segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Guiné 63/73 - P15204: O nosso querido mês de férias (14): À procura de aconchego, e de amor temperado com algumas paródias, que um mês, naquele tempo, passava muito depressa (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 2 de Outubro de 2015:

Olá Luís!
Em Fevereiro de 71, entrado no segundo ano da comissão, vim de férias pela segunda vez, antes que um balázio me limpasse o sarampo. Saudades de outras guerras também deram impulso.

Em Bissau, como de costume, acampei no Grande Hotel, onde uma ventoinha de pé alto era capaz de me compensar das feridas dos mosquitos, e da canícula de trilhos e picadas do leste da Guiné. Mas a cidade estava ali, e as suas atracções não se compadeciam com sestas e outros descansos, pelo que havia de procurar azimutes afluentes de boas conversas e agradáveis pingas.
Nesse deambular, dei com um sargento do esquadrão de Bafatá, onde pernoitei uma ou duas vezes, cuja malta conhecia das colunas em Piche. Foi uma festa, tínhamos que celebrar, e correram whiskies e cervejas à fartazana, que as necessidades aumentavam à medida de novos encontros.

No dia aprazado, voltei a encontrá-lo em Bissalanca, e fiquei a saber que embarcávamos juntos com destino à capital do império. Com ele vinha outro cavaleiro do mesmo esquadrão. O engraçado, é que antes de, já evidenciávamos estar meio​-​embarcados. Pudera​!​ Com os calores de Bissau só à custa de muito beber compensávamos a transpiração abundante. A Lacoste que envergava deixaria transparecer o que afirmo pela humidade acumulada nos sovacos. Ninguém se importava, ninguém estranhava poucos dias depois de experimentarmos o território.

Juntámo-nos numa fiada de 3 cadeiras do avião. A alegria da viajem e os ​vultosos ​contos que o bafatense exibia para gastar durante a deslocação, davam-nos a certeza de borga bem regada.
Mal o passarão subiu nos céus, e a luz autorizou a libertação dos contos de segurança, os 3 espalhafatosos passaram a requisitar a presença de uma hospedeira, por sinal bonita e simpática, que servia destilados escoceses com evidente cumplicidade e espírito comercial. Uma ocasião que ela se esticou para fechar a mala de um passageiro do outro lado do corredor e, esticando-se, deixou ver uns centímetros a mais das meias de seda que agitavam cogitações gulosas, à força de cotoveladas que alertavam para a feliz contemplação, cabeceámos uns nos outros com a avidez do deslumbre.

Nova requisição que sossegasse os espíritos, e a consequente recomendação ao passageiro do outro lado para abrir a mala sobre a coxia dele. Quando a deusa voltou com os cristais a regurgitar daquele fluido colorido a ouro, onde as pedras de gelo adquiriam brilhos diamantinos, o do meio começou a cotovelar os das pontas, enquanto chamava a atenção da beldade dos transportes aéreos, para a situação da bagageira aberta, a que ela correspondeu com um sorriso, e com diligente esticanço para a fechar regulamentarmente a arrumação, enquanto os felizes viajantes trocavam marradas entre si, no afã de não perderem ângulos na visualização de tão importante tarefa. A viajem decorreu sem sobressaltos.

Em Lisboa corria o Inverno mais que fresco, fazia frio, ao que constava, rondava os 3 graus positivos, qual compensação dos exagerados calores climáticos da proveniência tropical. Naquele tempo apanhava-se o autocarro que deslocava os passageiros desde o avião até ao edifício da alfândega e às correias onde se recolhiam as bagagens. Quando nos despedimos efusivamente, quase corri até à área de espera, onda a minha namorada me aguardava. Abraçámo-nos com saudade, e abalámos para o encontro em casa com a família, e logo depois ​para​ o encontro com a malta.
Já seriam umas dezanove horas, quando no meio da euforia, ​apesar de​ sempre agarrado a ela, confessei estar a sentir algum frio, e logo me alcançou uma camisola ​de lã ​que providenciara.

Afinal, a energia que acumulara na Guiné, tinha sido suficiente até quatro horas depois de ter aterrado no inverno.
E depois foi sempre à procura de aconchego, e de amor temperado com algumas paródias, que um mês, naquele tempo, passava muito depressa.

Abraços fraternos
JD
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15185: O nosso querido mês de férias (13): Os soldados não se podiam dar o luxo de ter férias (José Manuel Cancela, ex-sold ap metr, CCAÇ 2382, 1968/70) / Proporcionei a alguns soldados do meu grupo de combate umas modestas férias em Bolama (António Murta, ex-alf mil inf., 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, 1973/74)

10 comentários:

Anónimo disse...



Com que então deliciados com o néctar dourado da Escócia e com as visões alvas, tão intimas e proibidas, que as jovens só por descuido deixavam entrever, por vezes, com um sorriso maroto. Meu caro J.D. também eu fiquei deliciado com o naco de prosa que ofereceste a todos os camaradas do blogue. Neste dia cinzento de pós-eleições, cujos resultados prometem trazer muitos dias de nevoeiro e tempestade, tu trouxeste-me mais boa disposição do que dois copos , daquele velho, muito velho. Gostei muito. Continua a escrever para alegrar os dias dos teus camaradas!
Um grande abraço. F.B.

Anónimo disse...



Amigo J.D. o anónimo das iniciais, vai-se identificar pois no meio de tantos não seria fácil adivinhar quem era. O meu nome por extenso é Francisco Maria Magalhães Baptista, quis imitar-te mas falhei. Peço desculpa se te aborreci de alguma forma.
Um grande abraço

Luís Graça disse...

Zé Manel:

Antigamente usava-se a expressão "pena de ouro" para designar os talentosos cultores da língua pátria... Eu e o Francisco, e seguramente mais leitores, já há muito que somos fãs da tua prosa. É bom, sabe bem, ler textos de primeira água como os teus. Escrever não é fácil, dá trabalho, mas o blogue também tem sido uma oficina de letras...

A tua crónica tem o mérito de exaltar o "nosso querido mês de férias", tão heroico comos os restantes meses de guerra... Era uma excitação vir à "metrópole": o ritual, para os gajos do mato, passava por ficar uma noite no Pilão (!), meter-se no avião, sempre bem aviado, continuar a aviar mais uns drinks e usar esse velho truque da mala aberta, unbs lugares à frente, para oter as pequenas atenções da hospedereira de bordo e, com sorte, vislumbrar um bocadinho dos mistérios da sua floresta galeria... Esse truque passava de avião para avião, de geração para geração...

Um abraço par o autor e para o leitor... LG

Luís Graça disse...

... Zé Manel, também foram tempos "gloriosos" para a TAP... "Ser hospedeira" de bordo era o sonho das "meninas prendadas" daquela época... Engtrar para a TAP como ganhar um "concurso de beleza"... Os rapazes, esses, chegavam a chefe de cabine mais depressa do que elas... O mundo ainda era dos machos...

Portugal era ainda também um país sorumbático e tacanho, mas muita coisa estava a mudar, com a nossa entrada na EFTA, o turismo, a guerra, a emigração, a começar pelas relações entre homens e mulheres... O mercado de trabalho abria-se a elas, enquanto os homens iam para a guerra ou para a emigração... Havia um vulcão em atividade. era impossível põr-lhe uma pedra em cima... Salazar não conseguiu, apesar da PIDE, da GNR e da Guarda Fiscal, "fechar as fronteiras"... Novas ideias e costumes chegavam.nos a toda hora... Os jovens portuguesas ansiavam pela liberdade... Chegava ao fim o Portugal sociologicamente salazarento... Mas nada disso acontece de um dia para o outro...

Aqui ficam duas décadas da história da TAP (resumidinhas):


http://www.tapportugal.com/Info/pt/frota-historia/historia
1960 - 1969

No início desta década, a TAP realiza o primeiro voo entre Lisboa e Porto Santo (1960), inaugura o Voo da Amizade, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, com tarifas a menos de metade do preço normal da época, bem como a ligação Lisboa-Goa com uma duração total de 19 horas e cinco escalas intermédias. É nesta altura – em julho de 1962 – que a TAP entra definitivamente na era do jacto com o Caravelle VI-R e neste mesmo ano inicia as ligações de Lisboa para Las Palmas e Santa Maria. Um ano depois (1963) consolida as suas rotas para Genebra, Munique e Frankfurt. Em 1964 viria a ser inaugurado o aeroporto de Santa Catarina, no Funchal, bem como a linha Lisboa-Funchal, a par da operação regular Lisboa-Sal-Bissau. O ano de 1964 fica igualmente marcado pelo facto de a TAP atingir o primeiro milhão de passageiros.

1970 - 1979

Nos anos 70, a companhia recebe a Medalha de Ouro de Mérito Turístico, inclui Boston na linha de Nova Iorque e inicia a operação com aviões a jacto na linha Lisboa-Lourenço Marques-Lisboa. É neste período também que os serviços da TAP se vêem obrigados a ser transferidos para novas instalações, no aeroporto de Lisboa. Ao mesmo tempo, é criada a linha de Montreal e as ligações de Lisboa para Ponta Delgada e Terceira e as transformações ao nível dos serviços não cessam: em 1972 a TAP recebe o primeiro dos quatro Boeing 747-200. A TAP chega ao ano da revolução do 25 de abril a operar com 32 aviões tecnologicamente avançados para mais de 40 destinos em quatro continentes, inicia o serviço computadorizado de reservas, de load-control e check-in (TAPMATIC) e torna-se a primeira companhia europeia a executar as grandes revisões completas dos reactores dos B747. O ano de 1974 termina com mais de 1.5 milhões de passageiros transportados, 68 210 horas voadas, quase 103 mil quilómetros de rede e ultrapassa os nove mil trabalhadores.

No ano seguinte à Revolução de Abril, a companhia é arrastada na vaga de nacionalizações e transforma-se numa empresa pública. No final da década, em 1979, é implementado um programa de modernização da empresa e esta altera a sua designação para TAP Air Portugal.

Antº Rosinha disse...

A TAP e as suas hospedeiras, eram uma imitação em ponto pequeno de uma Sabena, da British Airways que também tinham uma missão colonial a desempenhar.

Claro que como em tudo, o Estado Novo andava uns tempinhos prudentes de atrazo, mas quando fazia, fazia à nossa medida.

Aconteceu assim em outras modernices, que iam desde uma simples mini-saia até a um LNEC, ou a certos vistos Gold, e até à profissionalização do futebol, chegavam sempre uns tempinhos atraz dos parisienes.

Para nós os "saudosistas" do pouquinho que tínhamos, desde esta TAP, até um simples CTT, que já não é nada nosso, são dos sindicatos e de bancos e anónimos credores, ficamos com a sensação que é tudo para usar e deitar fora.

A TAP era uma obra de arte.

A sua ruina ficou-nos muito cara.

Desculpa JD

Cumprimentos

Anónimo disse...

... Rosinha, e tudo o vento levou!... LG

Omis Syrev Ferreira disse...

Olha que te saíste bem sim senhor. Continua que gosto do que escreves. E para que tu, usufruisses dessas benesses todas, lá estava eu a lutar...lutar...lutar para que tivesses uma bela vida. Um abraço.

Hélder Valério disse...

Caro Zé Dinis

Nesse "Fevereiro de 71" enquanto te 'baldavas ao mato' e fazias a 'preparação em Bissau', eu estava em Piche, contribuindo para garantir a soberania e a tranquilidade da tua rectaguarda.
Foi por essa altura que ocorreu, durante o Carnaval, a operação "Mabecos" de que já dei conta por aqui e que tão dramáticos episódios proporcionou. Realmente, pelo teu relato era mesmo como já relembrei: "..... em Lisboa, a vida corre....".

Quanto ao teu escrito, é claro que só podia ter gostado. É divertido, está bem ilustrado e ilustra como o pessoal consegui tirar proveito de 'pequenas coisas'. O líquido doirado, as pedras de gelo, as pernas da hospedeira que fingia 'não perceber'....tudo bem relembrado.

Quanto às tuas "reservas de calor" da Guiné, que dizes terem durado 4 horas, suspeito que boa parte deles tivesse a ver com o tal líquido doirado.

Já agora, para o amigo Veríssimo, tanto quanto me lembro das datas da tua comissão, por essa data a tua luta já não era lá, era cá a produzir para o Dinis ter descontos, verdade?

Abraço.
Hélder S.

JD disse...

Caríssimos Amigos,
Quero agradecer os vossos gentis e generosos comentários. Ao Francisco, adianto que lhe topei o estilo, e acho que o FB, Fica Bem. Ao Luís, tenho que manifestar alguma dificuldade em entender tão grande elogio, tanto mais, que o Blogue tem sido alfobre de muitos e bons escreventes. Mas agradeço, claro!Depois, como é próprio de um estudioso-partilhante, todos podemos ficar mais inteirados sobre as situações relativas; a da TAP privatizada, e a que acaba de ser reprivatizada, com os símbolos inerentes herdeiros desta pseudo-democracia falida e empenhada, sem que eu perceba para quê votarmos, se a soberania saltita alegre de lá de fora cá para dentro, mas o nosso Chefe, com sólida formação em antropologia e sociologia, não se cansa de nos fornecer caminhos de exploração e formação por mais complementares que sejam, porque um estudioso não despreza as fontes.
Quanto ao Rosinha, declaro não ter nada a desculpar, pelo contrário, é sempre com prazer que leio o velho "cólon" e aprendo alguma coisa das suas experiências africanas, das sensibilidades e manifestações perante uma sociedade tão próxima da portuguesa, que dificilmente poderíamos merecer o epíteto de colonos. Afinal, o progresso foi em tão pouco tempo, que não deu para consolidar. Por outras palavras, alguns militares estragaram o brinquedo novo que ainda não tinham compreendido. E por compreensão, compreendo agora porque o Veríssimo tem faltado aos encontros da Magnífica, e talvez o compreenda: ela não quer descontar mais para os meus almoços mariscantes, pudera! já tem tantos anos de contribuições para os fidalgos do regime. Só espero que as minhas dívidas já tenham prescrito.
Finalmente, ou "at last", vem o fínissimo Helder (no sentido de troglodita confundido) mastigar-me as fracas carnes, enquanto contempla embevecido os seus heróis portadores de ideologias da solidariedade, que a coberto da afirmação da melhor condição de vida e da liberdade de expressão, não nos informam sobre a hipoteca da soberania, nem dos modos arrogantes de como firmaram tratados e acordos que nos têm sugado as finanças, para além das decisões sobre o negócio de vendas a retalho que prolifera no jardim, e remete as culpas para mim, que terei desprezado a responsabilidade, enquanto ele defendia a soberania (o que é que escrevi?) nos campos hostis de Piche de onde eu abalara para o bem-bom com o rabinho entre as pernas. E nesta ânsia, mobiliza o Veríssimo para também me zurzir as orelhas.
Não me levem a mal, qu'isto não passa de desabafos.
Tenho-vos a todos em grande estima, independentemente das diferenças que possam existir entre nós.
Abraços fraternos
JD

Hélder Valério disse...

Caro JD

Confesso.
Confesso o meu inconseguimento no atingimento das tuas profundas observações.
Tentei e voltei a tentar. Li e reli o que escrevi e, falha minha certamente, não consegui encontrar os motivos para que te lançasses na revelação de que eu "contemplava embevecido os seus (meus) heróis portadores de ideologias da solidariedade". Nem sei se isso é mau mas, volto a dizer, não 'atino'.
Não entendo a que propósito isso foi bolsado.
O que foi que te deu? O que é que fumaste?

Bem.... como depois pedes para não te 'levarem a mal que não passam de desabafos' vou 'relevar' mas olha que cheguei a pensar que estivesses agora a 'alinhar' com aquele rapaz que gosta muito de 'classificar' os outros, de lhes dar conselhos, de 'revelar' as suas preferências....

Porta-te bem!
Hélder S.