarregou de
distribuir, umas carteiras
em plástico, com um
buraquinho, para se aplicar um
fio, e pendurar ao pescoço,
para guardar os documentos de
identificação para os
naturais, com o escudo de
Portugal, onde se lia, a letras douradas,
“Território Português -
Província da Guiné”.
Quase ao acabar toda esta cerimónia, uma das senhoras
presentes, talvez porque o Cifra andasse por ali, talvez
informada, ou única e simplesmente se recordasse da cara do
Cifra, porque este, antes lhe tinha pedido um isqueiro para o
Curvas, alto e refilão, que andava sempre a “pedir lume” a toda
a gente, chama-o e entrega-lhe um embrulho com umas centenas de
aerogramas, e alguns isqueiros, dizendo-lhe:
- Por favor leva isto, e distribui pelos militares no
aquartelamento.
O Cifra, gravura à esquerda, com a ajuda do Setúbal e do
Curvas, alto e refilão, trouxe o embrulho para o aquartelamento,
e tal como a senhora lhe tinha pedido, começou a distribuir os
aerogramas e os isqueiros a
outros militares. Correndo o
boato, no aquartelamento, que o
Cifra tinha aerogramas do
Movimento Nacional Feminino
para distribuir, foi
distribuindo, até não haver mais.
Quando se acabaram,
ninguém acreditava que o Cifra
não tinha mais, daí começou
novamente o boato que o Cifra
era o representante do
Movimento Nacional Feminino, que
tinha muitos aerogramas e
isqueiros, mas que não queria
distribuí-los.
Teve o
comandante que interferir e
colocar uma folha oficial, no
refeitório, para todos lerem, em abono da verdade, que o Cifra
não tinha mais aerogramas nem isqueiros.
Desses aerogramas, que eram de cor amarela, o Cifra não usou
nenhum, só começou a usar aerogramas, quando vieram uns novos
com uma cor de azul esbatido. Assim como com os isqueiros, pois o
Cifra tinha um, que uma madrinha de guerra de Espanha, lhe tinha
mandado com o emblema da ONU, que conservou até final da
comissão.
Quando alguém interpelava o Cifra, a respeito dos
aerogramas, e o Curvas, alto e refilão, estava presente, ele
logo dizia:
- Filho da p....! És pobre e mal agradecido, ainda vais
levar com este isqueiro no focinho, se voltas a insultar o
Cifra!
Ao outro
dia, o
Cifra passa na altura
em que
desmanchavam o
palanque e vê
dezenas de
santinhos pelo
chão, pois
possivelmente
os tinham distribuído
aos naturais, foto em cima, que não sabiam o que aquilo era, que
o Cifra apanhou, juntou e, como se fosse um baralho de
cartas, levou para o Mister Hóstia, que emocionado lhe disse:
- Já vejo que te estás a aproximar de Jesus Cristo, pois
tanto tu, como o Setúbal e o Curvas, alto e refilão, já não têm
alma, andam em pecado mortal há muito tempo!
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
____________
Nota de CV:
Vd. os últimos 10 postes da série de:
27 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10578: Do Ninho D'Águia até África (21): O Tabaco, para alguns (Tony Borié)
30 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10594: Do Ninho D'Águia até África (22): Uma história de amor em pleno conflito (Tony Borié)
3 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10611: Do Ninho D'Águia até África (23): O maldito dente (Tony Borié)
6 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10627: Do Ninho D'Águia até África (24): O nosso Cabo Reis (Tony Borié)
10 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10646: Do Ninho D'Águia até África (25): O comboio das seis e meia (Tony Borié)
13 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10661: Do Ninho D'Águia até África (26): Raízes de agricultor (Tony Borié)
17 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10683: Do Ninho D'Águia até África (27): O perfume exótico das filhas do Libanês (Tony Borié)
20 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10699: Do Ninho D'Águia até África (28): A avioneta do correio (Tony Borié)
24 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10716: Do Ninho D'Águia até África (29): Maldita matacanha (Tony Borié)
e
27 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10729: Do Ninho D'Águia até África (30): As lavadeiras (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Caro Tony Borié,
Ainda bem que te salvaste de seres um herege desalmado, pois assim continuas a deliciar-nos com os episódios que viveste na Guiné.
O tens um diário muito bem circunstanciado ou então tens uma memória prodigiosa.
Continua a transmitir-nos as tuas vivências.
Um grande abraço.
Adriano Moreira
Que mimo de texto e que bela reportagem!
Um grande abraço, meu caro Tony Borié!
Manuel Joaquim
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