sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Guiné 53/74 - P13978: Fotos à procura de... uma legenda (46): Portugueses do Xime, posando com a bandeira portuguesa (Libério Lopes, ex-sgrt mil inf, CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65)






Guiné > Zona Leste > Xime > CCAÇ 536 (Xime e Bambadinca, 1963/65) > "Foto 9 - O homem do chapéu colonial era nosso guia e morava junto ao quartel. O mais alto, acho que era o chefe da tabanca. Ia connosco para o mato e, devido á sua altura, salvou-me de morrer afogado numa bolanha perto do Xime, num dia para esquecer." (*)

Foto (e legenda): © Libério Candeias Lopes (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. O Libério Lopes, ex-srgt mil inf, pertenceu à CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65) e é um dos nossos veteraníssimos camaradas, do tempo do caqui amarelo e do chapéu colonial... Professor primário reformado, é de Aranhas, Penamacor, E, é justop referir, foi  "o principal impulsionador do monumento aos combatentes da guerra do ultramar existente em Penamacor" (, segundo informação do nosso camarada C. Caria).

Também sido um dos primeiros "tugas" a andar pelo regulado Xime, no início da guerra, em 1963. Terá sido inclusive o primeiro professor do Xime, quando lá esteve, em 1963/64, com um pelotão. Sobre a população do Xime, escreveu (*):

(...) "A maioria da população do Xime era simpática connosco, e de vez em quando juntávamo-nos para umas danças africanas, nas quais eu gostava de participar.

Além disso os putos conheciam-me porque ainda os juntei para lhe dar umas aulas. Foi uma tentativa que não resultou, devido a não me ter sido concedido o tempo necessário para isso.

No Xime estava só um pelotão e éramos poucos para a missão militar que tínhamos em mãos. Foi pena porque a minha profissão era professor e, certamente, teria feito um trabalho mais útil. " (...).

A foto, editada por nós e publicada em em cima, com quatros enquadramentos diferentes, merece uma legenda, um comentário, um pequeno texto (**)....

Quem seria o guia nas NT em 1963/64 ? Pela estatura, parece-me ser o malogrado Seco Camará, morto em 26/11/1970, na Op Abencerragem Candente. (Morto à roquetada, fizemos uma trouxa, com os seus poucos restos mortais; vieram embrulhados numa capa impermeável; guia e picador das NT, era assalariado da CCS/BART 2917,  tendo passado a viver em Bambadinca; dizia-se que era hostilizado pelos outros mandingas do Xime).

Talvez o "menino do Xime", o José Carlos Mussá Biai nos possa ajudar a identificar estes dois homens, um deles, o mais alto, acompanhado da esposa e filha ou das duas esposas...  A jovem, com ar envergonhado, segura uma das pontas da bandeira; o homem de chapéu colonial (o Seco Camará?) segura a outra ponta... Pareece ser um clara manifestação de apoio à causa nacional, num regulado em que grande parte da população "fugiu para o mato" no início da guerra (Samba Silate, Poindom...).

Por outro lado, a lealdade dos mandingas do Xime, ou de um parte deles, era sempre posta em causa pelos sucessivos batalhões que passaram por Bambadinca, sede do setor L1... Pelo menos até ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). Leia-se o que eles escreveram,  nas respetivas histórias da unidade (Cito dois batalhões do meu tempo):


(i) BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70),Cap II:

(...) "No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.

"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero.

"Com o início do reordenamento da população em auto-defessa, num futuro próximo o IN se verá com sérias dificuldades, pois deixará de ter apopio e de ter a possibilçidade de roubar para deste modo poder sobreviver" (...)


(ii) BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), Cap II:

(...) 2 – Os ”Mandingas”

(...) A sua atitude perante o terrorismo deve ser interpretada com todo o bom senso, eles viram no PAIGC a oportunidade de reaver a sua independência política, em face aos Fulas, e vingar um Século de prepotências a que estiveram sujeitos pelos Fulas; depois, nos primeiros anos de terrorismo, Mandingas era sinónimo de terrorista e temos de ter a coragem para admitir os erros de procedimento que as NT e Autoridades tiveram perante os indivíduos que eram rotulados de “terroristas”.

Hoje os Mandingas estão convictos de que não é mais possível, no Sector, ser-se acusado pelas Autoridades de “terrorista” apenas porque se pertence a esta etnia ou, se denunciam erros de indivíduos ligados às Autoridades, Militares ou Civis, Europeus ou Africanos (embora ainda existem no Sector alguns residentes Europeus a assimilados que, por convicção ou interesse, propalam, especialmente a quem chega de novo, que todos os Mandingas são “terroristas”).

Tal convicção associada ao seu desencantamento em relação ao PAIGC onde “calcinhas e oportunistas” ocupam lugares de mando que os Mandingas julgam deveriam ser concedidos aos seus Chefes, criou uma brecha que, a curto prazo, pode levar, se bem explorada pelas NT ao divórcio total desta etnia com o PAIGC." (...)

(...) Zona controlada pelo IN

- Todos os dados de que se dispõe são estimados e as notícias contraditórias, podemos contudo, sem grande margem de erro, avaliar em cerca de 5400 pessoas na sua maioria de etnia Balanta, Beafada ou Mandinga, a população controlada pelo IN no Sectir L-1 dividida pelos seguintes núcleos:

- A NW do Sector espalhada pelos Regulados do Enxalé e Cuor – 1900 Pessoas.

- No Regulado do Xime, ao longo do Rio Corubal e a Sul da Ponta do Inglês – 2000 pessoas.

- No Regulado do CorubalL ao longo deste rio e para jusante da foz do Rio Pulom – 1500 pessoas.



 Pessoalmente, tinha a ideia de haver mais mandingas no Xime [, presumo que haja um erro na história do BART 2917: de um total de 872 habitantes recenseado no regulado do Xime  (Xime, Amedalai, Taibatá e Demba Tacó),    745  eram fulas e os restantes, 127, mandingas, concentrados no Xime; apenas 22 mandingas, como vem no documento, parece-me um erro grosseiro; só a famíla, alargada, do José Carlos Mussá Biai deveria ser bem superior a 22...]. (LG)


(iii) BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), Cap II:

(...) 1 – Na Zona controlada pelas NT

- É a seguinte a distribuição de população recenseada por grupos éticos e por Regulados:

Cuor: Mandingas:  221 pessoas;

Enxalé:  Balantas:  400 pessoas; Mandingas e Beafadas: 350 pessoas;

Xime: Fulas:745 pessoas; Mandingas 127 [e não 22]  pessoas; [ nº de habitantes: Xime: 250; Amedalai: 160; Taibatá, sede de Regulado do Xime: 228; Demba Tacó: 234];

Corubal:  Fulas: 1460 pessoas; Mandingas; 85 pessoas; Beafadas; 6 pessoas; Outros; 17 pessoas;

Badora; Fulas: 5934 pessoas; Mandingas: 2551 pessoas; Balantas; 2418 pessoas; Mansoancas: 403 pessoas; Beafadas; 52 pessoas; Outros: 540 pessoas (...)  
(LG)


2. Comentário de L.G.:

Não, não é o Seco Camará... Fui dar uma volta aos arquivos, e tenho aqui aqui uma mensagem do "menino Xime", o José Carlos Mussá Biai, de 3 de junho de 2009, a dizer o seguinte:

(...) Caro Luís: Fico sempre com muita emoção quando vejo fotos, sejam elas de paisagens ou gentes da minha terra natal. Por isso deste vez não foi excepção.


Quanto as pessoas que estão nas fotografias, apenas a foto 9 é que tem duas caras que me são familiares. Trata-se de um primo e um tio.

Mas de qualquer maneira por alguns bons minutos voltei a Xime.

Um abraço e muita saúde,

José C. Mussá Biai (...)

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