Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > Um dos postais que o José Claudino da Silva passou a mandar à namorada (e futura esposa), todos os meses, depois da notícia da morte de Amílcar Cabral (que foi morto na Guiné-Conacri e não no Senegal, em 20 de janeiro de 1973).
Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça]
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*)
(i) nasceu em Penafiel, em 1950, de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje);
(ii) foi criado pela avó materna;
(iii) trabalahou e viveu em Amaranete, residindo hoje naLixa, Felgueiras;
(iv) é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;
(v) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado;
(vi) completou o 12.º ano de escolaridade;
(vii) foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);
(viii) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;
(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.
Sinopse:
(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.
(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);
(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;
(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,
(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;
(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;
(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;
(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";
(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";
(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...
(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;
(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.
(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;
(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.
(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);
(xvii) começa a colaborar no jornal da unidade, e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, s pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo...
(ii) foi criado pela avó materna;
(iii) trabalahou e viveu em Amaranete, residindo hoje naLixa, Felgueiras;
(iv) é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;
(v) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado;
(vi) completou o 12.º ano de escolaridade;
(vii) foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);
(viii) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;
(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.
Sinopse:
(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.
(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);
(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;
(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,
(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;
(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;
(viii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;
(ix) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";
(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";
(xi) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...
(xii) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda;
(xiii) ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.
(xiv) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;
(xv) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.
(xvi) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);
(xvii) começa a colaborar no jornal da unidade, e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, s pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo...
(xviii) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste);
(xix) como responsável pelos reebastecimentos, a sua preocupção é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;
(xx) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacaunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada.
2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 39 e 40
2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 39 e 40
[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]
39º Capítulo > AMÍLCAR CABRAL
Ena, pá! Que ousadia!
“Atenção inimigo! Não se metam connosco. Estamos de olho vivo. Sabes meu amorzinho? Estes negros nojentos não querem nada com “Os Serrotes” as nossas laminas estão bem afiadas e eles sabem que podem cortar-se.”
Dizia isto em mais uma noite de prevenção. Seria mais uma noite, mas não foi. Aquela noite foi de 20 para 21 de Janeiro de 1973. O meu comentário no dia 21:
“Embora tu não ligues nada à guerra eu quero informar-te uma coisa. Nós aqui na Guiné lutamos contra as forças do P.A.I.G.C. (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde) e o comandante desse partido que era o Amílcar Cabral foi morto esta manhã no Senegal, país que faz fronteira com a Guiné e de onde entram os terroristas, por isso nós não sabemos se a guerra vai piorar ou melhorar, esperemos uns dias e depois digo algo”
Um facto histórico tão relevante foi passado por nós duma forma completamente superficial. Até o comandante foi de férias, no dia 25.
Que guerra aquela!
No mesmo aerograma falo de Camilo Castelo Branco e digo uma frase que ainda hoje sei de cor. (A dor que proporcionamos às outras pessoas devia ser equivalente à que sentimos.) Nos dias seguintes, apenas falei de amor.
Era domingo, decidi começar a mandar um postal por mês.
40º Capítulo > DEPOIS DAS MORTES. O CINEMA
26 de Janeiro de 1973
Estive tentado, como em muitas outras vezes, a não falar de guerra, mas neste dia na última página da carta do mês não resisti.
“Como sabes pertenço a um batalhão que tem quatro companhias. C.C.S. 1ª; 2ª e 3ª que é a minha. A C.C.S. está em Tite e já sofreram um ataque sem feridos. A 1ª está em Jabadá, também sofreram um ataque sem feridos. A 2ª está em Nova Sintra, sofreram um ataque tiveram quatro feridos e dois mortos. Nós ao quartel ainda não tivemos nenhum e decerto não teremos, agora toda a companhia está de prevenção das seis horas da tarde às quatro da manhã e dormimos de dia.
Hoje 85 colegas estão para o mato em operação. Acho que as coisas estão a piorar. Para tornar tudo mais difícil o gerador avariou e a vigilância é muito menos eficaz. Estamos sujeitos a só detectar o inimigo quando estiverem mesmo em cima de nós. Neste momento lá fora a escuridão é total, estou a escrever-te à luz da vela”
Não me levem a mal por, nos dias seguintes, só escrever sobre bigamia e gravadores de cassetes, futebol e bebidas, sobre o Zé Leal que tinha ido a Bissau, as contas de Janeiro que bateram certas e o reabastecimento que seria dia dois. Correu tudo tão bem que até recebi dois cabelos que a namorada mandou. Eram grandes. Ela ia cortar o cabelo à moda.
Guerra? Grave foi ter-me magoado num pé a jogar voleibol.
“Na próxima semana vamos ter cinema em Fulacunda. Fixe há muitos meses que não vejo um filme.
Quero dizer-te que a nossa companhia agora faz parte operacionalmente de uma outra que é a C.O.P. 7 e está cá um capitão dessa C.O.P. 7 que é um tipo porreiro, até se come melhor”
Foi em Fevereiro que mandei uma encomenda para a minha namorada. A cantina, em miniatura, uma faca de mato, um livro com duas comédias. (“Monsieur de Pourceaugnac" e “O Avarento” de Moliére), uma garrafa de whisky e mais umas latas de Coca-Cola para misturar. Pesava 6,5Kg.
Uma parvoíce, não? Quem era tão parvo que mandasse essas coisas para a metrópole? Eu, é claro!
Ena, pá! Que ousadia!
Dizia isto em mais uma noite de prevenção. Seria mais uma noite, mas não foi. Aquela noite foi de 20 para 21 de Janeiro de 1973. O meu comentário no dia 21:
“Embora tu não ligues nada à guerra eu quero informar-te uma coisa. Nós aqui na Guiné lutamos contra as forças do P.A.I.G.C. (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo-Verde) e o comandante desse partido que era o Amílcar Cabral foi morto esta manhã no Senegal, país que faz fronteira com a Guiné e de onde entram os terroristas, por isso nós não sabemos se a guerra vai piorar ou melhorar, esperemos uns dias e depois digo algo”
Que guerra aquela!
No mesmo aerograma falo de Camilo Castelo Branco e digo uma frase que ainda hoje sei de cor. (A dor que proporcionamos às outras pessoas devia ser equivalente à que sentimos.) Nos dias seguintes, apenas falei de amor.
Era domingo, decidi começar a mandar um postal por mês.
26 de Janeiro de 1973
Estive tentado, como em muitas outras vezes, a não falar de guerra, mas neste dia na última página da carta do mês não resisti.
Hoje 85 colegas estão para o mato em operação. Acho que as coisas estão a piorar. Para tornar tudo mais difícil o gerador avariou e a vigilância é muito menos eficaz. Estamos sujeitos a só detectar o inimigo quando estiverem mesmo em cima de nós. Neste momento lá fora a escuridão é total, estou a escrever-te à luz da vela”
Guerra? Grave foi ter-me magoado num pé a jogar voleibol.
Quero dizer-te que a nossa companhia agora faz parte operacionalmente de uma outra que é a C.O.P. 7 e está cá um capitão dessa C.O.P. 7 que é um tipo porreiro, até se come melhor”
Uma parvoíce, não? Quem era tão parvo que mandasse essas coisas para a metrópole? Eu, é claro!
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Nota do editor:
Último poste da série > 29 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18467: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 37 e 38: "Já não tens dinheiro no banco, a tua mulher porta-se mal”... Nunca mais li uma carta de um camarada, sem primeiro a ler só para mim.
Último poste da série > 29 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18467: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 37 e 38: "Já não tens dinheiro no banco, a tua mulher porta-se mal”... Nunca mais li uma carta de um camarada, sem primeiro a ler só para mim.
7 comentários:
O que surpreende nestes "excertos de memórias" do nosso Dino, é que não ele cedeu à tentação do "politicamente correto"... Não quis, de modo algum, branquear o seu passado ou recompor a sua imagem... É essa frescura, essa autenticidade, que nos atrai na leitura desta série... É um tipo intelectualmente honesto, capaz de usar a autoironia para se rir das coisas que fazia, dizia ou escrevia em 1972/74, em Fulacunda...
Sabemos que era um jovem com hábitos de leitura e que já tinha jeito para a escrita, colaborando no jornal da caserna, "Os Serrotes de Fulacunda", que era dirigido pelo nosso camarada, o grã-tabanqueiro Jorge Pinto, hoje professor de história do ensino secundário, reformado, e que vai estar connosco, mais uma vez, em Monte Real, no dia 5 de maio.
É um documento interessante para se perceber melhor a "mentalidade" da generalidade dos nossos militares na Guiné. LG
É também um observador arguto...
Escreve ele (hoje):
"Um facto histórico tão relevante [, a morte do Amílcar Cabral,] foi passado por nós duma forma completamente superficial. Até o comandante foi de férias, no dia 25."
Sabemos, pelo que o Dino deixava transcrever nos aerogramas, que ele não gostava do seu comandante... Ma só facto de ele ter ido de férias, no dia 25 de janeiro de 1973 (, por coincidência ou não....), pode ser um sintoma da aparente descompressão que originou a notícia da morte do líder do PAIGC... Houve quem pensasse que a guerra iria abrandar ou até acabar...
O Dino, mais cauteloso, escreve para a namorada (a quem as notícias da guerra é pressuposto não interessar, mas ele é incapaz de fazer "autocensura"...): (...) "nós não sabemos se a guerra vai piorar ou melhorar, esperemos uns dias e depois digo algo” (...).
O comandante da 3ª C / BART 6520/72, Fulacunda 1972/74, era o cap mil José João Mousinho Serrote... As outras companhias do batalhão também tinham, como comandantes, capitães milicianos... E eram todos de infantaria num batalhão... de artilharia!...Sinais dos tempos!...
Em Jabadá estava a 1ª, em Nova Sintra a 2ª (, teve 3 capitães, e só do QP, de artilharia)... E na 3ª, em Mampatá, estava o nosso camarada e grã-tabanqueiro, o cap mil inf Luís de Jesus Ferreira Marcelino.
O LUís Marcelino tem 20 referências no nosso blogue:
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Lu%C3%ADs%20Marcelino
Temos muito poucas referências a Jabadá... Apenas 14... E ninguém da 1ª C/BART 6520/72...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Jabad%C3%A1
O mesmo se passa com Nova Sintra: 14 referências... E ninguém da 2ª C/BART 6520/72...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Nova%20Sintra
Os postais de namorados daquela época tinham um grafismo parecido com o que reproduzimos acima... Tnham muitas florinhos e passarinhos, e os pares de namorados eram angélicas criaturas... O amor, a paixão, eram "infantilizados", retirando-lhe toda a carga erótica... O estilo era "kitsch", termo que já entrou nos nossos dicionários...
kitsch | adj. 2 g. 2 núm. | s. m.
kitsch
(palavra alemã Kitsch)
adjectivo de dois géneros e de dois números
1. Que está associado a estereótipos sociais e culturais e a um tipo de sensibilidade que se adequa ao gosto maioritário da população não erudita.
2. [Depreciativo] Que é de mau gosto ou não tem erudição estética.
substantivo masculino
3. Estilo estético associado a estereótipos sociais e culturais e a um tipo de sensibilidade que se adequa ao gosto maioritário da população não erudita.
"kitsch", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/kitsch [consultado em 16-04-2018].
Em contrapartida, estes "inocentes postais ilustrados" contrastavam com os "posters" de nus, de mulheres (, brancas, sempre...) em poses eróticas, muito ousadas, que forravam as nossas paredes (nas casernas, nas camaratas, dos quartos de grupo, nos abrigos, etxc.).
A "pornografia" ainda não tinham chegado em grande, como aconteceu no início dos anos 70, em Portugal (começam a chegar os filmes, de 8 mm, pornográficos da Dinamarca e Suécia, que passávamos à noite, entre amigos, depois de uma bela jantarada,com charutos e "uisques velhos", trazidos da Guiné...).
Na Guiné, não haveria muito material "pornográfica", eram fotografias mais "soft", de belas rapariga, de peitos generosos, que funcionavam como os nossos anjos da guarda... Até porque os nossos comandantes, de revista às instalações, ficavam incomodados com tanto erotismo no ar... A gente tinha 22, 23, 24 anos... Eles já eram mais velhotes... Portanto, havia algum cuidado com o material que se afixava nas paredes... E, Bambadinca, não tenho ideia de os "patrões" meterem o nariz nps nossos quartos... Já nas camaratas das praças, era diferente... Mas cada militar gostava de "marcar o seu terreno", em geral, com fotos de "gajas boas como o milho"...
Os postais de "inocentes pombinhos" era para mandar às namoradas...
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