O capitão de Abril Gertrudes da Silva;~ comandou a CCAÇ 2781 (Bissum, 1970/72) |
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Os portugueses não conhecem o Diamantino
por Carlos Matos Gomes
As portuguesas e os portugueses não conhecem o Diamantino. Antes do Diamantino também não conheceram o Corvacho, nem o Tomaz Ferreira, nem o Vila Lobos, nem o Ramiro, nem o Ernesto, o Melo Antunes, nem o Varela, o Gomes, nem o Victor, o Crespo, os portugueses não conhecem os portugueses que estiveram no dia 25 de Abril de 1974 no comando das operações na Pontinha, nem nas unidades que tomaram o poder
Nem dos que estiveram em Bissau, em Luanda, ou em Nampula a assumir a responsabilidade histórica de resolver um problema colonial que se arrastava desde a Conferência de Berlim (1884), que fora causa da queda da monarquia, da implantação da República, da entrada de Portugal na I Grande Guerra, da instauração da ditadura em 1926 e de uma guerra colonial de 13 anos.
O desconhecimento desses nomes e o conhecimento de outros, de futebolistas e comentadores de TV, de cantores e de apresentadores de TV, de cabeleireiros e cozinheiros, de alfaiates e famosos das relações públicas representa a glória dos anónimos militares como o Diamantino.
O Diamantino morreu hoje (**). O Diamantino teve um papel decisivo no 25 de Abril, comandando a coluna militar que controlou o centro do país. Os portugueses não conhecem o Diamantino, nem os camaradas que o acompanharam nesse dia e nessa acção. O desconhecimento do Diamantino é a sua maior condecoração. O Diamantino e os seus camaradas fizeram o que fizeram para que os comentadores comentassem, os cantores cantassem, os famosos se exibissem. O Diamantino e os seus camaradas são anónimos para que os portugueses tenham nome e possam tê-lo. O Diamantino e os seus camaradas fizeram o que fizeram para que os portugueses tivessem um serviço nacional de saúde e também um multibanco.
O Diamantino morreu ontem. Nasceu em 1943, na Beira Alta, em Moimenta da Beira. Filho de gente humilde – não se trata de neo-realismo – frequentou o seminário e depois a Academia Militar, onde entrou em 1963. Conheci-o ainda de missal, expressão séria, a sair da caserna para ir à missa. Eu, três anos mais novo, já agnóstico. Nunca falámos de religião, de deuses, de salvação. Respeito. Ele infundia respeito, mesmo quando acreditava no que me merecia radicais oposições: eu dispensava a ideia de Deus, ele ainda a respeitava, não como amparo pessoal, mas como instância de justiça, julgo.
Ao longo da minha vida conheci pessoas extraordinárias. Sorte a minha. O mais extraordinário de
todos, se me perguntarem, Samora Machel. Mas, falando apenas dos que já morreram, conheci também Aquino de Bragança (informem-se sobre a personagem), e Spínola (escrevi sobre ele no Expresso na data da sua morte), e Costa Gomes, e Varela Gomes, e Fernando Salgueiro Maia, e o comissário político da brigada Lister na guerra civil de Espanha, e Santos e Castro, fundador dos comandos e comandante de mercenários, fui amigo do Jaime Neves… e apoiante da Maria de Lurdes Pintassilgo. Fui amigo do Diamantino…
Quando, como é da história, nas revoluções se separam águas entre os que a fizeram, eu e o Diamantino ficámos na mesma margem. Foi depois do 25 de Novembro de 1975. Numa tarde, ou noite clandestina, encontrámo-nos em Viseu, a sua base, a conversar sobre o que era possível salvar, não da esperança, mas da parte do poder que devia caber aos que, sujeitos a séculos de dependências, iniciavam a descoberta da liberdade de decidirem o seu presente e o seu futuro. Poder popular, se não for descoberta outra designação aos sans culottes que, aqui em Portugal, viviam a sua revolução francesa no Portugal rural e eclesiástico após o 25 de abril. O “Comunismo” nos sermões dos padres lúbricos e guardadores de rebanhos.
O Diamantino formou-se em História, em Coimbra. Ele, e um outro destes capitães, também já desaparecido, o Monteiro Valente. Conheci-os, relacionei-me com eles como mais um privilégio que a vida me concedeu. O Monteiro Valente foi o único (julgo) capitão que teve de disparar a sua arma para impor o 25 de Abril numa unidade militar!
A História concedeu a Portugal, aos portugueses que não sabem quem eles foram, o privilégio de ter os capitães dos seus exércitos de terra, mar e ar no local certo, no tempo certo, para realizarem a 25 de Abril de 1974 aquilo que era necessário fazer e foi feito da forma exemplar que a História reconhece como a “revolução dos cravos”.
O Diamantino pertenceu a essa gesta de anónimos capitães que Portugal e os portugueses tiveram a sorte histórica de encontrar generosamente disponíveis e culturalmente preparados para assumirem os riscos de lhes traduzirem os anseios de liberdade e de paz. Ele escreveria ensaios e fições sobre a sua geração.(**)
A morte do Diamantino, capitão de Abril, ocorre no tempo em que emerge do lado de lá do Atlântico, no Brasil a quem tanto nos une, um capitão de negrume, de nome Bolsanaro…um fantasma da História. Figura recorrente de abutre militar…
O capitão Diamantino, que morreu em Viseu, era a face luminosa dos militares de qualquer parte do mundo que estão do lado da História e dos seus povos…
Será enterrado singelamente. Como um militar digno. Com as “sem honras” que a sua vida merece.
Que a semente do seu exemplo frutifique…
[O ex-comandante da CCAÇ 2781, Bissum, 1970/72, capitão de Abril e escritor, Gertrudes da Silva, tem 8 referências no nosso blogue. Infelizmente não temos nenhum representante desta companhia no nosso blogue; a minha sugestão é que este nosso camarada, que foi comandante operacional no TO da Guiné, entre para a Tabanca Grande, a título póstumo.]
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 6 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19076: In Memoriam (329): A Tabanca de Matosinhos vai promover uma homenagem ao João Rebola (1945-2018) no almoço da próxima quarta-feira, 10 de Outubro, às 12h30 no Restaurante Espigueiro (antigo Milho Rei), em Matosinhos (José Teixeira)
(...) Nota de Virgínio Briote:
O Coronel Diamantino Gertrudes da Silva foi admitido na Academia Militar em Outubro de 1962. Nº 1 do Curso de Infantaria, com o posto de Alferes foi mobilizado para Angola (região de Bessa Monteiro), integrado na CCaç 1642.
Em 1970, comandou a CÇAÇ 2781 na Guiné, que esteve destacada em Bissum, permanecendo no território até 1972, data em que a Companhia regressou à Metrópole. Colocado nesse ano em Viseu, no RI 14, aí permaneceu até à véspera do 25 de Abril de 1974. À frente das tropas que conseguiu reunir, deslocou-se para Lisboa e Peniche onde teve acção preponderante no desenrolar dos acontecimentos que se seguiram ao movimento militar.
É autor de várias obras (...)
5 comentários:
António J. Pereira da Costa
OS PORTUGUESES NãO CONHECEM O DIAMANTINO - EXCELENTE TEXTO DO CORONEL
CAV CARLOS MATOS GOMES à MEMóRIA DO CORONEL INF DIAMANTINO GERTRUDES
DA SILVA, ONTéM FALECIDO.
QUE A SUA ALMA DESCANSE EM PAZ...
Recorte do jornal Expresso, digital, com a devida vénia:
Morreu o capitão de Abril Diamantino Gertrudes da Silva
10.10.2018 às 18h27
https://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-10-10-Morreu-o-capitao-de-Abril-Diamantino-Gertrudes-da-Silva
Além do seu papel na revolução de 1974, que derrubou a ditadura, Gertrudes da Silva escreveu vários livros
O coronel Diamantino Gertrudes da Silva morreu esta quarta-feira aos 75 anos, informou a Associação 25 de Abril, destacando a atividade que desenvolveu no movimento dos capitães e nas operações militares da revolução de 1974.
Num comunicado assinado pelo presidente da Associação 25 de Abril, o coronel Vasco Lourenço escreve que Diamantino Gertrudes da Silva foi um "militar de Abril de todas as horas". Vasco Lourenço lembra que "foi o mais antigo dos quatro capitães que em Viseu, no RI14, desenvolveram grande atividade no Movimento dos Capitães", atividade que "alargaram a toda a zona centro, como dinamizadores da conspiração".
"As suas militâncias envolveram então oficiais de Lamego, Guarda, Coimbra, Aveiro, para só referir as mais significativas", acrescenta Vasco Lourenço.
Nas operações militares do 25 de Abril, Gertrudes da Silva comandou a companhia que saiu de Viseu, juntamente com as forças oriundas de Aveiro e Figueira da Foz, tendo um "papel determinante em Peniche", onde controlou o Forte, que então era uma prisão com presos políticos.
Além do seu papel na revolução de 1974, que derrubou a ditadura, Gertrudes da Silva escreveu vários livros.
Também José Eduardo Ferreira, presidente da Câmara de Moimenta da Beira, concelho de onde Gertrudes da Silva era natural, já endereçou condolências à família referindo em comunicado a "grandeza e nobreza de vida e de espírito" do coronel.
A Associação 25 de Abril informa ainda que o velório será hoje na Igreja Nova, em Viseu, e o funeral realiza-se às 16h no cemitério de Vila Nova de Paiva.
Luís Graça: mensagem de hoje, enviada ao Virgínio Briote, coeditor jubilado, às 17:05
Virgínio: lamento a morte de mais um camarada e amigo teu, dos tempos da Academia... Não o conheci pessoalmente, mas há postes teus e dele no nosso blogue...
Temos várias referências ao seu nome (Gertrudes da Silva).
Que achas se o integrarmos na Tabanca Grande, a título póstumo ? Fazes ou apoias essa proposta ? Ele teve alguma interação connosco, e com o Beja Santos, e comandou a CCAÇ 2781 (Bissum, 1970/72)... Enfim, trata-se de mais um camarada da Guiné, ilustre, que "da lei da morte já se libertou"-
Espero que estejas em boa forma.
Abraço, Luis
Morreu o Comandante do AGRUPAMENTO NOVEMBER, que saindo de Viseu, veio à Figueira da Foz para integrar as forças desta cidade e as de Aveiro.
Quando ali chegou, as forças que o deviam aguardar, já tinham partido em direcção a Leiria, onde se encontrara.
Dali seguiram para as Caldas da Rainha, Peniche e Lisboa.
Não consta como membro da Tabanca, mas esteve no lançamento do livro do Beja Santos, na Sociedade de Geografia, em Lisboa.
Até hoje, ainda não consegui entender o que é ser Militar de Abril.
Eu pensava que os militares o eram de Portugal e não de um qualquer mês do ano.
Eu fui, e continuo sendo, um simples soldado de Portugal fiel ao juramento feito.
Mário Dias
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