1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2015:
Queridos amigos,
O pretexto era uma estadia folgada em Antuérpia, mas ao chegar e o regressar, o viandante não gosta de tempos mortos e tem gente muito afável e que o estima por aquelas paragens.
Este é o relatório do primeiro dia, a partir da chegada à Portela, nem sete da manhã eram. O dia rendeu, foi um verdadeiro regresso ao local do crime, o tempo ajudou, amanhã já não será assim. Não escondo o fascínio que estes lugares me provocam, por alguma coisa eram conhecidos pelo nome de Países Baixos Meridionais. Estava excitado, há um ror de tempo que não visitava Antuérpia e mal conhecia as Ardenas, suspirava por conhecer aquela floresta que foi palco da última grande batalha ocidental da II Guerra Mundial.
Um abraço do
Mário
Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (1)
Beja Santos
Volto ao local do crime, Bruxelas, mesmo que o mesmo destino principal seja Antuérpia. Viajei no primeiro voo da manhã, um grande amigo vai-me buscar a Zavantem, o aeroporto, poucos dão por isso mas está em território flamengo. Quinze minutos depois, em linha reta, chego a Watermael-Boitsfort, a minha guarida. Despachei uma sopa e um pão, aparentemente está um dia radioso, temperatura suave, é uma questão de apanhar o metro, atiro-me para o centro da cidade. Ando com saudades de entrar na igreja de S. Nicolau, a poucos metros da Grand-Place, deve a sua imponência ao facto do Santo ser o padroeiro de padeiros, comerciantes e navegantes. É um tempo que entusiasma pois tem adossado às paredes laterais edifícios civis, hoje é uma igreja barroca, toda aquela pompa me deixa indiferente mas há detalhes de uma forte atração. Logo o esplendoroso relicário dos mártires de Gorkum, tem a ver com as guerras entre católicos e protestantes, é um trabalho assombroso. Como se contempla com ternura a imagem de Nossa Senhora da Paz, que vem do século XVI, o quadro atribuído a Rubens, a Virgem com o Menino Jesus, e deixo para o fim o Cristo Espanhol do século XVI.
Finda a visita a este edifício que vem dos séculos XI e XII, que foi severamente destruído pelos canhões do marechal de Villeroy, a mandado de Luís XIV, em 1695, atiro-me para os bulevares, estou esfaimado por ver livros. Por aqui andei, vi títulos sobre África a rodos, as edições que vendem prende-se sobretudo com o Norte de África, mas deixei de me deliciar uma obra espantosa sobre a arte dos Nalus e dos Bagas, já da Guiné-Conacri, mas com imensas semelhanças à arte genial que podemos visitar no Museu Nacional da Etnologia ou na Sociedade de Geografia de Lisboa. É apaziguador ver um dos focos mais criativos da arte africana admirado sem reservas.
Faço inversão de marcha, é altura de uma confidência. Nos primeiros anos em que calcorreei Bruxelas, fiquei num hotel baratucho que tinha um nome ofuscante, George V. Passava obrigatoriamente por um espaço que me intrigava, belo mas fechado. Anos depois abriu, fui logo lá espreitar. Chama-se os Halles de Saint Géry, era o antigo mercado do peixe no centro de Bruxelas. Criaram ali um espaço de lazer, a autarquia abriu serviços relacionados com a preservação ambiental e a proteção do património, e há exposições. Vejam um caso de sucesso na reabilitação de um mercado que parecia sem préstimo.
Não, esta imagem não é para encher, é para tentar dizer aos leitores que é relativamente fácil ver numa quase amálgama quatro estilos arquitetónicos distintos nesta cidade que já foi esplendorosa, em 1900 a Bélgica era a quinta potência industrial mundial e a fortuna do rei Leopoldo, o proprietário do Congo, era tão desmesurada que deu para imitar Paris. Punha-se pois o imperativo de adaptar, fazer novo junto do velho. E o resultado nem sempre é feliz.
Estava patente uma exposição de fotografia artística, procurei abocanhar tudo, está por aqui muita investigação, muita apuro técnico, para mim é uma fotografia que se aproxima do grafismo da banda desenhada, talvez quem estude publicidade e desenho não concorde comigo, mas que me fascina, fascina.
Aproveito a boa luz do fim de tarde para cirandar à volta dos grandes bulevares, o meu último trabalho de turista até regressar a casa é vascular num espaço familiar, a livraria Pêle-Mêle (significa desordem, bagunça), a ver se encontro livros e cds apetitosos, pelo caminho depara-se-me esta esplêndida porta, depois um prédio ferro-de-engomar, logo a seguir um falso gótico (é do século XIX, ainda do tempo de grande religiosidade) da Igreja de Santa Catarina e esta torre ficou-me no goto, será vestígio de uma igreja destruída durante a I Guerra Mundial? Seja o que for, tem muita beleza. Agora vou trabalhar à volta do papel e da música que me leva às estrelas. A viagem prossegue amanhã.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 30 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15179: Os nossos seres, saberes e lazeres (117): Un viaggio nel sud Italia (8): Roma, addio
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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