sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10895: Notas de leitura (446): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
O comandante Alpoim Calvão volta a ser notícia, acaba de sair uma obra que procura documentar o fuzileiro destemido, o estratega e o ex-combatente que regressa à Guiné movido pela sigla “por uma Guiné melhor”. 
Este extenso documentário sobre a sua vida não lhe poupa elogios e vale a pena ler com cuidado os documentos que apensa. 

Como é óbvio, o teor das recensões contempla as suas comissões na Guiné, onde se cobriu de glória, e o seu regresso a um território que lhe é profundamente caro para montar negócios e criar riqueza.

Um abraço do
Mário


“Alpoim Calvão, honra e dever” (1)

 Beja Santos

“Alpoim Calvão, honra e dever”, por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (Caminhos Romanos, 2012) é um detalhado itinerário curricular do militar mais condecorado da Marinha Portuguesa. Podemos acompanhar o seu percurso de Chaves para Moçambique, conhecer-lhe as primeiras amizades e o seu gosto musical, vemo-lo a tirar o seu curso, a especializar-se em submersíveis, depois dos fuzileiros, depois de ter pedido ao almirante Roboredo e Silva, na altura chefe do Estado-Maior da Armada que queria ir combater, “mas quero ir combater para a Guiné, que me parece ser o teatro operacional para o qual os fuzileiros estão mais bem equipados e vocacionados”. Mais tarde, em 1967, Calvão assumirá as funções de diretor de instrução da Escola de Fuzileiros, fazendo uma revisão dos manuais escolares de acordo com a doutrina ditada pela experiência. Em meados de Setembro de 1963, são criados os DFE nº 6, 7 e 8. Calvão tinha já terminado o curso de Fuzileiros Especiais e é nomeado comandante do DFE 8, destinado à Guiné, onde chegará no princípio de Novembro. 11 dias sobre a chegada, o DFE 8 logo recebe o seu batismo de fogo durante a operação Júpiter, na região de Jabadá. No entanto, é apenas durante a operação Trevo, que tem lugar de 25 a 29 de Novembro em Darsalame, península do Cubisseco, o destacamento entra em combate.

O acontecimento primordial é a participação destes fuzileiros na operação Tridente. É aqui, em função da violência dos acontecimentos, que Calvão passa para as memórias que nunca chegou a publicar, páginas de ouro de literatura de guerra, estamos em 20 de janeiro de 1964:

 “Às 09:00, saí do estacionamento acompanhado pelo comandante Costa Santos, que ia como observador, e levando sob o meu comando cerca de 30 homens para fazer um reconhecimento armado a Curcô. Quando nos aproximámos da tabanca grande de Cauane, avistámos um grupo de 9 ou 10 homens armados que recuaram para a orla da mata. Fiz avançar a secção C, em linha, em direção a esta e, a cerca de 50 metros, rebentou um violento tiroteio que obrigou a secção a fixar-se ao terreno. Ordenei à secção B que tentasse um envolvimento pela nossa direita, tendo o IN descaído um pouco para a esquerda, fixando também a secção B, que entretanto conseguira atingir a mata.

Eu procurava manter-me em pé, junto a esta secção, tentando proteger-me atrás de uma palmeira de maneira a poder ver a situação tática. Vi o inimigo deslocar pequenos grupos para a minha esquerda, em avanços pequenos e rápidos apesar do fogo continuar intensíssimo de parte a parte. Calculei os seus efetivos em cerca de 100 homens, o que lhe dava grande superioridade numérica e naturais possibilidades de manobra. Fiz então avançar no estacionamento a secção D, comandada pelo meu imediato, o bravo 2º tenente José Manuel Malhão Pereira, ao mesmo tempo que penetrei na mata com a secção C.

Pelas 11:10, o imediato tinha conseguido flanquear o IN, que durante algum tempo ficou estático, mas logo a seguir pressionou a minha secção redobrando o fogo, o que me obrigou a recuar alguns metros. Este movimento, se bem que tecnicamente bem executado, custou-me a morte do 1º grumete Manuel dos Santos Barraca.

Imediatamente, da linha inimiga se destacaram alguns vultos que tentaram ultrapassar os poucos metros que nos separavam a fim de se apoderaram do corpo e respetiva arma, o que seria um bom troféu de propaganda. Quase simultaneamente lançaram-se para a frente o sargento Manuel da Costa André e o marinheiro Domingos António Botelho em direção ao camarada caído, indiferentes ao chuveiro de balas que granizava abundantemente, apenas preocupados em socorrer o irmão de armas. E, qual sólido roble, com uma G3 debaixo de cada braço, o grumete Abrantes Pinto, de pé e completamente a descoberto, cobria o avanço do André e do Botelho com o fogo das suas armas! Tudo se passava a escassos metros de mim que, apesar das minhas funções de comandante me obrigarem a abarcar toda a zona de ação, não pude deixar de observar com um misto de espanto e orgulho o gesto daqueles homens. Quando alcançaram o Barraca e iniciaram a sua evacuação, o Botelho foi atingido mortalmente e caiu redondo no chão. Então, a minha gente, espontaneamente, sem necessidade da mínima ordem, carregou energeticamente e estabeleceu o perímetro de forma a incluir o local onde se encontravam os dois camaradas mortos e o sargento André que não recuava um centímetro. Não fiz mais do que os acompanhar, extremamente grato pela sua coragem”.

A vida operacional do DFE 8 torna-se imparável, após este comportamento valoroso na Tridente. Os feitos repetem-se. Logo a operação Hitler, no início de Maio, dois botes são colocados à entrada do rio Kadigné com a missão de intercetarem eventuais barcos inimigos e foi enviado um grupo a emboscar nos rios Camexibó e Nhafuane. A operação é suspensa devido às condições meteorológicas. Em 23 de Maio é montada uma grande emboscada a uma lancha do inimigo que consegue sair da zona de morte. Segue-se um golpe de mão sobre a tabanca de Cafal, perto do rio Cumbijã. Em Setembro tem lugar a operação Tornado efetuada no Cantanhez. Na operação Hidra ataca-se com sucesso o barco Mirandela, ano e meio antes apreendido pelo PAIGC. Enfim, o DFE 8 torna-se useiro e vezeiro em atuações no sul da Guiné. Vai fazendo propostas aos seus superiores: que se crie um tipo de cantil de plástico; que se substituam com urgência os botes de borracha muito pesados e mal acabados; que substituam as bússolas por outras com agulhas líquidas. Em Maio de 1965, tem lugar na região de Concolin a operação Marquês, um verdadeiro sucesso. Condecorações e louvores chovem para o DFE 8, que termina a sua missão em finais de Outubro de 1965. Calvão é condecorado com a medalha de Valor Militar Ouro, vai ser colocado na Escola de Fuzileiros, passa a colaborar regularmente no Jornal de Notícias e em finais de 1966 é nomeado para frequentar o curso geral naval de guerra. Em Março de 1967, Calvão torna-se diretor de instrução da Escola de Fuzileiros e comandante das Instalações Navais de Vale de Zebro. Um desaguisado com um colega leva a que os seus superiores o punam com uma repreensão agravada e recebe guia de marcha para o Comando de Defesa Marítima da Guiné, é adjunto do comandante. Encontra-se com Spínola no aeroporto e trocam cumprimentos galhardos. Pede para entrar em funções, é nomeado comandante do COP4, em Buba, nomeação curta, cabe-lhe a responsabilidade da força naval do rio grande Buba. E assim vai começar um novo período de atos destemidos que irão culminar na sua conceção e execução da operação Mar Verde.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10882: Notas de leitura (445): "Diário da Guerra Colonial - Guiné 1966-1968", por Luís de Matos (2) (Mário Beja Santos)

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