quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17801: Historiografia da presença portuguesa em África (93): a questão dos missionários católicos na Guiné (Armando Tavares da Silva, historiador)


Foto nº 1


Foto nº 1 A


Foto nº 1 B

Guiné < Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Meninos cristãos, em dia de primeira comunhão, ao tempo da CCS/BCAÇ 2952 (1968/70). Foto do álbum do ex-fur mil rebastecimentos José Carlos Lopes, grã-tabanqueiro nº 604.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Texto enviado pelo nosso amigo Armando Tavares da Silva, com data de 12 de agosto último

Caro Luís Graça,
Segue um texto sobre Missionários na Guiné para publicação no blogue. Se assim o entender, e para facilidade de publicação, pode dividir o texto em duas partes.
Abraço e bom período de férias
Armando Tavares da Silva



Missionários na Guiné

por Armando Tavares da Silva

[Foto à direita: Armando Tavares da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.). ]

Os últimos textos do blogue relativos à recente presença de padres missionários na Guiné (*) levam-me a discorrer um pouco sobre esta questão no período de 1878 a 1926, e como sobre ela se pronunciaram alguns governadores. (**)

Assim, em Outubro de 1879 (portanto no mesmo ano em que a Guiné se separou administrativamente de Cabo Verde), o secretário-geral, que ficara encarregado do governo, enquanto o governador Agostinho Coelho se encontrava em Lisboa, escreve que o arquipélago dos Bijagós mantém “as melhores relações com Bolama onde estes ainda muito selvagens indígenas vêm fazer o seu pequeno comércio”. E acrescenta que nesta parte da Guiné se houvesse “mais alguns missionários, teriam estes em que se ocupar”.

Na mesma altura, em Lisboa, Agostinho Coelho, mencionando as necessidades da província referia, entre outras, a falta de padres e de objectos de culto, e relativamente ao problema da instrução pública, requisitava mil exemplares dos compêndios que serviam nas escolas de instrução elementar do reino. Mais tarde, em Março de 1880, o mesmo governador volta a mencionar a falta de padres, notando que na província só havia três “para uma tão vasta colónia”.

O problema da falta de missionários irá manter-se pois, em Junho de 1891, o secretário-geral Viriato Passalagua, que ficara encarregado do governo depois do governador Rogério dos Santos se ter retirado para Lisboa, no rescaldo dos acontecimentos de Bissau desse ano, escrevia ao ministro renovando a proposta já feita no ano anterior para o aumento na província de padres missionários.

Alguns anos mais tarde, em Janeiro de 1900, um outro governador, Herculano da Cunha, renovando um pedido já feito no ano anterior, pede que na Guiné seja estabelecida uma missão, tendo em acréscimo funções de educação elementar e ensino de ofícios, acrescentando ainda o pedido de envio de três padres para as paróquias de Buba, Geba e Farim.

Júdice Biker, que governara a Guiné entre 1900 a 1903, num relatório de Outubro de 1903 para o ministro, onde se refere novamente ao problema da missionação, e civilização do gentio, menciona que seria de grande alcance o estabelecimento de missões, sobretudo no território da Costa de Baixo, habitada por manjacos, mas acrescentando, “contanto que os missionários fossem bons e portugueses”. Não se sabe o que Biker entendia por um “bom missionário”, mas introduz uma restrição, que era o facto de deverem ser portugueses, levando a pensar que os estrangeiros não satisfariam aquele requisito! Teria tido alguma experiência que o levava a assim pensar?

Júdice Biker excluía daquele propósito o território dos fulas e mandingas, pois seguiam a religião muçulmana, que lhes falava melhor aos sentidos e à sensualidade, e que dificilmente abraçariam a religião cristã que é toda espiritual.

Júdice Biker fora o governador que, devidamente autorizado, pela primeira vez procedera à cobrança do imposto de palhota, numa extensa digressão realizada a cavalo e apenas acompanhado pelo seu ajudante de campo, por um médico, por um padre, e por “uma pequena música formada de garotos e regida pelo padre”. Iniciada a 14 de Janeiro de 1903 em Buba, só terminaria a 2 de Março em Geba, depois de percorridos 275 quilómetros. 

Durante essa digressão, o padre, cuja presença deverá ter sido preciosa, dissera missa todas as manhãs, e procedera à realização de 5 baptizados. Terminada a digressão, Júdice Biker mostrara-se satisfeito pela forma como fora recebido nas várias povoações por onde passara e pernoitara, e pelo modo como as populações reagiram a essa cobrança, De facto, estas sempre tinham pago aos régulos um tributo sob o nome de dacha, mas que o governador considerava ser cobrado irregularmente segundo as simpatias dos régulos, não sendo igual para todos. Isso deixava agora de acontecer, recebendo os régulos 20% do imposto cobrado e os chefes de povoação 15%.

Não obstante a escassez de padres e missionários que os relatos anteriores testemunham, é certo que desde cedo encontramos a sua presença na Guiné. Na segunda expedição de Diogo Gomes, é o chefe mandinga Nomimansa que a seu pedido vem a receber o baptismo em 1458. Fora o mesmo chefe que dois anos antes atacara Diogo Gomes quando este, explorando a costa, procurava subir o rio Jumbas, antes de, rumando a sul, vir a atingir o rio de Gâmbia que percorreu em grande extensão. 

Um outro régulo que viria a receber o baptismo no decorrer de uma missa solene fora o régulo de Bolor, Jogane Angulenhor, em 1867. Este baptismo resultara de o régulo, o seu filho e os seus grandes terem solicitado que o governo lhes mandasse um padre para os baptizar, assim como uma pessoa que os curasse em suas doenças. Ao mesmo tempo pediam para que o governo português os tomasse sobre sua protecção, fizesse ali edificar uma igreja, e lhes “desse também um oficial com soldados para defenderem o seu território em caso de ser atacado pelos gentios limítrofes”. 

Um tal ataque vem efectivamente a acontecer dois anos mais tarde, quando o gentio coligado de Jufunco, Ossor e Egin arrasam Bolor. De notar que o régulo de Jufunco, Ampá-Cabú, assinara, em 13 de Agosto de 1869, um tratado pelo qual era cedido “de hoje para sempre todo o território de Jufunco à nação portuguesa, a quem desde muito reconheciam como legítima senhoria deste território”. Aquele ataque fora consequência de os habitantes de Bolor lhes impedirem o caminho de Cacheu, onde pretendiam ir negociar. Ataque este que iria ocasionar pouco depois o chamado “desastre de Bolor”.

A presença missionária portuguesa, traduzindo-se em boa parte na cristianização de muitos nativos, remonta, como se viu, ao século XV, e manifestar-se-ia sob várias formas daí para a frente, embora com meios insuficientes, do que muitos governadores se queixavam.
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4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não falamos de política, religião e futebol... Não falamos em tom apolegético, partidário, clubístico... Nada nos impede, porém, nas regras que criámos (e que todos aceitam tacitamente ao entrar para esta Tabanca Grande), de escrever sobre estes temas, desde que tenham relação com a nossa história comum, a da Guiné e de Portugal.

É interessante verificar que, na história da presença portuguesa na Guiné, nos últimos 140 anos (grosso modo, desde 1879, ano da separação administrativa da Guiné e de Cabo Verde), há uma "tolerância religiosa", de jure e de facto... Nunca houve uma política de "cristianização" do gentio (povos animistas) nem de "conversão" dos "povos muçulmanos" (fulas, mandingas, biafadas...). Pelo menos, que eu saiba...

E a avaliar pelas estatísticas, ao fim destes anos todos, a população de cristãos, na Guiné-Bissau, não deve ultrapassar os 5%.

Quantos aos missionários católicos estrangeiros, parece que a administração portuguesa nunca gostou lá muito deles, nomeadamente no tempo da guerra da colonial. E quando falamos de estrangeiros, estamos a falar de "italianos", que têm uma "relação especial" com este território (e com Cabo Verde, e em especial a ilha do Sal)....

Não podemos ter a veleidade de ter o "monopólio" dos afectos... Os estrangeiros, ateus ou católicos, também gostam ou gostaram da GUiné e dos guineenses, desde os suecos aos franceses, cubanos, russos, chineses, etc.... Provavelmente pelas mais diversas razões...

Obrigado ao nosso amigo Armando Tavares da Silva a cujo saher historiográfico sobre a "nossa" Guiné rendo a minha homenagem. Luís Graça

Anónimo disse...


Armando Tavares da Silva
27 set 2017

Caro Luís,

Foi uma agradável surpresa saber que eras amigo do Arquitecto Paradela, com quem colaborei num projecto de eficiência energética em edifícios e de cujo convívio tenho muito boas recordações. Reencontrei-o outro dia na Costa Nova por altura da apresentação de um livro bem interessante tendo por base as companhas da pesca do bacalhau. Bem recordo os momentos únicos da entrada dos lugres bacalhoeiros na Barra de Aveiro a reboque do Vouga (cujo Mestre, José Marnoto, recebeu lições do meu avô em casa deste para poder tirar a carta, e que veio a examiná-lo - vim a saber disto há alguns anos pela boca do próprio) e do Marialva.

Neste momento estou na Barra mas no fim da semana já estarei em Lisboa. Tenho uma relação de 1948 com os nomes aportuguesados das diversas povoações e irei consultá-la para ver se fala da tabanca Portugal.

Tenho, porém, estada a aguardar a publicação de um pequeno texto sobre padres e missionários na Guiné, que enviei no começo de Agosto (creio que a 8), mas que até agora não apareceu.

Até breve com um abraço,

Armando

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Por mim, aquilo que mais me desagrada é a mentira da "evangelização dos gentios".
Presentes na Guiné durante 500 anos (ou mais!) seria suposto que por ali houvesse uma grande e assídua prática religiosa da religião católica. Vimos que não era assim e hoje é pior. A igreja de Bafatá está fechada e a catedral de Bissau já surgiu, recentemente, fechada nas fotos de uns camaradas que visitaram a Guiné. Ermidas nos pequenos agregados populacionais... nem vale a pena falar. Por mim penso que a religião católica, apostólica romana é absolutamente residual na Guiné.
Sabemos que isso nunca sucedeu o que, para mim, como já escrevi aqui no blog, foi uma das formas que aqueles povos tiveram de se opor à nosso colonização: recusaram (salvo excepções) a nossa (santa) religião embora não de modo frontal, para o que não teriam força, nem tecnologia. a religião é uma das pedras basilares da identidade de um povo.
Seria bom que deixassem de referir a acção evangelizadora dos portugueses em África e em todo o mundo. Os seus resultados foram bem modestos, quando não contraproducentes.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antonio Rosinha disse...

A propósito de religiões ou crenças, já ha mais mesquitas no mundo cristão e mais bruxos africanos na Europa cristã e é muito difícil os adoradores da bola que não recorram a uma boa macumba afro-americana.

Mas o pior de tudo é o fanatismo a que se assiste hoje, principalmente em certos paises da África Oriental e não só, que nem na idade média o nosso «mata-mouros» demonstrava tanta fé.

Parece que a Guiné continua imune a certos fanatismos.