segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19082: Notas de leitura (1107): “Livro Negro da Descolonização”, por Luiz Aguiar; Editorial Intervenção, 1977 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,

O "Livro Negro da Descolonização", surgido em 1977, ao tempo em que se apostrofava o apocalipse da descolonização, introduzia um elemento novo, hoje completamente abandonado pelos teóricos do ultranacionalismo: tinha-se ultrapassado depois do processo de desenvolvimento operado fundamentalmente em Angola, Guiné e Moçambique, a parti de 1961 a fase colonial, vivia-se o estádio da autodeterminação onde Marcello Caetano recusava a consulta direta às populações. Tivesse havido consulta e outro galo cantaria, diz Luiz Aguiar e todos aqueles que contribuíram para estas mais de 700 páginas profusamente documentadas. A tese foi varrida por múltiplos acontecimentos, jaz numa gaveta da História, mas convém não a esquecer e o que pretensioso ela encerrava, mesmo em 1977.

Um abraço do
Mário


Livro Negro da Descolonização, por Luiz Aguiar (1)

Beja Santos

“Livro Negro da Descolonização”, por Luiz Aguiar, Editorial Intervenção, 1977 é o primeiro documento ideológico em que os ultranacionalistas se apresentam com uma tese sobre os caminhos da autodeterminação ultramarina que teria sido atraiçoada por apressados descolonizadores. São mais de 700 páginas e com muita documentação consultada. Não custa crer que Luiz Aguiar é um nome fictício para uma equipa que trabalhou afincadamente em torno de uma tese. Qual? Diz-se claramente no prefácio:

“Examina-se a situação na Guiné, Angola e Moçambique e mostra-se que, em 1961, além de subdesenvolvimento, havia ainda nestes territórios, colonialismo. A solução, para homens sensatos, não era, porém, a demissão, mas, a partir do muito de altamente positivo que representara a soberania de Portugal, buscar uma sociedade em que não houvesse colonialismo e, paralelamente, levar o efeito, em ritmo acentuado, um processo de desenvolvimento. Mostra-se que estes objectivos foram alcançados antes do 25 de Abril e que em 1974 seria fácil validar a obra realizada, através da vontade das populações destes territórios, validamente expressa”.

Ao longo de todo este longo documento, como aliás é peculiar no pensamento ultranacionalista, não existem tendências mundiais, não houve ventos da História, passa-se à margem do pensamento anticolonialista, houve descolonização apressada para entregar territórios autodeterminados a potências estrangeiras, mormente ao imperialismo soviético.

A tese é seráfica: os erros do colonialismo estavam ultrapassados graças ao trabalho ingente iniciado em 1961, chegara-se a uma fase madura de autodeterminação, mas os atropelos revolucionários inverteram a vontade as populações, permitiram a chegada de poderes tirânicos que estragaram a obra feita.

Segue-se a exposição de factos e a apresentação dos responsáveis, com Mário Soares, Almeida Santos, Melo Antunes, entre outros, no topo. Mas a equipa que dá pelo nome de Luiz Aguiar não deixa de zurzir Spínola e até Galvão de Melo. Não estava previsto no documento-base do MFA descolonizar. E cita-se, não sei com que grau de convicção, o reconhecimento do direito de autodeterminação dos povos coloniais da Carta das Nações Unidas. Afinal, por uma interpretação enviesada da Lei 7/74, de 27 de Julho, passou-se rapidamente do reconhecimento da autodeterminação para a concessão de independência sem consulta das populações. Um dos autores procede a uma vasta leitura jurídica para chegar a tal interpretação.

Spínola não é poupado, cita-se abundantemente o que escreveu em “Ao serviço de Portugal” em que o antigo presidente deplora os largos milhares de mortos, a demissão de unidades militares que se recusavam a combater, o fuzilamento de militares leais à bandeira portuguesa, as teias de cumplicidades entre as cúpulas marxistas da revolução e os militares subversivos. Luiz Aguiar trata-o como um político incapaz, um transigente que abriu a porta aos piores despautérios e a entrega das populações a grupo comunitários.

Mas voltemos à ideologia da autodeterminação em curso. Luiz Aguiar procura demonstrar que não havia exploração dos preços das matérias-primas, como a copra, o amendoim, o algodão ou o sisal, que se ultrapassara o quadro vivido no Estatuto do Indigenato e que Marcello Caetano tivera sérias responsabilidades por não ter compreendido que devia ter havido consulta popular para reduzir a pó os “movimentos de libertação”. O autor diz mesmo que uma década após a eclosão do terrorismo em Angola, os radicados no Ultramar entendiam que já estava ultrapassado o período da colonização, havia que recorrer a uma consulta às populações com base num homem/um voto. Esses radicados no Ultramar teriam recebido com entusiasmo o 25 de Abril, supondo que chegara a hora da autodeterminação.

Numa tentativa de balanço sobre a “descolonização” passa-se em revista o que se passou em Angola, na Guiné, Moçambique e outras colónias. Vejamos como interpretam a situação da Guiné. Luíz Aguiar e a sua equipa estão bem documentados, insista-se. Fala-se na visita dos três membros do Comité de Descolonização da ONU que visitam as “áreas libertadas”, em 1972.

Esses três membros chegam à Guiné Conacri e partem para a região fronteiriça em 1 de Abril, não longe de Guileje, reúnem-se com Pedro Pires, entram em território da Guiné e fazem uma longa marcha na direção Noroeste, atravessam rios por pontes primitivas e perigosas. A 3 de Abril chegaram ao setor de Balana, uma base do exército do PAIGC, quartel-general do Comissário Político. Deixaram a base em direção ao setor de Cubucaré, passam perto do quartel de Bedanda. Em Cubucaré ficaram duas noites, visitaram a escola e pessoas que viviam em 14 aldeias; ao amanhecer de 7 de Abril chegaram à base do Comissariado Político da Região Sul e daqui seguiram para a Guiné Conacri.

Luiz Aguiar faz a seguinte interpretação desta missão: deslocaram-se a pé, mormente pela calada da noite em regiões de floresta e pântanos; o quartel-general do Comissariado Político era constituído para várias tendas e barracas, e este relatório comprova que as pretensas regiões libertadas não eram mais do que áreas onde o PAIGC tinha conseguido a adesão de uma parte da população, onde tinha refúgios, mas onde não exercia a soberania.

E Luiz Aguiar acrescenta que a situação militar na Guiné tinha melhorado a partir de 1968, o direito das populações à autodeterminação levava seguramente a que estas escolhessem outra solução que não a proposta pelo PAIGC. E explana quanto à situação militar no 25 de Abril. Diz ele que se podia afirmar que a guerra na Guiné estava ganha, embora isto não fosse tão evidente como em Angola.
E escreve-se:

“Tinha-se levado a efeito uma descolonização autêntica e estavam garantidas todas as condições para que, através de um processo autodeterminativo, a nossa presença na Guiné não pudesse continuar a ser contestada pelos defensores do direito dos povos à autodeterminação – muitos dos quais vieram depois a mostrar que apenas lhe interessava o avanço da estratégia soviética. Estava criada uma situação que nos permitia submeter a resolução do problema à prova real, que nos dava toda a capacidade de argumentação quando, em face da persistência da actividade guerrilheira, deixássemos de ter como invioláveis os seus refúgios além fronteira”.

Vale a pena recapitular o que traz de novo este pensamento ultranacionalista: nunca se fala no império colonial português, fala-se que o colonialismo dera lugar a um quadro propício à autodeterminação, o que tinha faltado a Marcello Caetano, por ser pusilânime, fora ter recusado a consulta direta para validar a autodeterminação. Políticos oportunistas, militares subversivos e agentes do imperialismo soviético estragaram tudo.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19073: Notas de leitura (1106): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (54) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

BS não msabe quem é Luiz Aguiar, eu também não.

Mas eu tenho um retrato diferente daquele que o Beja Santos faz do Homem.

O BS acha que aquela é conversa de Ultra nacionalistas, de gente que é contra as independências, para continuar tudo a ser português.

Ora nós vemos Luís Aguiar a acusar Caetano porque não aceitou a "consulta directa"às populações, ora isto quer dizer, para mim, que ele próprio fazia parte dessas populações, era branco de 2ª, e era angolano, e queria a independência de Angola, ou seja se fosse um nacionalista, era nacionalista angolano.

Isto eram conversas dos angolanos que queriam as independências, mas não com aqueles movimentos.

São pontos de vista meus, que vejo atravez de corpos opacos.

Viva o BS.