Caríssimos camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal.
Envio-vos em anexo duas imagens e um texto, em Word, que é uma estorinha tirada de um "filme" que me revisitou nos primeiros tempos após o regresso da Guiné.
Ficcionei, para me permitir omitir nomes, datas e detalhes. Por estas razões ou por falta de dados concretos, ou porque sejam irrelevantes, assim farei no futuro. Chamar-lhes-ei "contos breves". Tudo o resto serão crónicas, memórias, etc.
Deixo à vossa consideração a publicação ou não do texto anexo e o mais que aqui vai. Isto é válido para todas as situações futuras, não vale a pena estar sempre a mencioná-lo.
Caso optem pela publicação, gostava que fosse precedida por uma pequena homenagem ao único soldado falecido da minha Companhia.
Era o Jerónimo de Freitas Martins e era do meu GComb.
Morreu em Bissau em 29-01-1974, vítima de um acidente de viação quando aí se encontrava para tratar dos dentes, ou para consulta hospitalar, não recordo. Caiu de uma viatura quando integrava um piquete de recolha de lixo. Dele, junto uma fotografia que lhe fiz em pleno mato quando fotografei, um a um, todos os elementos do meu GComb. A mágoa que me deixou a sua morte foi maior por se tratar de um homem exemplar: corajoso (com ar tímido), humilde e bom. De uma simplicidade a roçar a timidez, estava sempre disponível com um sorriso no lábios. Nunca soube o que seguiu à sua morte. Tão pouco se veio para ser sepultado na sua terra natal. Hoje penalizo-me por não ter recolhido informações sobre ele naquela altura e, se o fiz, ficaram os meus escritos em Nhala, a onde não regressei após as minhas férias de Agosto de 1974. Certo é que nunca pude contactar os seus familiares e depois enterrei o assunto juntamente com todos os assuntos relativos à Guiné.
E agora é tarde de mais.
Da pág. 255 da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974 - 8.º Volume - Mortos em Campanha - Tomo II - Guiné - Livro 2:
Jerónimo Freitas Martins, Soldado Atirador da 2.ª Companhia do Batalhão de Caçadores n.º 4513/72
Unidade Mobilizadora: Regimento de Infantaria 15 de Tomar
Data do Falecimento: 29 de Janeiro de 1974 no HM de Bissau
Causa de Morte: Acidente de viação
Estado civil: Solteiro
Pai: Manuel Martins
Mãe: Josefa Freitas
Freguesia: Atães
Concelho: Guimarães
Local de Operações: Bissau
Local da Sepultura: Cemitério Paroquial de Atães
************
Conto breve
1 - Pesadelo
Caminhavam em fila-indiana há várias horas, por um carreiro muito apertado a cortar a mata cerrada. Há muito que se dissipara a frescura da manhã e o calor já se fazia sentir com alguma intensidade. A partir daí, não mais pararia de aumentar, tornando apreensivos os caminhantes, já ensopados mas ainda dando mostras de alguma desenvoltura. O mesmo não se passava com o alferes, muito trôpego e com o suor a pingar do queixo. O movimento das suas pernas tornara-se automático e bastava o tropeço numa raiz, para o desequilibrar e fazer dar largas passadas, projectado para a frente, quase a estatelar-se. A carga que o alferes levava também não ajudava, tal como aos demais, mas para uma operação de vários dias havia que acautelar uma logística a condizer.
Ia, pois, trôpego, pesadão e absorto, pois na sua cabeça ia um turbilhão. Desde o início questionara-se sobre a utilidade daquela operação de tropa macaca, com uma Companhia reforçada de vários grupos de combate de outras unidades, fora a quantidade de carregadores nativos. Apeados, denunciariam a sua presença assim que saíssem da orla da mata. Estendiam-se por centenas de metros, e mais metros teriam quando guardassem maiores distâncias entre si, logo que entrassem em campo aberto. Mesmo dentro da mata, que aconteceria se a cabeça da coluna caísse numa emboscada? Ou fossem atacados os da cauda? Que apoio teriam dos restantes camaradas? Achava que era uma operação condenada ao fracasso.
Mas, então, não era assim em todas as deslocações? – Perguntaram-lhe. Não! Aqui estão demasiadas pessoas a movimentarem-se em pleno território inimigo, que controlam à vontade e que fazem pagar caro qualquer intromissão, como já acontecera no passado. Nem os postos avançados vamos conseguir ultrapassar! Então deixam-se à vontade e permite-se-lhes que continuem, a partir do centro daquele território, a reabastecer as suas bases, a infiltrarem-se nas imediações dos nossos aquartelamentos, a cortarem-nos as vias de comunicação, a emboscarem-nos, sei lá... Não!!!, porra! – Interrompia o alferes – nós não vamos fazer um golpe de mão a uma casa de mato, nós vamos fazer um assalto a um santuário inimigo no coração do seu território, onde já repeliram as nossas tropas especiais..., que haviam sido lançadas de surpresa sobre as suas cabeças!... Ou não foi por o caso ser sério que deixaram passar estes anos todos desde então? Até se lembrarem agora de novo assalto, nesta operação ridícula e que seria trágico-cómica não fossem as consequências para centenas de pessoas.
O alferes deu por si a falar alto, meio descontrolado, quando lhe deram duas palmadas nas costas: era um dos furriéis do seu pelotão a fazer-lhe sinal para se calar e não perder de vista o homem da frente que já tinha sumido. Por breves instantes acompanhou-o lado a lado e perguntou-lhe se estava tudo bem com ele, ao que o alferes respondeu com um olhar vago, meio surpreendido. De volta à realidade, teve ganas de abrir o cinturão, largar a carga, deitar fora a G3 e embrenhar-se na mata sem destino. Mas não teve coragem. Caralho! – disse para consigo – até para ser cobarde é preciso ter coragem!...
Acelerou o passo com dificuldade, todo suado. O batimento cardíaco a demorar o ritmo normal, parecia retornar de um sonho mau. Um sonho dentro de um sonho? A festa ainda não tinha começado e já receava não aguentar. Bebeu dois goles de água quente do cantil e fez uma careta olhando o relógio. Perdera a noção do tempo, caramba! Porque não paramos para descansar um pouco? – Pensou. Fazia tensão de vir atrás falar com o capitão, quando se apercebeu, pela claridade à sua frente, que se aproximavam da orla da mata. Prosseguiu. No carreiro à sua frente, em zigue-zague, não conseguia vislumbrar em simultâneo mais de dois ou três dos soldados do seu pelotão. Pela sua posição no grupo, calculou que os três primeiros estariam a chegar à clareira, por onde o pelotão da frente já devia progredir. Era uma clareira traiçoeira, que ele conhecia bem. Nos seus patrulhamentos de rotina, apenas com o seu pelotão, era a fronteira para além da qual, nem morto... O terreno era bastante plano, não muito largo mas muito comprido, acompanhando um riacho, às vezes seco, mais próximo da orla da mata em frente. Ao sair da mata, sabia, tinha no máximo cem metros até ao riacho, que se apresentava atravessado na sua frente. Para ultrapassá-lo havia um tosco pontão de madeira com três tábuas largas a fazer de tabuleiro. Bastava arrancá-las e atirá-las para a água e estava feita uma armadilha para quem já estivesse do outro lado.
Acelerou o passo logo parando, para dar passagem a uma coluna de carregadores cujos passos restolharam atrás de si. Deduziu que foram mandados para a orla da mata com os cunhetes de munições, tubos dos morteiros de 81 mm e respectivos assessórios, grandes garrafões de água e até macas. Percebeu as intenções e aguardou a passagem do furriel para o incumbir de levar para a orla da mata a secção do morteiro e a da bazuca. Agarrou para junto de si o 1.º cabo das transmissões e fez sinal ao outro furriel, que já se aproximava, para fazer passar adiante todo o pessoal com as granadas. Começou de novo a andar e disse ao cabo do rádio para ligar ao capitão da sua companhia.
Ia o cabo a começar a falar e, de repente, rebenta lá na frente um foguetório de pôr os cabelos em pé, com rajadas prolongadas e cruzadas, rebentamentos de granadas um pouco por todo o lado, mesmo até ao lugar em se encontrava. Passados os instantes de surpresa e arrepio, deu uma corrida na direcção da orla da mata e ficou encostado a uma árvore de pequeno porte, meio curvado, tentando avaliar a situação. Na base da árvore, um dos seus furriéis estava agachado e parecia calmo. Atrás de si, e ao logo do carreiro dentro da mata, o pessoal era pouco visível, e aguardavam protegidos. Movimentando-se curvados, passaram por si o capitão e alguns alferes, na direcção da saída da mata. Lá na frente, não dava sinais de abrandar a contenda, ouviam-se berros, palavrões e insultos. A metralha estava no auge. O alferes continuava de pé, apreensivo, mas o furriel fazia-lhe sinal que os homens do pelotão, mais à frente, estavam em segurança (?) junto à orla da mata a fazer fogo de morteiro. Os rebentamentos dentro da mata, atrás de si, começaram a rarear mas, à sua frente na mata do lado de lá da clareira e do riacho, parecia até que aumentava. Mas estava lá o pelotão que tinha avançado à frente e, agora, tinha a sensação que os disparos se deslocavam muito para a direita. Talvez estivessem já a debandar esses turras do caralho! – pensou. Ponderou então ir a corta-mato pela direita até à orla e ver das condições aí para instalar o morteiro e, quem sabe, com o resto do pessoal, esboçar um envolvimento...
Clicar na imagem para ampliar
Mas, num ápice, uma rajada cortou as folhas que lhe roçavam a cabeça, num ramo baixo. Precipitou-se, com toda a sua carga, sobre o furriel na base da árvore. Este, com um lamento de dor, empurrou-o à bruta para o lado. Ainda atónito, incrédulo, numa fracção de segundo, perpassou-lhe o espírito, uma certeza: fora alvejado. Não foi para assustar, foi para matar! A ele, à sua pessoa! Outros que ele não conhecia, a quem nunca fizera mal, podiam tê-lo matado... Já tinha estado várias vezes debaixo de fogo, mas fora diferente. Eram ataques ao colectivo, não à sua pessoa em particular. Nunca tinha sentido isto com tanta crueza: jamais se sentira tão vulnerável. De repente, atrás de si, ouve um tiro de G3. Nem teve tempo de se voltar, porque à sua esquerda, a dois metros, um jovem carregador nativo, quase uma criança, começou a berrar com a mão direita a segurar o pulso da outra mão, vazada de um lado ao outro. Então, cresceu-lhe uma raiva cavernosa nas entranhas, a subir até à garganta. Num impulso decidido, o alferes pôs-se de pé como uma mola e, temerário e meio louco, desatou a correr para fora da mata a urrar a plenos pulmões enquanto fazia rajadas para a direita da mata em frente. Corria, clareira fora, em direcção ao riacho e ao pontão. Mas não chegou lá. Estava a ser alvejado com rajadas que, bem via, faziam fiadas de impactos na terra à sua volta, obrigando-o a correr para a protecção de um tronco de velha árvore caída no chão. Lá na frente, onde jamais chegaria, entre palavrões, ouviu berrar «estão em cima das árvores!». Ainda aí estão, os cabrões!
Abrigado, a cara perto do chão, desapertou o cinturão e pôs todo o material do seu lado esquerdo, a arma do outro lado. Sentiu alguma estranheza por não ter notado alívio na cintura. Também lhe tinha parecido que não sentira as pernas na corrida para ali chegar. Ficara-lhe uma sensação estranha de ter vogado, talvez só a alma..., talvez que o corpo o não tivesse acompanhado, ainda estivesse caído em cima do furriel... Certo é que começou a ouvir tudo muito vago, difuso, longínquo, como se estivesse submerso... Continuava a ver, aqui e ali, colunas de fumo que logo desapareciam mas mal ouvia as detonações. Mas também a visão começava a ficar turva, quase só via ténues sombras na claridade ofuscante. Confuso e prostrado pela astenia, a ouvir mal, quase não se dava conta de um ronronar vindo dos céus. Fez um esforço e, pesadão, ergueu a cabeça para cima. Mal definido na névoa luminosa e com o ronco cada vez mais próximo, viu uma sombra que lhe pareceu um Fiat ou outro avião qualquer. «Haja Deus!», pensou. Deixou-se cair, para logo se soerguer e tentar confirmar a “salvação”, elevando com muito esforço a cabeça acima do tronco. O avião picava directo ao solo, lá muito para a direita, ao fundo, mas descrevendo um arco na sua direcção. Conseguiu distinguir a largada de duas bombas e, num arco ascendente, o avião passou sobre si e perdeu-se nos céus. Logo viu a coluna de fumo do primeiro impacto dentro da mata, mais longe do que supusera. Teve a sensação de que, até muito longe, toda a mata fora soprada. Até o tronco que o abrigava, pareceu-lhe, rolou contra o seu corpo. Mas..., faltava uma deflagração! Ou não eram duas bombas? Ou teria a segunda bomba sido travada no riacho?
Com um esforço tremendo espreitou de novo sobre o tronco e não queria acreditar no que viam (viam?) os seus olhos. Porque a impressão que teve, mesmo difusa, era que a bomba deslizava no chão, silenciosa, na sua direcção. Abriu muito os olhos. Sim, está cada vez mais próxima, parece um grande bidão com focinho de bomba. E não se ouvia qualquer ruído, embora, é certo, se percebam projecções laterais de terra e pequenas pedras à sua passagem... Pensou, confusamente, que talvez fosse o mundo que estivesse a acabar e, por instantes, sentiu uma coisa gelada percorrê-lo todo por dentro. Ainda olhou para trás, para a mata de onde viera, mas já só viu luz e sombras esbatidas. Tudo a preto e branco. Espreitou de novo para a frente e viu, com espanto e pânico, que uma sombra negra, já sem contornos definidos, acabava de se encostar ao outro lado do tronco.
Num reflexo frouxo, meio apagado, encostou a cara ao chão. Os braços abertos, uma crispação de dedos cravados na terra, um calhau na garganta contra o qual batia, desordenado, o coração prestes a rebentar. E esperou... Mas não aconteceu nada. De súbito, trum!-trum!-trum! Deu um salto e ficou sentado na cama, ofegante, comprimindo os ouvidos com as mãos. De olhos muito abertos olhou em redor, na penumbra, mas de imediato não percebeu onde estava. Percebeu, sim, que estava todo suado e com dificuldade em respirar. Tentava normalizar a respiração quando, estremecendo, ouviu de novo: trum!-trum!-trum! Deu um salto da cama, abriu com violência as portadas de madeira da janela que dava para o quintal, nas traseiras, e berrou:
- Mãe!!!!!! Quantas vezes já te pedi para não me acordares a bater nos vidros da janela?!!!
- São que horas! Anda almoçar!
************
Ao jeito de posfácio: o que sucedeu termina ali mesmo naquele anterior ponto de exclamação. Mas, cuidando o narrador que, nesse ponto, ficou algo suspenso, incomodamente descontinuado, ainda adianta que o nosso alferes, a tiritar e em grande desconsolo, ainda fez tensão de se meter de novo nos lençóis, mandando às urtigas o dispensável almoço de fim de tarde, mas, apercebendo-se de que a cama estava um pântano gelado, deixou-se cair de bruços sobre ela e, dando murros desesperados, lançou um cavernoso e potentíssimo urro, como surgido das profundezas das trevas, a encorajá-lo a entrar de novo naquela clareira de luz e de morte. Mas não. Apenas o fez entrar na realidade.
António Murta
11 comentários:
Meu caro Murta, então um talento literário como o teu levou assim tanto tempo a revelar-se ? E não querias tu entrar para Tabanca Grande, com o argumento de que a guerra já tinha acabado há muito, no século passado...
Devo dizer-te que li de um fôlegho a tua narrativa e exclamei no fim: porra, isto é escrita de primeira água!... temos mais um conto para figurar, de pleno direito, na antologia final que haveremos de fazer quando um dia fecharmos a Tabanca Grande por morte ou exaustão do último grã-tabanqueiro...
É uma antologia que levaremos connosco para o Olimpo dos Combstentes, quando formos para a derraderia operação.... Voto no teu conto para figurar nessa mítica antologa!...
Porra, Murta, de repente regressei à Guiné, à guerra, e às operaçõe no mato, dezenas e dezenas, em bicha de pirilau, de noite e de dia, ao sol e à chuva, na savana arbustiva e na floresta galeria, no tarrafo e ans bolanhas, jogando ao jogo do rato e do gato...
Magnífico, parabéns!... Venha o próoximo conto breve!... Teu leitor ávido e atento, Luís Graça
Parabéns Papá!
Fez-me tremer, fez-me suster a respiração, fez-me arrepiar, e no final fez-me dar uma gargalhada das que tu conheces!
Aposto que a mais meiga a acordar é a tua filhota querida!
Fico à espera do próximo conto, porque, este, mesmo tão bom e tão rico, deixa um bichinho na barriga a pedir mais!
Amo-te muito Papá! Por favor, continua.
Caro Antonio,
Os Fiats e sempre os Fiats, até nos sonhos ainda continuaram os Fiats a constituir o mais importante, senão o unico, meio de apoio e de salvação diante das situações mais críticas.
A confirmar-se, acho que o “desnorte” do império teria começado não com a saida do Guileje, como alguns estrategas militares querem fazer crer (ver comentários do Ten. Cor. Coutinho e Lima), mas com a perda ou diminuição paulatina da supremacia aérea em zonas nevrálgicas do territorio em disputa.
Para terminar, as minhas felicitacoes ao Antonio pelo bonito texto.
Abracos amigos,
Cherno Baldé
Camarada Murta. Dou graças a Deus por nunca ter passado por semelhante aperto. Afinal tens tanto para contar e não dizias nada ? Força camarada porque eu salvo alguma situação de menos relevo pouco ou nada tenho para contar. Como me recordo da perda no nosso camarada. Muita vez se falou nesse caso e tal como tu nunca mais consegui saber nada sobre esta perca. Se a memória me não atraiçoa foi a única baixa na nossa companhia. Aquele grande abraço e fico á espera de mais.
José Carlos Gabriel
Aos camaradas amigos e à minha filhota Joana. Obrigado a todos pelas vossas elogiosas (e exageradas) palavras. Uf!... Não estava a contar com o merecimento de comentários e, ainda menos, tão lisonjeiros. Quase fiquei assustado! E a pensar: como é que vou fazer agora para não decepcionar estes amigos? Tivesse eu menos quarenta anos e, por certo, ficaria demasiado empolgado. O mesmo é dizer, “estragado”. Mas claro que fico feliz. Uma vez mais, obrigado a todos os meus queridos camaradas e à minha filhota que aqui aparece de surpresa, a deixar-me babado e a mexer com as minhas sensibilidades miudinhas...
António Murta.
António Murta, acabo de ler, de rajada, a publicação do conto PESADELO. A primeira coisa que me veio à cabeça foi "eu estive lá; parece que assisti a isto"
Não tenho memória de ti mas pisámos os mesmos trilhos e na mesma época. O que descreves, ainda que pretendas que seja um conto, teria acontecido entre os dias 31 de Julho e 2 de Agosto de 73 na operação "Ousadia" ou então na operação "Ousadia Satânica" que decorreu entre 4 e 6 ou 7 de Agosto.
Quando soube que esta operação se ia realizar e baseado no que conhecia da zona (já era velhinho, pertencia à Companhia Africana CCAÇ 18) comentei no bar com outros Furriéis: "o oficial de operações está maluco. Está a meter os periquitos num buraco a sério. Não cabe na cabeça de ninguém meter dez ou doze grupos de combate em bicha de pirilau, na zona de Unal, Lenguel, Salancaur, verdadeiras zonas libertadas. Mal ponham os pés do rio Habi (afluente do Balana) ou no Balana vai ser o bom e o bonito".
No dia 17 de Maio tinha arrancado a operação "Balanço Final" e bem sabemos as dificuldades que tivemos (especialmente a CAV 8351 do Cap. Vasco da Gama) para entrar em Nhabobá, uma povoação ocupada pelo IN e que era um dos seus postos avançados de protecção àqueles santuários. Nhacobá ficava na margem direita do rio Balana e Salancaur, Chin-Chin-Daril,Salancaur ficavam na outra margem. Os reabastecimentos IN que entravam pelo corredor de Guilege destinavam-se sempre a esta zona; depois seguiam pelo corredor de Missirá e seguiam para Norte passando pelo carreiro de Uane, entre Mampatá e Nhala.
No dia 2 as NT tiveram cinco feridos.
A "Ousadia Satânica" foi um fracasso porque nem sequer tinham homens que conhecessem a região.
Também tenho vindo a escrever as minhas estórias mas ainda não chegou a altura de começar a publicar. Tenho somente vindo a fazer um ou outro comentário no Fb, na Tabanca de Mampatá. Infelizmente não aparece ninguém do período 72/74
Fico à espera de mais contos e se conseguir associar a qualquer facto, fá-lo-ei.
Um grande abraço Diabólikus.
Antero Santos - CCAÇ 3566 e CCAÇ 18
Caro Antero Santos
Tinha como quase certo que alguém reconheceria no meu conto traços do que, na realidade, se passou na operação que referes, da qual não recordo o nome nem datas e não tenho onde me “agarrar” para me documentar e confirmar. Apenas recordo que íamos a caminho do Unal e que tudo correu pior do que eu, pessimista, tinha previsto. De facto, fiz disso uma ficção, porque tirando o lugar e as pistas que identificaste e de eu próprio, por pouco, ter ficado sem cabeça, tal como o rapazito africano ficou com a mão furada, tudo o resto não fez parte daquela operação. Todavia, outras coisas se passaram capazes de abrilhantar um conto mas que, ainda hoje, eu não seria capaz de enunciar e muito menos num conto. Para mal dos meus pecados, a parte final do conto, essa sim, tem muito de realidade. Acordei muitas noites à espera que aquela bomba rebentasse, sem que ela alguma vez tivesse existido. Depois tudo acabou. Mas passados estes anos todos, remexer nisto, pela escrita ou pelos comentários, faz-me mais mal que bem. É por isso que, ao contrário de ti, nunca escrevi nada para publicar nem para guardar. Se quiser enviar outro escrito tenho de o fazer de propósito. Só pelo conhecimento relativamente recente deste fraterno Blogue me decidi, ainda que a medo, a levantar a espessa laje do sarcófago onde tinha enterrado tudo. Na esperança de arejar minudências e, desmedida presunção, deixar rasto. Para que os vindouros não venham a saber destas coisas apenas por terceiros. Eu, tu, e todos nós, estivemos lá. E não vamos durar para sempre. É uma constatação já muito repetida, mas é assim.
Um abraço
António Murta.
Camarigos António Murta e Luís Graça
O meu primeiro contacto com o BCAÇ 4513 foi no dia em que a 3ª CCAÇ chegou a Buba. Neste dia o meu grupo de combate integrou a segurança da coluna de reabastecimento que se fazia habitualmente de Aldeia Formosa a Buba. Além do carregamento dos víveres para Nhala, Mampatá, Colibuia e Aldeia Formosa e dos materiais para a estrada que já estava em construção de Mampatá para Nhacobá, fizemos o transporte dos periquitos da 3ª CCAÇ do 4513 que tiveram Aldeia Formosa como destino.
Por email vou enviar-vos a história do BCAÇ 4513. A maior parte dos factos dos dois ou três primeiros meses do BCAÇ 4513 está na história do BCAÇ 3852 porque a sobreposição demorou cerca de três ou quatro meses. Os tempos não eram fáceis na nossa zona. Tenho a história do BCAÇ 3852 mas ainda não tive oportunidade de passar para PDF. Um dia destes enviarei a do BCAÇ 3852.
António Murta, de certeza que vais conseguir lembrar muitos factos da nossa vida por aquelas terras da Guiné.
Um abraço.
Caro camarada António Murta
Não comentei em cima da saída do artigo mas aqui estou para te agradecer o que nos presenteaste.
É forte, é sentido, e deixa expectativa sobre o que se seguirá.
E, também deixa que diga, o comentário de Joana Cavaleiro é, quanto a mim, a melhor 'prenda' que podias ter.
Abraço
Hélder S.
Passados tantos anos tenho a oportunidade de me dirigir a todos os ex combatentes em especial ao 4,grupo de combate comandado pelo Alferes ANTONIO MURTA.Nhála Guiné 73/74
Um abraço para todos .Victor Ferreira (Montijo)
Enviar um comentário