1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
A guerra em além-mar 40 depois…
Calar é resignar
Sou, pressupostamente, um homem livre numa sociedade que paulatinamente me tem vilipendiado direitos conquistados e extorquido hirtos compromissos atempadamente assumidos! Há 40 anos era apenas mais um dos cerca de 40 mil militares oriundos dos três ramos das Forças Armadas – Exército, Marinha e Força Aérea – que prestavam serviço militar obrigatório na Guiné.
A guerra era, para mim, uma matéria desconhecida. Sei, e afirmo com convicção, que o medo instalado no ego de uma juventude que ambiciona alcançar um mundo de sonhos, foi, nalguns casos, irremediavelmente interrompido para jovens soldados que tombaram nas frentes de combate, ou em situações adversas.
Revolta-me, tal como sempre, o velho slogan que esses célebres camaradas morreram “em defesa da Pátria”. Não! Morreram porque enquanto jovens foram atirados para uma peleja onde os interesses individuas se sobrepunham a um coletivo que se arrastava num adensado mato, ou numa inusitada picada, assim como em ataques aos quartéis, sendo que a imprevisibilidade do momento seguinte era, irreversivelmente, uma incógnita acrescida.
Em Nova Lamego, região de Gabu, conheci, pessoalmente, os horrores da guerra. Conheci, e vive, situações que roçaram o desespero. Imagens que farão eternamente parte do álbum de uma guerra que jamais deu tréguas a jovens entregues à inclemência do imprevisível destino.
Relembro que a guerra da Guiné cruzou gerações. Onze anos de guerrilha. Onze anos em que muitos camaradas morreram e outros ficaram estropiados. Uma comissão militar que originou, também, futuros incertos. Camaradas que jamais se dissociaram do stress pós traumático de guerra. Muitos outros camaradas vivem hoje na rua, outros existem que ainda se envolvem em pontuais conflitualidades familiares, ou sociais.
Para todos os camaradas que conviveram com os tormentos da guerrilha da Guiné, fica a minha singela homenagem a estes notáveis combatentes que expuseram os seus corpos às balas e a certeza de que calar é resignar, subentendendo-se de antemão que a doutrina dos Capitães de Abril impôs alterações políticas e militares ao velho regime, entregando aos movimentos de libertação a condição de países independentes.
No limbo do esquecimento sobre a guerra de além-mar cujo fim leva, apenas, 40 anos, leva-me a supor que neste País de Abril residem cavaleiros andantes que tendem “esconder” uma verdade assumida, nem sempre contada, e que se refugiam em meros pressupostos ditos evasivamente, olvidando quase por completo os combatentes no antigo Ultramar português.
Como nota de rodapé fica a minha apreensão futura sobre a Liberdade conquistada há 40 anos com a Revolução dos Cravos! Resta, porém, a veracidade que a história não apagará das suas páginas a mais recente guerra armada deste povo lusitano que desbravou a impetuosidade de "mares nunca dantes navegados" e os "medos" sentidos em solo guineense, designadamente.
Nós, militares que conhecemos as agruras da guerra da Guiné, afirmamos bem alto que fomos meros peões no xadrez de um puzzle que ditou inalteráveis destinos.
No mato, junto a uma tabanca
Um abraço, camaradas
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 comentários:
Um abraço fraterno e solidário para o meu amigo e camarada Zé Saúdde que é um exemplo notável de dignidade e de resistência contra a adversidade... Ele honra a nossa Tabanca Grande e todos os veteranos da guerra da Guiné.
Não nos calaremos, Zé! Não nos resignaremos,camarada!
Amigo Zé Saude, consegues sem "rodriguinhos" escrever e descrever, o que te (nos) vai na Alma. Sem duvida que não nos calaremos e tu com a tua escrita, gritas mais alto que alguns...
Um Abraço Amigo, Camarada Ranger!!!
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