quarta-feira, 18 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18534: Historiografia da presença portuguesa em África (113): Imagens e relatórios dos actos de vandalismo praticados pelo MLG, na Praia de Varela, em Julho de 1961, encontrados no acervo documental do Banco Nacional Ultramarino (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2018::

Queridos amigos,
São estes os felizes acasos que gratificam as horas a folhear inúmeros dossiês, cujo conteúdo, em tantíssimos casos, é inodoro, insípido e incolor. E assim se chegou ao vandalismo perpetrado pelo MLG - Movimento de Libertação da Guiné, capitaneado por François Mendy, seguramente figura anda simpática para Amílcar Cabral, conforme o comunicado de Novembro 1963, que também se apensa com a documentação trocada sobre estas destruições.
Atenda-se que os responsáveis do BNU na Guiné procuravam as melhores fontes, estou presentemente a analisar o desencadear das hostilidades por parte do PAIGC e as preciosas informações que o gerente de Bissau envia para Lisboa, não hesito em dizer que se trata de uma documentação de estalo.

Um abraço do
Mário


Julho de 1961: o MLG pratica vandalismo na praia de Varela

Beja Santos 

A primeira grande manifestação de práticas subversivas na Guiné teve lugar em Julho de 1961, com ações em S. Domingos, Susana e Varela, era o primeiro sinal de organizações armadas, sediadas no Senegal. O PAIGC está ainda em fase de preparativos, Cabral enviou um lote de quadros para a China, a propaganda e subversão será desencadeada no Sul, em 1962.

Foi no acervo documental do Arquivo Histórico do BNU que encontrei imagens desse vandalismo em Varela, onde o BNU era proprietário de duas casas de férias. Todo o processo da aquisição das duas moradias está perfeitamente identificado. Em Agosto de 1961, Castro Fernandes, um dos administradores do BNU e figura proeminente do Estado Novo, visita Varela e escreve que “As casas do Banco foram pilhadas de todo o seu cheio recheio, e partidos os vidros e objectos sanitários. Os edifícios nada sofreram, havendo, apenas, que limpá-los e, porventura, pintá-los. Nada deverá ser feito sem que o governo da Província possa assegurar o policiamento militar daquela estância de repouso. Logo que esta cobertura militar for feita, a gerência providenciará no sentido de reparar o que haja de ser reparado e promoverá para que fiquem mobilados como estavam. Quando a defesa e policiamento da praia for feita, autorizo que seja entregue ao governador da Província um subsídio de 100 contos destinado a contribuir para as reparações no edifício do hotel e arranjos urbanísticos”.

A situação irá normalizar-se em Março de 1962, já há cobertura militar. O gerente desloca-se a Varela depois de obter autorização no comando militar e informa Lisboa do seguinte:
“Encontra-se ali um pelotão de 30 homens comandados por um alferes. Não nos parece, na nossa rápida estadia, que reinasse ali uma grande disciplina. Deve-se isso, talvez, ao facto de estarem isolados e viverem durante largo tempo em comum, e comandados por um rapaz ainda bastante novo.
As tropas estão alojadas na antiga residência de Verão do governador da Província, e ainda no antigo hotel que ali havia pertencente a João Manuel Pireza que tudo perdeu, e, está agora em Bissau, explorando um hotel. O aspeto daquilo tudo, que antes era praia com alguma concorrência, até de franceses que vinham do território vizinho, é bastante desolador. Houve vandalismo puro. Além de terem roubado o que encontraram, espatifaram os interiores das casas que lá existiam, e ainda o que é mais grave com a conivência daquelas que lá viviam e serviam há longos anos.

As casas do banco conservam as paredes exteriores e interiores em razoável estado. Os armários interiores, vidros, instalações elétricas, tudo está partido e estragado. Os quadros elétricos também desapareceram. Os lavatórios foram roubados, alguns dos outros artigos sanitários estão partidos. Faz pena tanta desolação.
Também nos surpreendeu não haver lá qualquer vedeta ou lancha, como parece ter havido anteriormente e intercepte os barcos que navegam afoitamente nas nossas águas muito perto à praia. Alguns militares com quem falámos sobre isso disseram-nos desconfiar levarem armamentos que descarregam perto em Catão. Esta nossa observação foi posta numa conversa que tivemos com o chefe dos serviços secretos militares com quem quase todos os dias nos encontramos. Ficou pensativo mas nada nos disse. Não nos admirou o silêncio. Faz parte da sua missão.
Para V. Exas. poderem melhor apreciar os actos de malvadez e vandalismo que sofreram as casas do banco, cuja construção presidiu a óptima ideia de proporcionar ao pessoal umas férias confortáveis e repousantes depois de um ano de labuta, junto remetemos 11 fotografias tiradas pelo gerente da Filial".




As 11 fotografias que encontrei no arquivo não estão em bom estado, reproduzem-se aqui talvez as três melhores e que permitem visualizar a pilhagem e destruição que por ali andou.




Num outro dossiê encontrei referência a François Mendy, o dirigente do MLG que andou envolvido nessas façanhas. Trata-se de um comunicado do PAIGC com data de 15 de Novembro de 1963 em que Amílcar Cabral adverte que fora criado em França uma organização destinada a angariar fundos junto dos africanos O fundador do PAIGC alerta para a ladroeira a que estavam a ser vítimas por parte de François Mendy, um vigarista encartado. E assim termina: “Cuidado com os ladrões e traidores que aproveitando a vossa boa-fé vos rouba, assim como ao nosso Partido. Fora com os ladrões da espécie do François Mendy".

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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE MARÇO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18388: Historiografia da presença portuguesa em África (111): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Amilcar Cabral, até parece que calou esse tal de Mendy, e mesmo outros, porque houve mais movimentos.

Mas talvez não tenha passado de uma ilusão.

Pois que, Amilcar ao calar os possíveis opositores, ficou sem saber onde eles se esconderam.

E agora dizemos nós aqui, não se teriam camuflado dentro do próprio PAIGC?

É que aquele "saco de gatos" que é o PAIGC, que não se entende com tantas facções lá dentro e há tantos anos, tem que ter uma explicação, para haver tanta desordem e tanta vontade de se matarem.