quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15500: (De)caras (26): Os homens grandes da Tabanca Grande saúdam a entrada do nosso ''mininu' Adilan (nome balanta)... e cuja autorização de embarque para a metrópole foi dada, ao "padrinho" Manuel Joaquim, em Bissau, em 29/4/1967, por certificado emitido pelo administrador de concelho Manuel da Trindade Guerra Ribeiro



Curioso documento, passado pelo administrador do concelho de Bissau, o célebre Guerra Ribeiro (que tinha vindo de Bafatá), de seu nome completo Manuel da Trindade Guerra Ribeiro, com data de 29 de abril de 1967, e que reza assim:

(...) Certifico, em face dos documentos que ficam arquivados nesta Administração, que o menor José Manuel Sarrico Cunté, de seis anos de idade, natural de Cunté, concelho de Bissorã, filho de pais desconhecidos, residente nesta cidade [de Bissau], está em condições e autorizado a embarcar para a Metrópole num dos navios da Companhia Colonial de Navegação, cuja saída deste porto está prevista para o dia 4 do próximo mês de maio, afim de fixar residência [ilegível], onde ficará sob inteira responsabilidade de Manuel Joaquim, de 26 anos de idade, furriel miliciano [ilegível], 1966, conforme termo de compromisso e responsabilidade assinado pelo mesmo e que fica arquivado nesta Administração (...)

O administrador Guerra Ribeiro, mais tarde superintendente no tempo de Spínola, era pai do nosso camarada Rui Guerra Ribeira (. Segundo ele me confidenciou,  há tempos, foi levado com escassos meses para Guiné onde o pai, transmontano,  fez a carreira de administrador; estudou na metrópole, da 4ª classe ao 5º ano do liceu, voltou à Guiné, voltou de novo  a Portugal para fazer a academia militar, foi capitão da 15.ª CCmds, em Angola, onde foi ferido num braço; regressou  à Guiné, para se recuperar; foi ajudante de campo do Governador e Comandante-Chefe Bettencourt Rodrigues, e assistiu à sua prisão, em 26 de abril de 1974,  quando o MFA de Bissau tomou de assalto a fortaleza de Amura e o destitui; o Rui foi, há muito convidado para integrar o nosso blogue; amigo do António Estácio tem participado nalguns dos nossos encontros anuais).




Guiné > Região de Cacheu > Mapa de Bigene (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cunté, entre Barro (a noroeste) e Bissorã (a sudoeste)... É a terra do Zé Manel, que tem o apelido "Sarrico" do 2º sargento Casimiro Sarrico, da CCAÇ 1419 (BissauBissorã e Mansabá, 1965/67),  veterano da guerra de Angola, que o trouxe do mato, na sequência de um operação militar, em janeiro de 1966, e que cuidou dele até ao acidente grave com granada de fumos que o vitimaria um a mês depois; e ainda o apelido da terra onde supostamente nasceu (Cunté). (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


1. Seleção de alguns comentários de ao poste P15493 (**)

(i) António Murta:

Querido amigo Manuel Joaquim:

A história da ligação da tua vida à daquele que viria ser o teu "mininu", é das páginas mais tocantes e bonitas de todas as que enriquecem o nosso blogue. Por isso nutro por ti a maior admiração e consideração. E pela grandeza que te conforma, tão bem disfarçada na tua simplicidade desarmante. Emociono-me sempre ao lembrar-me da tua corajosa atitude, sempre que te vejo numa foto ou numa referência. Tanto assim é que em março de 2014 criei uma “pasta” para onde descarreguei os postes completos da tua história com o José Manel, para ter à mão e reler quando quisesse. Mas nunca mais li a história completa devido à emoção. Chama-se a pasta "Adilan – Uma história emocionante". Não teço estes elogios de forma gratuita, mas pelas razões já apontadas e porque sei que poucos teriam a tua coragem e responsabilidade, mesmo atendendo às circunstâncias que descreves. Nessas circunstâncias, eu, que não me considero propriamente um bruto, passe a imodéstia, posto perante tal responsabilidade, (responsabilidade para comigo próprio, para com a criança, para com a minha mãe e para com a minha futura mulher), acho que se me evaporavam os álcoois num ápice e não assumia nada sem muita ponderação. Na verdade, acho que nunca seria capaz...Deixo-te um abraço fraterno e desejo-te as maiores felicidades, bem como às tuas meninas e ao “mano”, a quem também dou as boas vindas à Tabanca Grande, se me é permitido.A. Murta.


(ii) J. Gabriel Sacôto M. Fernandes:


Manuel Joaquim, sabes bem como admiro a história humana, magnífica que envolve a tua pessoa e família e o teu menino, o José Manuel Cunté. Claro, portanto, que pela minha parte, só é tardia a adesão dele à Tabanca Grande, pois que, para além do envolvimento directo e suas circunstâncias entre ti e o José Manuel, ele é na verdade um símbolo de muitas situações porque todos nós passamos na Guiné, num misto estranho de sacrifício e nostalgia, com más, mas também muito boas memórias de vária índole.

Um forte abraço aos dois, JS

PS - Quanto aos meios informáticos de que ele carece para se envolver no Blog, talvez possa resolver com um computador e respectivo monitor que não estou a utilizar.


(iii) Francisco Baptista:

Amigo Manuel Joaquim:

De ti espero sempre o melhor porque tu em generosidade e humanidade superas a maioria de todos nós. Eu, relativamente novo no blogue, desconhecia este teu gesto tão nobre e confesso que fiquei muito emocionado ao ter conhecimento dele. Uns apregoam o amor ao próximo, outros praticam esse amor. Bem-aventurado tu que o praticas,

Um grande abraço para ti e para o José Manuel Cunté. Francisco Baptista


(iv) Luís Graça:

Há histórias (humanas) que nos reconciliam com a humanidade... Esta é uma delas... Uma grande história de solidariedade e de amor, a de um grande "minino", o Zé Manel, e de um grande homem, o Manuel Joaquim, e de uma grande família, de 4 grandes mulheres... Merece ser aqui recordada neste Natal...

Sé bem vindo à Tabanca Grande, Zé Manel!... LG

Sê bem vindo, Zé Manel,
"Hha mininu" da Guiné,
Foste mascote de quartel,
Apanhado em Cunté.

Apanhado em Cunté,
Mas salvo por gente boa,
Tua tabanca agora é
A nossa querida Lisboa.

A nossa Lisboa querida,
Sede da Grande Tabanca,
Onde se brinda à vida
E a amizade é sempre franca. (***)



(v) Manuel Joaquim:
O Zé Manel mais as "manas", filhas do Manuel
Joaquim, a quem ele trata por "padrinho"


Ora cá temos o "nha mininu Adilan" como membro desta Tabanca!

Dei-lhe a notícia ao princípio desta noite, logo que cheguei a casa vindo do armazém da Ajuda Amiga~,  sito no quartel de Lanceiros 2, na Amadora (o antigo quartel dos Comandos), onde estamos a selecionar e a embalar bens para encher dois contentores com destino à Guiné e com embarque marcado para daqui a um mês.

Estou comovido com o teor dos comentários supra. Muito obrigado, meus caros camaradas.

O Zé Manel está bem. Poderia estar melhor se a grande empresa (que já foi) onde trabalha não andasse cheia de problemas económicos e financeiros. Mas ele ainda não foi despedido, resta-lhe de lá esta consolação.

João Sacôto, meu estimado amigo, muito obrigado pela tua intenção de ajuda. A resposta do Zé Manel à tua possível oferta foi de regozijo imediato. Temos de combinar o modo de processarmos a entrega, se for caso disso.

Luís Graça, irei exercer alguma pressão para o Zé colaborar diretamente neste blogue. Também eu gostava que o fizesse. Capacidades tem ele para o fazer, agora querer fazê-lo ... não sei. O "low profile" é marca sua quanto aos seus assuntos da Guiné-Bissau (refiro-me ao tempo que lá viveu e trabalhou, dos 17 aos 30 anos). Tenho esperança em que algo se há-de arranjar.

Um grande abraço global para os membros deste blogue, de que tanto gosto independentemente de concordar ou não com o que nele se publica.

Festas Felizes para todos!

Manuel Joaquim
________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  10 de novembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7261: História de vida (32): Adilan, nha minino. Ou como se fica com um menino nos braços - 1ª Parte (Manuel Joaquim)

(...) Bissorã, 11/ 01/ 1966. Ordem operacional para a CCaç 1419: "limpeza” da tabanca de C[unté], trazendo a sua população para Bissorã. Ao meu grupo de combate cabe-lhe ficar em casa, aguardando o dia seguinte com a missão de organizar a recolha de toda a gente na ponte (destruída) sobre o rio Blassar, limite transitável da estrada Bissorã/Barro. (...)

(**) Vd. poste de 15 de dezembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15493: Tabanca Grande (477): José Manuel Sarrico Cunté - "mininu" Zé Manel do nosso camarada Manuel Joaquim - 706.º Grã-

4 comentários:

Luís Graça disse...

Espero não me ter enganado na localização da terra natal do "nha mininu Adilan".. Vasculhadas as cartas de Bissorã, Mansoa, Binta e Bigene, lá encontrei a tabanca de Cunté, a sul de Bigene, a noroeste de Bissorã, a sudoeste de Barro... Se calhar o Adilan nunca tinha visto o nome da sua terra no mapa!... Espero que o Manuel Joaquim confirme o meu "achamento"!...

JD disse...

Zá Manel,
Que sejas bem-vindo, e que aqui possas encontrar boas informações sobre a tua terra e os teus conterrâneos.
Com um abraço
JD

Bispo1419 disse...

Meu caro Luís

A aldeia natal do Zé Manel é mesmo essa Cunté marcada no mapa. No início de 1966 era uma tabanca situada em terra de ninguém, para usar o termo apropriado ao domínio do terreno por qualquer dos dois lados em confronto. Até como meio de sobrevivência, a tabanca "dava para os dois lados". Do nosso lado, fomo-nos servindo de informadores/guias locais para a nossa atividade militar. O outro lado tinha-a à mercê para, no dia a dia, a convencer a aderir aos seus desígnios.

Lembro-me perfeitamente de ter sido com um guia local que, no dia 27/10/1965, a minha CCaç. 1419 reforçada com um grupo de combate da CArt.643 realizou a sua 1ª acção militar em Bissorã, o ataque a uma "casa de mato" na zona de Cunté. O assalto ao objectivo saiu frustrado. Fomos recebidos com fogo "à grande e à francesa" e obrigados a recuar com feridos, um deles muito grave, precisamente o Rogério Cardoso, ilustre membro deste blogue e fur. milº da CArt.643.
O Rogério teve então, mesmo assim, o seu fantástico dia de sorte. Recebeu o impacto direto de uma granada "Pancerovka" de 120mm, saída de um LGF que, diz ele, viu ser-lhe apontado diretamente. A enorme granada não rebentou e os únicos danos que provocou foi a ele, deixando-o com uma fratura exposta do fémur da coxa direita.

Dois meses depois, na madrugada do dia 05/01/1966, aconteceu coisa parecida mas com efeitos muito mais graves. Também com informações vindas de Cunté, além de outras, a CCaç.1419 decidiu atacar uma base guerrilheira em Matar. Não conseguiu chegar ao objetivo e recuou com quatro mortos e três feridos graves.

Foi neste clima que se decidiu acabar com a tabanca de Cunté. A operação realizou-se uma semana depois, a 12/01. Muitos dos seus habitantes fugiram, entre os quais a família do Adilan (Zé Manel). Os outros foram encaminhados para Bissorã. Ao Adilan não foi possível a fuga porque já tinha sido apanhado pelo 2º sarg. Sarrico, logo no início da operação. Ele diz que estava fora de casa com um outro familiar mais velho a espantar as aves e/ou outros animais madrugadores com olhos nalgum apetecível manjar do cercado da morança. Não contavam era com o "passarão" que lhes surgiu e que catrafilou o mais pequenino.

Cunté foi reocupada após o fim da guerra. Muitos dos seus antigos habitantes voltaram, como foi o caso da família do Zé Manel. Foi lá que a encontrou quando, ano e meio depois de ter regressado à Guiné, resolveu fazer diligências para saber o que lhe teria acontecido. Em carta datada de 01/09/1978 escreve-me a contar os factos e as emoções sentidas ao encontrar os pais e uma irmã, precisamente em Cunté. Leia-se, a propósito, o P7267 deste blogue, "Adilan, nha mininu. Ou como se fica com um menino nos braços - 2ª parte", onde estão transcritas partes de duas cartas em que ele se refere a esses momentos de reencontro com a família, cerca de 13 anos depois de dela ter sido afastado e sete meses depois de ter regressado à Guiné (com 17 anos de idade!).

17 anos de idade! De vez em quando ainda penso na coragem, determinação, espírito de aventura, segurança psíquica e mesmo física que é preciso ter um jovem de 17 anos para se meter num avião e descer em Bissau, sozinho, com a certeza de não ter familiares nem sequer alguém conhecido a receberem-no. Só foi preciso, diz ele, acreditar em mim e na minha palavra de que o PAIGC o iria receber muito bem. E foi o que aconteceu. O PAIGC cumpriu o que me prometeu.

Um fraterno abraço, caro Luís.
Manuel Joaquim



cherno ab disse...

Amigos manel joaquim e ze manel,
Fico sempre bastante emocionado quando se evoca a historia de vida de ze manuel, alias adilan, Pois temos muita coisa em comum, a comecar pela idade e o facto de Conviver com a guerra e seus horrores,mas tambem a alegria de descobrir um mundo novo e insuspeito ate aquela altura e, sobretudo quando penso que a historia da sua vida podia ser tambem a minha.
Ao colega ze manel apresento as boas vindas a esta tabanca grande.

Cherno balde