1. Em mensagem do dia 13 de Agosto de 2014, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos uma recensão ao livro de TCor Luís Ataíde Banazol, que versa o período revolucionário pós-25 de Abril de 1974.
Os "Capitães Generais" e os "Capitães políticos"
José Manuel Matos Dinis
Já existe no Blogue uma recensão sobre outra obra do mesmo autor, essa a debruçar-se sobre um imaginário da descolonização, ainda dava os primeiros e controversos sinais do que poderia significar para milhares de pessoas de passagem ou residentes na África "portuguesa".
Agora descobri o livro Os "Capitães Generais" e os "Capitães Políticos" do Tenente Coronel Luís Ataíde Banazol (Prelo Editora, Lisboa, 1976), entre as aquisições que faço em alfarrabistas. Esgota-se em 130 páginas, e transporta-nos para os idos de 76. Trata-se de um texto pessoalizado sobre meia-dúzia de personalidades relevantes do MFA, que, em geral, marcaram períodos do processo revolucionário durante os dois primeiros anos, e através daqueles retratos classifica os períodos então vividos, a partir de análises sarcásticas, que podem questionar os conteúdos de liberdade, democracia, justiça e progresso social, entre as diferentes qualificações que se pretendeu, e ainda se pretende, dar à iniciativa dos capitães.
Segundo Vasco Lourenço em "Avatar", o TCoronel Banazol apareceu numa reunião onde se discutiam requerimentos e processos reivindicativos, e por influência daquele oficial de mais alta patente, os capitães acabaram o encontro com a ideia revolucionária a efervescer. Depois disso, parece ter-se mantido afastado do Movimento, e em 1976, quando edita o presente título, já faz a análise crítica aos êxitos e insucessos da iniciativa revolucionária, dos equívocos, rivalidades e diferenças estabelecidas, que a conduziram a uma revolução "pequeno-burguesa" influenciada pelas actividades dos partidos, que evidenciaram a falta de união em torno de um sentido de orientação claro e unificador entre os militares da génese renovadora.
Logo de início aborda a questão motivadora do Movimento nos seguintes termos: "signo revolucionário decisivo e bem vincado que, como se verá, continuou a comandar todo o desencadear dos acontecimentos até vinte e cinco de Novembro, ponto final prático da conturbada descolonização, apenas catorze dias após a proclamação da independência de Angola. Assim, poder-se-á afirmar que o drama colonial é a via por onde tudo se escoa, como torrente impetuosa que arrasta consigo vidas e haveres, convicções e esperanças, corpos e almas, num torvelinho catastrófico sem paralelo na História de Portugal". E sobre o Programa do MFA ("na reunião de 5 de Março tinha sido assumido como essencial a elaboração de um programa político" - no Avatar) conclui que «estas "criações de condições", lançamentos de fundamentos, e a nível nacional, seriam coisas de entusiasmar, se fosse possível abstrair da existência "dos outros"... e "que se teve de enveredar pela traição ao programa do MFA"» no conjunto de considerandos políticos sobre o ultramar. Também abordou com clareza, crer que "pela primeira vez na História, os escalões combatentes provaram que poderiam decidir da guerra ou da paz, antecipando-se ou mesmo sobrepondo-se às decisões dos altos comandos", e no decurso da orgia revolucionária, também provaram que "poderiam ditar procedimentos a esses altos comandos, fazendo destes apenas coordenadores e procuradores, digamos, dos anseios de paz e de regresso à Pátria donde tinham partido, estrangulados pela angustia e pelo desespero. E é neste contexto que se torna impossível a execução de qualquer directiva superior, desde que ela esteja em desacordo ou de algum modo possa vir a condicionar as aspirações do fim da guerra e do regresso".
Ora, a tal "torrente" é facilmente identificada pela "sincronia destas tomadas de posição dos escalões combatentes em África com as reivindicações populares em Portugal... e as conquistas revolucionárias do campesinato e do proletariado levam o passo certo com a retirada sucessiva dos efectivos das frentes de combate", conjugação de actuações que hoje nos permitem ver com clareza que o poder caíra na rua, e tornara-se impossível dar algum nexo de governabilidade ao país.
O autor não refere, mas em simultâneo, Portugal confrontava-se com a perda dos rendimentos das colónias, com a fragilização ou destruição da capacidade produtiva na metrópole, com o esvaziamento financeiro, com a crise do petróleo, e com o surto inflacionista que as circunstâncias potenciavam. Atenuou a situação, o recurso às reservas financeiras acumuladas e alguma quantidade de ouro vendido, a que se sucedeu o primeiro pedido de assistência ao FMI, que impôs regras para sufoco da algazarra nas ruas. Era o inicio do controle sobre o "Poder Popular".
O autor identifica três fases para o período revolucionário, e em cada uma elege personalidades do MFA marcantes no respectivo desenvolvimento. Na primeira fase, de gaúdio e entrega do poder ao general Spínola, com manifestas divergências entre oficiais spinolistas e puristas da revolução, tornou-se "justo e necessário e impunha-se que um dos homens mais importantes da Revolução dos Capitães fosse utilizado para comandar uma força capaz de colocar Lisboa, principalmente, ao abrigo das surpresas revolucionárias", do que viria a resultar o PREC como oposição à acção de Spínola e em sintonia com o Poder Popular. Refere-se aos "capitães-generais", e a Otelo em primeiro lugar. A segunda fase é a dos "nove", depois dos SUV e da ocupação de quartéis, que ameaçaram novamente a estabilidade dos militares do quadro permanente, cujo corolário aconteceu em vinte e cinco de Novembro. O Documento dos Nove veio assim oferecer os princípios de equilíbrio necessários à consagração do regime democrático. Sentia-se que "a maioria dos portugueses o que quer é saúde e dinheiro", tendo em vista "a integração, como parente pobre, de uma Europa pretensamente rica", ideias muito propaladas pelos partidos ditos democráticos de feição ocidental que tinham criado tentáculos de influência nas Forças Armadas. E acrescenta numa breve análise: "Vai-se de vento em popa para um sistema pluralista, muito bem, agora sim, mas não se chegou a saber bem o que os capitães pretenderam com a Revolução, além de acabar-se com a guerra colonial.
Recapitulando: primeira fase avançada para obedecer à tormenta da convulsão descolonizadora; segunda fase, a fase de transição, que é a que se atravessa na hora em que se escrevem estas linhas, com a descolonização terminada e as tropas à braseira da família. Esta fase irá até Abril das eleições. Seguir-se-lhe-à a terceira fase, a legal, a da «reconstrução», onde não será admissível o «aventureirismo»,salvo se ele partir de forças eminentemente anticomunistas".
Apesar do pouco tempo decorrido desde o vinte e cinco de Abril até à edição em Junho de setenta e seis, o autor faz uma rara apreciação dos acontecimentos, independente de influências, e com o humor de observador inteligente. Acaba com algumas apreciações sobre alguns personagens da revolução, e só é pena não ter tido vontade ou oportunidade para se alongar com outros pormenores reveladores de muitas falácias e influências que ainda perduram como verdades incontestáveis.
Desejo-vos boas leituras.
JD
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Nota do editor
Último poste da série de 15 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13499: Notas de leitura (622): Trajectórias divergentes: Guiné-Bissau e Cabo Verde desde a Independência, na Revista "Relações Internacionais R:I", dirigida por Nuno Severiano Teixeira (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
Ao passar por este blogue e ler a mensagem original certifiquei-me do nome do Tenente Coronel Luís Ataíde Banazol que não me é desconhecido. Julgo que participou na revolução do 25 de Abril de 1974 e que já não está entre nós. Também gostaria de saber se este blogue se identifica com a Revolução, traída pelo Grupo dos Nove em Agosto de 1975.
As minhas saudações
António Carvalho
Caros camaradas
O José Dinis mostra-nos aqui um documento de Luís Banazol que parece ser interessante na medida em que percorre um espaço de tempo muito rico em 'dinâmica' e 'criatividade' do nosso processo histórico recente e que, no fundo, origina o que de momento se vai vivendo.
Será um livro para se ler com algum 'distanciamento' mas com bastante atenção, até para se perceber a 'ironia' que se diz que o autor recorre.
Relativamente à questão de se saber (porquê?, para quê?) qual a 'identificação' do Blogue com a "Revolução traída pelo Grupo dos Nove" isso será, para além de inútil, resultado de falta de atenção, na medida em que o Blogue tem como "estatutos" ou "normas de conduta" as indicações que costumam aparecer na coluna do lado esquerdo e o objectivo essencial é o de fazer fluir as memórias daqueles que tiveram a Guiné como ponto comum.
As posições políticas, partidárias, religiosas, futebolísticas, etc., pessoais são desejáveis, na medida em que isso será sinal de gente que não é amorfa, que tem opinião, que se empenha, mas são, necessariamente, do foro individual, não se espera, não se deseja, nem se quer, que venham entrelaçar-se com os objectivos explícitos do Blogue.
Abraços
Hélder S.
Nem mais
Caro António Carvalho,
Não posso confirmar se o T.Cor. Luis A. Banazol está ou não entre nós, mas a Associação 25 de Abril poderá prestar a informação correcta.
Quanto ao funcionamento do Blogue, o camarada Helder já respondeu no essencial, todavia, ainda respigo da "Política Editorial" a seguinte passagem, consagrada na parte II: "A manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros".
Saudações
JD
Exmo.Senhor António Carvalho.
Que pergunta täo...inconveniente.
"INCONVENIENTE"?
É uma época do ano (e da vida) em que estamos todos..."a banhos".
Hélder autoriza-me que subscreva do teu comentário os dois últimos parágrafos.
Um abraço
Colaço.
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