[José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatáe Empada, 1968/70, Foto á esquerda, no Quebo, em 1968]
Luís:
Não posso meter a foice em seara alheia (*), porque em 1974 estava na minha terra, apenas preocupado em não regressar à guerra por repescagem, pois cá pelo Porto já corria esse boato, devido á falta de "carne para canhão".
Passado que foi todo este tempo, penso que a verdade dos factos já não se pode aclarar devidamente. Branquear ou escurecer este acontecimento conforme a origem da informação é um exercício difícil de realizar, dado que a matriz patriótica funciona quer queiramos quer não.
Uma coisa é eu contar um acontecimento de forma natural, vivido por mim, sem pressões de espécie alguma, outra é, contar o acontecimento "pressionado" pelo tempo e por uma informação vinda de outra fonte, neste caso totalmente oposta. Por muito que queira, me parece que a isenção é muito difícil.
A minha forma de estar na vida face a acontecimentos que vivi e relatei em devido tempo, obriga-me a pôr reservas quanto ao que diz o Amâncio Lopes ,com o apoio de um piloto Português de quem se afirma que assistiu (?) ao possível violento assassinato, bem como às afirmações do Rachid Bari, com quem devo ter cruzado em Quebo nos anos 68/69.
Na realidade, que eu saiba no fim da guerra, o PAIGC poucos ou nenhuns prisioneiros guineeses entregou a Portugal e muitos fez, com toda a certeza. Por outro lado, também sabemos das histórias do "corta de orelha". Fama de que o falecido Aliu Sada Candé, com todo o respeito e admiração que tenho por ele e pela sua família, onde me orgulho de ter grandes amigos como exemplo a sua filha Cadi Guerra (minha sobrinha por opção pessoal) e seu primo Sulimane Baldé – Régulo de Contabane, não se livra.
O Aliu Candé era de fato um guerrilheiro ao serviço de Portugal e quando ele ia com o seu grupo de milícia á nossa frente, ou nas laterais da picada, podíamos ir descansados que o inimigo fugia a sete pés. Ele arrancava de peito aberto para o inimigo e dizia-se, à data em Quebo, que trazia as orelhas dos inimigos mortos em combate, mas nunca ouvi falar de bárbaros assassinatos como relatado. Por isso era temido e por isso foi condenado em tribunal popular juntamente com o seu primo Braima Baldé à morte por fuzilamento, no pós-guerra em Bambadinca.
Outras "histórias" há, de prisioneiros lançados ao mar/rio ou assassinados a frio com a justificação de que se fossem entregues à Pide, "cantavam" e as consequências caiam em cima de nós.
Verdades/mentiras que só o tempo as fará escurecer e não nos compete a nós julgar, mas também não devemos tentar branquear, por muito que nos custe.
Como dizia o meu "ermon de sangre" Braima Cassamá que conheci em 2008 em Guiledge, o tal que colocou em Agosto de 1968 o campo de 80 minas em Txangue Laia a caminho de Gandembel e originou sete mortos às nossas tropas e se cruzou algumas vezes comigo na frente de combate, sem sabermos – Guerra é guerra, discurpa!
Tenho a certeza que o seu coração, nesse momento sangrava, e o meu também, mas fizemos a paz connosco mesmo e a guerra morreu ali.
José Teixeir, Empada, 1969 |
Guerra é guerra, meu "ermon",
Quando passa não deixa saudades.
Mas, muitas amizades, neste mundo perdido
Os antigos inimigos se procuram,
Para saldar as contas com um abraço sentido.
Braima Cassamá, antigo guerrilheiro do PAIGC, meu inimigo.
Reencontrado em 2008, em Guiledge.
Armas caladas,
Em mãos armadas,
Cantam horrores,
Silenciam com a morte,
Quem por má sorte
Lhe sofre as dores.
Sangue e pranto,
Em jorro constante,
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.
A esperança, essa, resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E perdeu-se uma vida.
A seu lado, a vida,
De armas na mão,
Não acredita
No sangue que correu.
Chora uma lágrima sentida,
E avança,
Destemida,
Vingando o que morreu.
E verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe no dedo do gatilho
E com que raiva o lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.
Até que a guerra tem o seu fim,
Enfim.
Inimigos de ontem,
Hoje se perguntam num abraço de paz,
Eternamente selado:
– Que fiz eu?
E tu, meu irmão,
O que te aconteceu?
E chora a alegria,
Caldeada com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já tudo passou,
Sem desejos de vindicta,
Mas pelos amigos que se perderam
Na guerra maldita
Que alguém sem rosto
Nos criou.
José Teixeira
____________
Num jardim sem flores,
E na última despedida,
Clamam pela vida,
Que queriam viver.
E pelos seus amores,
A sua razão de ser.
A esperança, essa, resiste,
Num corpo ainda quente,
Até aos últimos estertores.
…E perdeu-se uma vida.
A seu lado, a vida,
De armas na mão,
Não acredita
No sangue que correu.
Chora uma lágrima sentida,
E avança,
Destemida,
Vingando o que morreu.
E verte a raiva que lhe vai no sangue
Para dentro da palavra
Que transpira asperamente.
Põe no dedo do gatilho
E com que raiva o lavra,
O destino de quem matou.
Inutilmente.
Até que a guerra tem o seu fim,
Enfim.
Inimigos de ontem,
Hoje se perguntam num abraço de paz,
Eternamente selado:
– Que fiz eu?
E tu, meu irmão,
O que te aconteceu?
E chora a alegria,
Caldeada com lágrimas de dor,
Não pelo que sofreram,
Já tudo passou,
Sem desejos de vindicta,
Mas pelos amigos que se perderam
Na guerra maldita
Que alguém sem rosto
Nos criou.
José Teixeira
____________
Noat do editor:
Último poste da série > 17 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)
10 comentários:
Essa refinada, estuporada e mais do que divulgada mentira (em que embarca o jornalista cabo verdeano, e até sumidades como o Mário Beja Santos) de que depois de Abril 1973, graças aos Strela, perdemos a supremacia aérea nos céus da Guiné, jamais serei capaz de engolir. Pelo imenso respeito que me merecem os nossos pilotos mortos e os homens da Força Aérea, logo depois da morte de alguns dos melhores camaradas de missão. Eles voltaram a voar, e a bombardear como nunca, na fase final da guerra da Guiné. É ou não é verdade, meu general António Martins de Matos, é ou não não é verdade, meu coronel Miguel Pessoa, excepcionais pilotos dos FIATS, até dos DAKOTAS, voando, bombardeando, sendo abatidos e depois regressando aos céus da luta?
O entendimento da nossa guerra faz-se com a verdade.
Sem excelsos patriotismos portugueses, cabo-verdeanos ou guineenses.
Apenas com a verdade.
Pelo imenso respeito que o nosso já gasto coração tem pelos nossos mortos e pelos mortos do PAIGC.
Abraço,
António Graça de Abreu
Porque desse modo inquin
Olá Camaradas,
Nesta fria tarde fiquei por casa. Ontem já tinha feito um comentário.Extenso demais e ia envia-lo hoje. Já se finou. Porquê? Porque li o José Teixeira e quando ia escrever-lhe; -José gostei...acabei a ler o António Graça de Abreu e, retirando aquele neu amigo que é sumidade, volto a estar concordante.
Assim sendo fico mudo e agradeço os escritos por vós aqui plasmados. Por vezes leio e fico apreensivo pelo modo como as NT, os nossos camaradas, são tratados. Nós a assassinar um prisioneiro? Nunca vi! Agora "Guerra é guerra meu irmão" ... acima de tudo estão os meus camaradas...etc ...e muito do que se "guarda,arquiva, trata, divulga..." tem ou devia ter leitura de separação de trigo e joio. Uma ultima palavra para as gentes de Cabo Verde a sua cultura...ia ficar grande este escrito.Páro!
Abraços a todos, umespecial para as gentes da Ilha do Fogo e para europeus e africanos que passaram por uma estupida guerra.
Amadu Djaló as tuas melhoras amigo.
Ab,T.
Maus e bons..bons e maus
Na guerra isso não existe...somos todos maus e bestas.
Quanto a prisioneiros de guerra..o IN provavelmente foi pior do que nós..salvaguardo o tratamento dado pela pide, que não sei qual foi.
Que se faça investigação histórica com imparcialidade, concordo inteiramente..já passaram 40 anos..já é tempo.
Pessoalmente nunca assisti a maus tratos a prisioneiros de guerra..após interrogatório foram enviados para Bissau.
C.Martins
Choca-me a visão "patriótica" de alguns, que vêm os portugueses como os melhores do mundo e incapazes de fazer mal a uma mosca. "Guerra é guerra, discurpa" disse-me o Braima Cassamá, meu ermon. Em guerra não santos e pecadores. há sim o princípio de" ou matas ou morres". e se não matas a fonte, corres o risco de teres uma operação de risco. Eu vi o assassinato de um prisioneiro, a sangue frio, na prisão, repito vi, com um tiro na boca. Não havia quaisquer provas de que era "turra". Tinha sido apanhado na fronteira do lado de lá do Senegal, quando trabalhava na lala dois dias antes, numa incursão onde eu também ia e nem sequer tinha sido interrogado. Dizia-se senegalês e o assassino nem um processo disciplinar teve. Tenho razões para afirmar convictamente que não era "turra".Seu irmão, também ele prisioneiro, foi assistido por mim como enfermeiro num furúnculo grave que ganhou no peito. Pudemos conversar livremente e abertamente em francês. Só queria voltar para Dakar, onde estudava e tinha ido à terra de férias.
Soube de outras cenas, desde pancada injustificada a prisioneiros; a um guerrilheiro que se entregou orientou a nossa tropa para uma operação e foi dado como fugido durante a operação. soube mais tarde que, por um camarada que afirma ter visto, foi atirado ao rio de Buba para justificar uma arma que tinha sido perdida no mato. Não vi, mas o prisioneiro não regressou à base e quando saíu para a operação ia bem amarrado a um soldado.
Creio ter sido claro no que escrevi, mas não sou ingénuo e custa-me muito sentir uma preocupação de branquear os nossos nefastos feitos. Cometemos muitos crimes de guerra e fizemos muitas boas acções. Gritemos o que fizemos de bom e continuamos a fazer, mas não tentemos esconder o que de mal fizemos. A história nos julgará.
Em relação ao Graça Abreu, a quem envio um abraço, devo dizer-lhe que quando regressei em 197o a Portugal, vinha convicto que a Guiné estava perdida. Recordo que para ir buscar um simples bidão de água à fonte de Iroel a cerca de dois Km de Mampatá Forreá era necessário uma secção armada. e desse mesmo lugar éramos atacados umas horas depois. Quando cheguei a casa, senti na pele o elevado custo de vida e o aumento de impostos. Portugal estava esgotado financeira e economicamente e começava a faltar"carne para canhão".
Na retaguarda o povo estava esgotado e começava a revolta por ver os seus melhores filhos a continuarem a cair lá longe, enquanto na frente o desânimo era uma constante. Eu Logo nos primeiros meses senti que aquela guerra não me dizia nada. Aquele povo não era o meu povo e na frente, a grande preocupação dos milicianos era regressar são e salvos com os seus, homens, enquanto a maioria dos oficiais do quadro permanente se escondiam no ar condicionado. A "carne para canhão" eram os milicianos e a consciência de cada um, endurecida com o tempo que já havia de guerra, conduzia-os a uma fuga ao confronto, naquela guerra traiçoeira onde nunca se sabe onde está o inimigo e este conhecedor do terrena actua num sistema aterrador do bate e foge.
Que o tempo nos ajude a iluminar as mentes e tenhamos a coragem assumir as nossas responsabilidades.
José Teixeira
Com o passar das décadas vou tendo consciência de uma profunda ignorância da minha parte quanto a alguns números,ou estatísticas,que me possam ajudar a ter uma visäo global daquela guerra repleta de tragédias várias.
Excluindo a situacäo, aparentemente atípica, que levou ao,bárbaro,criminoso e desnecessário assassinato dos Majores e Alferes (em chäo Manjaco) aquando do encontro onde se iria discutir a Paz,em aparente "represália-exemplo" espelhando as profundas divergências político-militares internas entäo existentes no PAIGC.....Quantos fuzilamentos sumários,cortes de orelhas,narízes ou testículos foram efectuados pelos guerrilheiros sobre soldados metropolitanos(!)aprisionados?
(Chamo a atencäo para *Soldados Metropolitanos* pois infelizmente dos outros,durante e depois,sabêmos as histórias e os números)
Um abraco do José Belo.
PS/José Teixeira,meu Amigo,aquele abraco pelo bonito poema.
Depois de ler o comentário do José Teixeira recordei o assassinato a tiro do prisioneiro referido,efectuado dentro do buraco que funcionava com prisäo.
Depois de lhe ter sido, caridosamente fornecida por alguém, uma lata com restos da sopa do rancho com VIDRO MOÍDO à mistura,as dores foram tais que o prisoneiro em gritara inesquecível procurava rebentar as grades.
Depois da gritaria e do tiro que se sucedeu,3 Alferes e 2 Capitäes continuavam a beber calmamente o seu café(!)sentados na varanda da chamada messe de oficiais.
Na escuridäo, aproxima-se o Sargento de uma das Companhias que,e voltando-se para um dos Capitäes pergunta: O prisioneiro queria fugir..."lerpou"...será mesmo necessário um auto meu Capitäo?
Tínhamos chegado à Guiné poucos dias antes.
É verdade meu irmão Maioral, mas eu não sabia da história que acabas de relatar sobre o vidro moído nos restos do rancho. Sei que logo depois o irmão do assassinado foi colocado no mesmo buraco, por onde se entrava por uma janela a cerca de metro e meio do chão. No dia seguinte, logo de manhã, fui tentar cumprir a minha missão de enfermeiro e fazer-lhe o penso no furúnculo que tinha no peito e encontrei o lugar. Sempre pensei que o tivessem enviado para Bissau. Como não houve meio de transporte aéreo e ninguém foi nesse dia ou noite a S. Vicente, hoje, curado pelo tempo, creio bem que foi libertado para justificar a morte - assassinato do irmão.
UM forte abraço de solidariedade.
Zé Teixeira
Pronto Meus Senhores,
Basta de hipocrisia. Por onde andei, só ouvi falar de uma sevícia sobre um capturado sem arma.
Não conheci bem a estória, e não gostei do que ouvi. Mas dei-me conta, da mesma maneira que hoje me dou conta em relação a muita gente, que uma maneira de espantar fantasmas, é desejar criar-lhes sofrimento.
O meu universo na Guiné foi reduzido, mas ainda ouvi falar de outras estórias pouco dignas, que aqui escuso revelar. Foram poucas? Foram, certamente, mas mais valia que não tivessem sido.
Abraços fraternos
JD
Para que não restem dúvidas sobre o meu posicionamento em relação à nossa guerra na Guiné, e a todas as guerras, junto palavras do Padre António Vieira, no século XVII:
"É a guerra aquele monstro que se sustenta de fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta."
Padre António Vieira (1608-1697)
E já agora, referenciando as incontáveis distorções da nossa História comum, povos de Portugal, Guiné e Cabo Verde, queria recordar ao nosso amigo jornalista cabo-verdiano que o destacamento de Guileje não foi conquistado pelos guerrilheiros
do PAIGC, foi abandonado pelas NT, sob o comando do major Coutinho e Lima. Eu sei que estavam pressionados pela artilharia do PAIGC, mas só três dias depois da saída (tipo fuga!) das NT rumo a Gadamael é que os guerrilheiros do PAIGC entraram em Guilege, vazia de população
e de tropas portuguesas. Isto corresponde à conquista de um aquartelamento?
A verdade, o rigor na análise dos factos. É a nossa História.
Abraço,
António Graça de Abreu
Se o abandono de Gulije tivesse ocorrido do tipo "fuga", havia que considerar uma perseguição, o que não aconteceu. Foi outra manobra.
Tal como no primeiro comentario, este também mostra uma assanhada vontade persecutiva a dois camaradas de quem o autor dos comentários não gosta.
E tanto assim é, que o assunto em apreço não se refere à questão de quem venceu ou perdeu a guerra (para mim perderam as duas partes), mas às circunstâncias da morte de um guerrilheiro em Canquelifá, seguida de uma geraldina para o tratamento ético nas relações com prisioneiros de guerra.
Deixem o ateu estranhar: minha nossa senhora!!!
JD
Enviar um comentário