PEDAÇOS DE UM TEMPO
9 - MESMO LÁ
Amigo Carlos Vinhal
Antes de mais, votos de boa saúde extensivos a todos que te são queridos.
Com o passar do tempo, por vezes, dou comigo a recordar situações que quando era mais novo a vida não me permitia, há dias, fiz uma viagem ao meu passado pela Guiné e cheguei à conclusão que não me posso queixar de falta “sorte” durante o meu tempo de comissão.
Os meus camaradas, quase todos, foram de barco, eu fui de avião, ainda que velhinho. Demorou na viagem “apenas” nove horas, incluindo uma paragem em Cabo Verde onde viria a tomar o primeiro contacto com o clima de África.
Enquanto eles foram estagiar no Cuemuré, eu estive cerca de trinta dias em Bissau (nos Adidos), o que sempre deu para conhecer de forma mais suave o clima, as várias etnias que compõem a população da Guiné e o bulício da cidade. Para quem não fazia a mínima ideia daquilo que foi encontrar, foi muito bom aquele tempo de adaptação antes de chegar à companhia.
Depois viajei de Dacota até Bafatá, daí em coluna para Bambadinca e depois Mansambo. Os meus camaradas foram pelo rio Geba de LDG, até ao Xime depois em coluna auto para a sede da companhia.
A primeira mina anticarro acionada por uma viatura da nossa companhia foi na picada de Mansambo para Candamã. Nesse dia eu tinha ficado no quartel, o condutor era o José de Sousa.
A única flagelação que sofremos em Mansambo, estávamos vários condutores a carregar terra para levar para a oficina, começamos a ouvir saídas de morteiro, a nossa reação foi fugir para o abrigo mais próximo. Eu fui o último a sair do local onde estávamos, era um buraco enorme, provavelmente feito pelos militares que construíram o aquartelamento. Nesse momento tive um pressentimento que não tardaria que as morteiradas começassem a cair e não tivesse tempo de chegar ao abrigo, voltei para trás e deitei-me no local onde estávamos a carregar a terra.
Talvez tenha sido a minha sorte, as primeiras caíram precisamente no trajeto que os meus colegas fizeram até ao abrigo do nosso 81, eu era o último…
Não fosse os três feridos graves que tivemos e teria de considerar que estive num dos melhores sítios da Guiné daquele tempo, no que a guerra diz respeito. Com muito trabalho, mas era bem melhor que estar dentro do arame farpado sem poder de lá sair, como veio a acontecer mais tarde quando fomos para o sul.
No dia que chegámos a Cobumba, enquanto tivemos dentro da LDG à espera para desembarcar, fomos escutando o relato de um jogo de futebol que estava a decorrer entre o F C do Porto e o Benfica (dia 8 de abril de 1973), nos encarnados a grande referência era Eusébio, a grande esperança dos portistas tinha vindo da América Latina, chamava-se Cubillas.
Vista parcial de Cobumba, local onde estiveram dois grupos de combate e quase toda a formação
Entretanto era chegado o momento de começarmos a descarregar, e transportar as coisas que levávamos para um local a cerca de quinhentos metros do cais, eu fui na primeira viatura, o condutor era o Cabral, foi um dos que seguiu mais cedo para Bissau quando ainda estávamos em Mansambo para levantar as viaturas, passaram as quatro e nada de anormal aconteceu.
Depois de feita a descarga foi o regresso ao rio para novo carregamento, o capitão disse-me para eu seguir com o Unimog, mas o Cabral disse que ia ele, andou cerca de cinquenta metros, a viatura acionou uma mina, passados poucos minutos estava a ser evacuado para Bissau, não mais voltou à companhia. Pouco tempo depois regressou à Metrópole para continuar o tratamento no hospital.
Uma vez mais a sorte esteve do meu lado.
Passado cerca de um mês de estarmos em Cobumba, vim a segunda vez de férias à Metrópole, durante esse tempo os meus camaradas sofreram o primeiro e único grande ataque quase corpo a corpo, ainda não tínhamos arame farpado e poucas valas de proteção, existiam muitas árvores de grande porte o que tornou possível a infiltração do IN chegando a poucos metros.
Uma vez mais tive sorte por estar de férias e não ter assistido a tal encontro.
Próximo de deixarmos Cobumba, estava de serviço de condutor, os picadores detetaram uma potente mina anticarro no trajeto que eu teria de fazer. Como de costume foi levantada pelo furriel Trindade, uma vez mais a sorte esteve comigo.
Essa mina foi levada para a arrecadação onde dois ou três dias depois viria a explodir, provocando as duas primeiras baixas da nossa companhia, o furriel Galeano e um soldado do 2.º pelotão, de quem já me não recordo o nome.
A três semanas do regresso à metrópole, a minha companhia fez uma coluna a Farim, eu estava a recuperar de um ataque de paludismo, fui dispensado pelo médico de fazer serviços pesados, apesar da doença que me fragilizou bastante, tive sorte, fazer colunas para Farim naquele tempo não era nada agradável.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 3 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12671: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (8): Tempos de Bissau - Estórias opostas
Sem comentários:
Enviar um comentário