quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13471: Blogpoesia (385): É preciso libertar o homem (José Teixira, ex-1.º Cabo Aux Enf)



1. Em mensagem do dia 5 de Agosto de 2014, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos este belíssimo poema:


É preciso libertar o homem

Numa manhã de sol radioso. Esperança.
Olhava o futuro pela janela da vida,
E, ansioso, esperava as palavras do Profeta.
Ainda acreditava num jardim de paz e de bonança,
Quando os senhores do mundo tiraram a espoleta.

Para-me de repente o pensamento,
E vejo sangue, vejo lágrimas, vejo gente,
Caminhando no trilho, em fuga. Sem lamento.
Vejo o inferno vomitando chamas
De enxofre enegrecido pelo tempo.
São as armas a troar continuamente.
Vejo corpos desfeitos e sem vida.

******

E vejo sangue, vejo lágrimas, vejo gente,

Vejo homens e mulheres. Faces rugosas,
Sentados na relva do jardim, o olhar perdido,
Vejo velhos, mãos trémulas, ansiosas.
Vejo crianças chorando os pais – vidas
Violentamente ceifadas
Pelo mortífero sopro das granadas.

Vejo corpos cansados e em sofrimento.
Perdidos nas ruas de Alexandria e da Panfília,
Trazem réstias de vida, saudades da família,
E lágrimas do tormento.
Fundem-se com as paredes frias e sombrias da cidade,
Bebem as migalhas do pão, avidamente,
Que lhe dão por caridade.

******

E vejo sangue, vejo lágrimas, vejo gente.

Não posso, indolentemente, ficar assim parado.
A vida está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar.
E lutar por um mundo bem diferente.

É preciso libertar o homem da crisálida, doce embalo
Onde o meteram os meios de comunicação social,
Para o tornarem seu vassalo.

É preciso libertar o homem da mortalha do poder económico,
Que lhe abafa a razão, o sentimento,
Impedindo a mente do livre discernimento.

É preciso quebrar a redoma em que abafam o medo e o silêncio.
Libertar o silêncio e gritar ao som do vento a verdade.

É preciso mudar as correntes do pensamento,
Antes que o cosmos fique moribundo.

É preciso saber conjugar o verbo Ser em vez do Ter,
Porque SER pessoa é mais importante que possuir o mundo.

É preciso encontrar a alegria, na alegria dos outros. Rica herança,
E conquistar de novo o sorriso da esperança.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13374: Blogpoesia (384): Recriação do mundo (J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

11 comentários:

Anónimo disse...

"É preciso conjugar o verbo Ser em vez do Ter.
Porque ser pessoa é mais importante que possuir o mundo".

Com toda a humildade, atrevo-me na pergunta:Diria melhor o nosso genial Fernando Pessoa?
José Belo

manuel maia disse...

Caro Zé Teixeira,

Muito obrigado pelas tuas palavras sentidas que brotaram em jorro transformadas num poema belo com que nos pões a todos a pensar...

Anónimo disse...

Uma pedrada no charco do nosso cinismo!... Um abraço fraterno, Zé, daqui da terra dos dinossauros. Luis Graça

Anónimo disse...

Uma pedrada no charco do nosso cinismo!... Um abraço fraterno, Zé, daqui da terra dos dinossauros. Luis Graça

Anónimo disse...


Amigo José Teixeira

Gostava de percorrer alguns países ocidentais, países subdesenvolvidos e países árabes para compreender melhor o conflito na faixa de Gaza entre israelitas e palestinianos, porque em Portugal estamos condicionados aos meios de informação e propaganda ocidentais. É revoltante o número de mortos civis, mulheres, velhos e crianças enquanto os países "civilizados", sobretudo os Estados Unidos, olham impávidos para a carnificina, disfarçando com alguns protestos ténues.
O teu poema reflete bem o nosso horror, a nossa raiva, a nossa dificuldade em compreender este mundo em guerras como se houvesse um deus sanguinário a exigir o sacrifício de tantas vidas inocentes, para aplacar a sua sede de sangue.
Gostei muito do teu poema que toca as cordas mais sensíveis de todos os revoltados e inconformados que nunca aceitaram a morte de tantos inocentes nos campos de concentração da 2ª guerra mundial, mas que também não aceitam a morte de tantas crianças e outros inocentes na faixa de Gaza.
Um grande abraço

Francisco Baptista

Zé Teixeira disse...

Ó meu irmão Maioral e ilustre comandante Zé Belo, não exageremos tá bem?
Para ti vai um escrito em Mampatá quando ambos fazíamos a guerra que eu não queria.
Um Abraço fraterno.

DIVAGANDO EM TEMPO DE GUERRA

Eu espero…
E enquanto espero, o futuro
Eu desespero
Porque aguardo, com pouca esperança,
Que o que espero,
Chegue quando eu quero.

É que eu espero
Que a paz chegue a cada momento
E divagando, perco-me no tempo.

Já vem aí!...
Um futuro melhor,
A paz que quero usufruir. Construir.
Parece que ouço o seu silencioso caminhar.
Olho.
Volto a olhar, com a esperança espelhada no rosto
E apenas ouço as armas a troar.
Melhor fora, eu desistir de sonhar
Mas eu quero construir,
E vou esperando…

Eu.
Só quero o futuro
Que teima em não voltar.

Mampatá – Agosto de 1968

José Teixeira


Anónimo disse...

Mampatá-Agosto de 68?
O tempo passa.
Outro Poeta (o Manuel de Aveiro)escreveu:"O vento sopra do Sul...chegam palavras!"
Neste extremo do extremo Norte da Europa, feito de Invernos de 10 mêses,quando o vento sopra do Sul chegam...recordacöes de Amigos distantes,de momentos inolvidáveis de camaradagem concentrados numa palavra...Mampatá.
Compreende-se entäo Fernando Pessoa:
"Pode ser que para o outro mundo eu possa levar o que sonhei.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?"
José Teixeira...Aquele abraco!

Anónimo disse...

Excelente poesia

Quanto ao tema...diz o L.Graça.."uma pedrada no charco do nosso cinismo"

Somos todos nós e eles..cínicos e maus.

Sobre este assunto sou muito pragmático.."venha o diabo e escolha"..já assisti a tanta coisa na vida que nada me surpreende.

Normalmente toma-se partido supostamente pelos bons ou menos maus...pelo politicamente correcto..pelas minorias..pelos explorados..etc.

Vive-se ao sabor das correntes de opinião propaladas pelos "media"..trata-se normalmente de demagogia barata.

Só tenho compaixão pelos inocentes que nem sempre são os que parecem.

Quem não percebeu...tivesse percebido.

C.Martins

Zé Teixeira disse...

Se eu tivesse morrido na Guiné, seria mais um inocente que morria, porquanto, nunca quiz fazer guerra a ninguém e muito menos matar. Fui forçado pels mandantes do meu país e fiz o que a minha consciência me ditou: entreguei a arma libertando-me assim do seu peso para carregar a bolsa de enfermeiro. No meu poema choro os inocentes, não só as mulheres, crianças e velhos e soldados que morreram na Guiné de ambas a partes, como as mulheres crianças e velhos e os soldados arrastados para todas as guerras que tem proliferado por esse mundo fora. Só não choro os mandantes e os que se voluntariam - os profissinais da guerra. A esses chamo assassinos da humanidade.
Vivenciei há um ano atrás na Turquia o sofrimento dos refugiados da Síria que deixaram tudo para salvar a vida e andavam pelas esquinas das ruas, colados às paredes, como cães asssustados pelo ruido dos foguetes, cheios de fome, sem destino...sem futuro...
Na segunda parte do poema procuro apontar caminhos para os Homens de boa vontade. Eu sou dos que acredito que a mudança é possível. Podem apelidar-me de ingénuo, mas reparem que foi possível andar cerca de vinte e quatro meses na guerra e não dar um tiro ...Que Ingenuidade!
Nem o meu comandante o Zé Belo se apercebeu.
E ainda há quem ou não se acredite e há quem me chame "falso português" ou anti-patriota.
Em relação à guerra entre Israelitas e Árabes, não pode ser o diabo a escoher.
Que direito asssitiu à Inglaterra para chegar à Palestina e sob o efeito das armas ocupar um torrão de terra dos palestinos e entregá-lo aos Israelitas?
Que direito assiste aos Israelitas de com o apoio vergonhoso do mundo ocidental fazer o povo palestino prisioneiro na sua própria terra em enclaves de território fachados ao exterior?
Antas de interferÊncia da Inglaterra os Palestinos e os judeus partilhavam a terra pacificamente.
Porque castigam um povo com tantas mortes de inocentes? civis, crianças, ataques a escolas !
São milhares sem dó nem compaixão.

Algum de nós aceitaria que uma força estranha ocupasse o nosso quintal e o entregasse a terceiros?
Abraços
Zé Teixeira

Anónimo disse...

Meu caro camarada Zé Teixeira (grande poeta).

Aos poetas desculpa-se tudo.

A tua análise politica..é..é..tua e estás no teu pleno direito..só que..ou mas..há sempre um mas...

O problema entre palestinianos e judeus existe há milhares anos..agravado no século xx..com a decisão imbecil das N.U.

Quando dois povos (nações)se querem aniquilar mutuamente, prevalece o mais forte.

A manipulação dos media é o que é ..só aparecem crianças e civis mortos..mesquitas e escolas bombardeadas..porque será !!!

Louvo a tua coragem.."passaste pela guerra" sem dar um tiro, a tua coerência, qualidade que vai cada vez mais rareando,infelizmente.

Um grande alfa bravo

C.Martins

Anónimo disse...

Näo tendo conhecimento de quem escolheu a foto,muito actual,que acompanha o poste do José Teixeira (ele próprio?o responsável pela publicacäo no blog?o editor do mesmo?)somos aparentemente levados a identificar o poema com uma determinada guerra,num local também determinado,e num espaco de tempo referente ao presente.

As "mesquitas e escolas" induzidas pela foto seräo,talvez,demasiado subjectivas quanto à intencäo,e universalizacäo do poema.
Julgando conhecer o meu Camarada de Pelotäo José Teixeira (bebêmos águas das mesmas bolhantas),creio referir-se ele..."Ás Guerras"...independentemente de esta ou aquela,ou de que meios de comunicacäo as manipulam.
Um grande abraco do José Belo.