sábado, 9 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13477: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte I: Passagem pela Academia militar aos 32 anos












1. Começamos hoje  a reproduzir aqui o testemunho de um camarada nosso, grã-tabanqueiro (*), que foi alf graduado capelão no BART 1913 (Catió, 1967/69), Horácio Fernandes.  

[Foto á esquerda, tirada pelo nosso saudoso Victor Condeço, 1943-2010, que foi fur mil mec armam, CCS/BART 1913]

Tenho  a  autorização verbal do autor (que  de resto  é meu parente e conterrâneo), nais de 50 anos depois do nosso último encontro, para reproduzir um excerto do seu livro autobiográfico, "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto; Papiro Editora, 2009, pp. 127-162), relativamente  à sua experiênciade como capelão militar na Guiné, muito marcante e decisiva para o seu futuro como homem e como padre.

O livro já aqui foi objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (**).

Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O  livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em Ciências da Educação, pela Univeridade do Porto (1995): Francisco Caboz: de angélico ao trânsfuga, uma autobiografia.

O Horácio Fernandes vive no Porto.  Deixou o sacerdócio. É casado, tem 3 filhos. Foi o nosso camarada e amigo Alberto Branquinho quem descobriu o paradeiro do seu antigo capelão (***).

_____________

Notas do editor:

(*) Vd poste de 12 de julho de  2012 > Guiné 63/74 - P10145: Tabanca Grande (348): Horácio Neto Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969), nascido Maçarico, natural de Ribamar, Lourinhã, grã-tabanqueiro nº 565...

(**) Vd. psote de 3 de fevereiro dfe  2012 > Guiné 63/74 - P9439: Notas de leitura (329): Francisco Caboz, A Construção e a desconstrução de um Padre, por Horácio Neto Fernandes (Mário Beja Santos)

(..) “Francisco Caboz, A construção e a desconstrução de um Padre”, por Horácio Neto Fernandes (Papiro Editora, 2009), é um relato ímpar pela simplicidade do que documenta, pela coragem em pôr por escrito recordações por vezes pungentes da criança sofrida que o adulto guardou em bom recato. Algures, na Lourinhã [, Ribamar,] num ambiente de pobreza austera, um menino solícito e participativo nas fainas duras do campo e das pescarias do pai, guardou esculpido a cinzel as memórias de um meio rústico, das brincadeiras das crianças e da religiosidade dos actos litúrgicos, dos bodos e da catequese. Terá sido na escola primária, no princípio dos anos 40, que se sentiu impelido a ser padre. Com 11 anos partiu para o Colégio Seráfico, em Braga, partiu com o enxoval mínimo (...)

O padre construiu-se a partir deste colégio que era um pesado e frio edifício de quatro pisos, circundado por densa e verdejante mata (...)

Francisco não esqueceu a composição do pequeno-almoço, do almoço e do jantar, as diversões, os passeios, as orações e a composição dos estudos. É uma descrição por vezes arrepiante, o leitor segue-o pelos lugares, envolve-se nos sacrifícios e nas medidas disciplinares, Francisco é tão evidente que aceitamos que se tenha habituado a cumprir sem pestanejar, sentindo-se sempre devedor dos padres. Cresce e habitua-se a afastar as tentações da carne. Aliás, segundo o director espiritual, as mulheres catalogavam-se da seguinte maneira: as freiras que se tinham consagrado a Deus; as mulheres casadas, sobretudo as mães dos padres, porque tinham dado um filho a Deus; depois as outras mulheres que procriavam; e as solteiras eram sempre um perigo porque causavam maus pensamentos aos homens. No final do 5º ano partiu para o Convento do Varatojo, agora era um rapaz de fato preto e chapéu na cabeça, é aqui que ele vai fazer um ano de noviciado, aqui também há castigos e penitências para as faltas. A nova etapa serão três anos de curso filosófico e depois quatro anos de curso teológico, no Seminário da Luz, em Carnide. De vez em quando, Francisco corre o risco de ser expulso, uma vez enviam uma carta anónima denunciando um tio que vivia amancebado, era o suficiente para a sua expulsão, felizmente que tudo se esclareceu. Temo-lo agora padre, em Agosto de1959, começa a sua missão, reza missas em casas senhoriais, presta serviço religioso nas igrejas, é professor.

A desconstrução de um padre começa nas suas hesitações ou vacilações: está apto a exercer a sua missão de sacerdote? Se o autor carpinteirou admiravelmente o contexto onde nasceu um padre e o modo como ele foi construído, há que confessar que esta desconstrução é descosida, frouxa, perdeu o nervo, é uma narrativa arrancada à força, um testemunho que não agarra o leitor pela gola.

Imprevistamente, é indigitado para capelão militar, frequenta a Academia Militar, aprende a manejar a G3 e ouve o bispo de Madarsuma a explicar a razão do compromisso com a pátria e a razoabilidade da guerra aos terroristas, Portugal estava a defender a civilização cristã contra as agressões externas. É nomeado capelão militar no BART 1913, segue para Catió num DO pilotado pelo lendário sargento Honório. É logo praxado na sala de oficiais, à mesa, no almoço, o major passa-lhe fotografia com mulheres nuas e Francisco pergunta-lhe se eram fotos da mulher dele, valeu o médico do batalhão que conseguiu que o caso ficasse abafado. Temos uma descrição de Catió como uma vila isolada e cercada de florestas e rios com um administrador cabo-verdiano, um administrador adjunto alentejano e uma dúzia de cipaios; havia duas casas comerciais e um comerciante conservava o seu estabelecimento na outra margem do rio, num local chamado Ganjola, onde esteve um destacamento que depois veio a ser abandonado com consequências sérias para Catió. É uma descrição cuidada mas pouco vibrante, sabemos que houve ataques à sede do batalhão mas ele é praticamente omisso quanto ao seu relacionamento com os militares. Há igualmente uma descrição de Cabedu, um aquartelamento mais a sul onde Francisco apanhou um susto quando os guerrilheiros invadiram a pista e entraram na povoação. 


Pouco também ficamos a saber do seu múnus apostólico fora do quartel, ele é lacónico: “Francisco nunca foi visita assídua nem das populações nem dos comerciantes brancos. Naturalmente reservado, nunca actuou como se fosse o pastor do rebanho com as obrigações inerentes. Tinha o papel de capelão, procurava desempenhá-lo, mas pouco mais do que isso”. As suas homilias eram obrigatoriamente para falar do heroísmo dos nossos soldados e da vida difícil da Guiné. O BART 1913 foi rendido, Francisco foi colocado em Bambadinca, numa zona que ele classifica como a mais cobiçada pelo inimigo. Adoece e entretanto a sua comissão chegou ao fim, regressa em Dezembro de 1969. Com o dinheiro que juntou, vai estudar e ajuda a irmã, que está a tirar o curso de contabilidade. (...)

(***) Vd. poste de  17 de junho de  2011 >  Guiné 63/74 - P8437: Contraponto (Alberto Branquinho) (36): A construção e a desconstrução de um Padre

9 comentários:

José Marcelino Martins disse...

8 de Setembro de 1966 – Publicação no Diário do Governo do decreto nº 47.188 que oficializa e regula o Vicariato Castrense de Portugal, criado em 29 de Maio de 1966, por decreto da Santa Sé. Teria um Bispo e um corpo de capelães, que, após um curso breve, eram integrados na s unidades a nível de batalhão ou superior. Os sacerdotes recrutados eram graduados no posto de Alferes.

Anónimo disse...

Luís

Estou zangadíssimo contigo!
Então, tendo sido eu que, em primeiro lugar, fez referência a este livro do Horácio aqui neste blogue (Post 8437 de 17JUN2011), esse Post não merece constar aqui em nota de rodapé?!
Desejo-te que possas largar ambas as próteses externas o mais rapidamente possível.
Abraço
Alberto Branquinho
(BART 1913/CART 1689)

Luís Graça disse...

Alberto, tens toda razão!... Fostes tu que descobtri esta "ave rara" que eu não via há mais de 50 anos, e a cuja missa nova fui, como membro do clã dos Maçaricos... Tinha eu 12 anos...

Peço desculpa pelo lapso mas, como deves calcular, estando em férias, estou limitado, com men os tempo e vagar para dedicar ao blogue...

Aqui fica a referência ao teu poste:

17 DE JUNHO DE 2011

Guiné 63/74 - P8437: Contraponto (Alberto Branquinho) (36): A construção e a desconstrução de um Padre

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/06/guine-6374-p8437-contraponto-alberto.html

Luís Graça disse...

Alberto, acabo de corrigir o lapso. Obrigado também pela tua preocupação com a saúde da minha anca. Está ótima, e já fez 20 quilómetros de praia... As canadianas ficaram em Alfragide... Bom agosto para ti. Luis

Anónimo disse...

Luís

Parabéns à prótese, já com 20... no conta-quilómetros. Muito Bom.
Boas férias.
Alberto Branquinho

Joaquim Luís Fernandes disse...

Caros amigos e camaradas

Após a leitura destas páginas do livro autobiográfico do ex-padre e capelão Horácio Fernandes - "Francisco Caboz", a sensação imediata é a de que já "ganhei a noite". Se me tivesse ido deitar e viesse a perder esta leitura por falta de oportunidade ou de investimento de tempo, teria perdido algo importante.

É que senti de modo muito tocante, até à emoção, algumas das "confissões" não explicitas mas presentes nas descrições dos sentimentos do homem religioso e padre franciscano. Sentimentos interpelantes, que mostram a diferença e a superioridade da humildade destes homens de Deus.

Não terei o saber de expressar convenientemente o que senti ao ler e refletir sobre o que li. Ficará para uma próxima.

Eu que não fui para o seminário, por o acaso do destino (cheguei a manifestar a vontade de ser missionário) imagino de longe, a dureza a que eram sujeitos estes jovens audaciosos e generosos, durante esse tempo de formação e formatação, preparando-os para uma vida cheia de dificuldades e sofrimentos, dando-se em holocausto, ao jeito do Mestre.

Depois, as exigências da vida sacerdotal. A aceitação pela compreensão e a convivência com as contradições presentes no seio da Igreja, formada por homens pecadores, que não o deixam de ser mesmo quando chamados a prometerem imitar a vida de Jesus Cristo,O Senhor.

E foram muitos destes padres, capelães militares, que foram lançados como cordeiros, para o meio da alcateia faminta da guerra, onde eram de facto necessários. Lá havia homens em sofrimento que era necessário consolar pela Palavra libertadora do evangelho e pelos Sacramentos; Porém, sabemos como isso era difícil e comprometido pela natureza e dureza quotidiana, a gerar ambientes quase impossíveis, onde a degradação moral alastrava como peste; Muitos destes padres, apesar da solidez da preparação, não resistiram à erosão dessas experiências "traumáticas". Foram confrontados com realidades novas que abalavam os seus sólidos alicerces. Lá,onde as contradições atingiam o auge, entre a vida e a morte.

Ficarei expectante para os próximos capítulos.

Abraços
JLFernandes

anonimo disse...

Ser padre Católico na Guerra com o apoio da hierarquia só prova que a igreja católica não representa o Cristianismo.
É incompatível ser Cristão e ao mesmo tempo apoiar tacitamente uma campanha de matança que é a guerra.
Ainda bem que aprendi o que é ser Cristão e poder estar livre dessa influência.
Jesus o fundador do Cristianismo nunca apoiarias essa casta de mal feitores.
Ele nunca se envolveu nos negócios deste Mundo. Quando quiseram fazer dele um rei Ela afastou-se para o monte sozinho (João 6:15)

Carlos Vinhal disse...

Este comentador Arménio Almeida é mesmo aborrecido.
Amigo já sabemos que não é Católico, fique bem e espero que encontre um atalho para o Céu, daqui a muitos anos, claro.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

anonimo disse...

Quem não gosta põe de lado