sábado, 26 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19440: Os nossos seres, saberes e lazeres (305): Viagem à Holanda acima das águas (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Em tempo de viagem, com tanta excitação de moinhos e diques, pontes e bicicletas, este espectáculo assombroso que é a ligação entre as diferentes épocas e os seus arrobos arquitectónicos, vale a pena uma ruminação, dar umas voltas à corda do relógio e voltar atrás para rever o que fica indeclinavelmente visto, aqui se está por afeto, uma tentativa de conhecer a Holanda profunda e rever esta arte peculiar, o Século de Ouro mas também o génio moderno de Piet Mondriaan e outros mais.
Aqui fica a ruminação, ainda a viagem não ia a meio.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (9)

Beja Santos

O viandante faz uma pausa, não se pode ver um museu monumental como o Rijks por atacado, aprendeu a lição quando, umas décadas atrás, no tempo em que os museus italianos abriam das 8h30 às 14h, pespegou-se na fila da Galeria dos Ofícios, em Florença, vinha, imagine-se, determinado a ver todos aqueles séculos de pintura, entrou entre os primeiros, começou a querer devorar aquela belíssima pintura a partir dos primitivos, aí pelas 11 horas da manhã veio-lhe uma dor de cabeça monumental, saiu ofegante, daí por diante faz pausas de duas em duas horas, para isso mesmo também há as cafetarias e as lojas de venda, para distrair e os espaços monumentais para espairecer e os bancos para pegar num livro ou num jornal até ter ganas para recomeçar. Medita no que viu, na arquitetura de Leiden, no velho se faz novo, o que foi edifício de corporações, casa de prestígio, e algo parecido, reelabora-se em loja de comércio, dá gosto ver o movimento das embarcações, o holandês não perde pitada pela viagem fluvial, tem muitas vezes a casa com embarcadouro, é um indicador da sua civilização e cultura, como o dique, o moinho, as pontes, a bicicleta, o entrosamento arquitetónico do antigo com os arrojos da modernidade.




Quem acolhe o viandante faz questão de o levar a comer com a família, o núcleo que vive ali perto de Alphen, e assim aconteceu, um senhor que veio de Aragão, de nome Elias, aqui se instalou, casou e neste dia recebe filhas, nora e genro, está prometido um jantar que os portugueses apreciam, uma boa paella, até o vinho vem de Espanha, vamos beber Rioja. Conversa animada, até porque os holandeses são afoitos para o convívio, e naquela noite dois interessados na ciência política, depois de falarem no espectro holandês que tem cerca de quarenta partidos políticos estavam mortinhos de curiosidade por conhecer uma coisa que na imprensa do país dava por nome de geringonça, que termo tão arrebicado, como é que se estava a ter o tal relativo sucesso entremeando a austeridade com o desenvolvimento, explica lá tu que vens dessas berças, o viandante deu as suas opiniões, depois de ter comido e repetido paella, e sempre com o seu copinho de Rioja bem à mão.


O Museu Kröller-Müller está atravessado ao viandante, sabe que não tem condições mínimas para lá voltar, veio por uma escassa semana e os restantes dias estão programados. Aquela coleção ficou-lhe no goto, o diálogo entre a Natureza, aquele edifício derramado, aquela entrada com escultura deslumbrante de obras contemporâneas como este Archipenko, um ucraniano que fez furor em Paris e Nova Iorque, impôs à sua maneira o risco cubista nos seus trabalhos, foi um influenciador por gerações. A colecionadora dera muito apreço aos impressionistas e valorizava a obra de Paul Cézanne, um génio que traçava caminho para os novos rumos da pintura, como se pode ver nesta paisagem, uma estrada a caminho de uma lagoa debaixo da ponte. Enfim, medita o viandante para os seus botões, ainda a procissão vai no adro, há o propósito de repetir.



Os jardins do museu não têm paralelo com tudo o que o viandante já viu, tudo bate certo, entre a escultura do século XIX até à do século XXI. Veja-se este encantador local de arte bruta de Dubuffet, dá pelo nome de “Jardim de esmalte”, que grande beleza, há esculturas que remetem para animais e quando o viandante viu aquela mulher reclinada de Maillol lembrou-se de uma citação um tanto hilariante, um ministro da cultura francês procurou-o como encomenda de uma escultura destinada a invocar a liberdade e a justiça, o mestre estava distraído e depois respondeu ao ministro: “Já sei o que é que vocês querem, uma das minhas esculturas de uma mulher bem anafada, com nádegas gordas e mamas grandes”.




Há lá uma vizinha no prédio de Alphen que faz questão que o viandante a visite, há mesmo chá e biscoitos, pede-se licença para por ali cirandar, e muito mais que as cópias de móveis antigos, festeja-se nesta imagem o gosto pelo florido, há o chavão de que a Holanda é o país das tulipas, mas veja-se o carinho, o viandante deu consigo a pensar nas azáleas açorianas, sentiu-se enternecido pelos arranjos de várias matizes, pumba, tira-se fotografia!


As igrejas holandesas, já ficou dito, capricham pela sobriedade, a Reforma, o calvinismo e o presbiteranismo geraram severidade e grande contenção nos elementos religiosos. Daí a surpresa deste vitral, é obra recente em monumento do passado, torna o templo mais quente, mais acolhedor, o viandante não resistiu a captar o vistoso colorido. Está na hora de regressar ao Rijks de Amesterdão, vamos ao trabalho.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19418: Os nossos seres, saberes e lazeres (304): Viagem à Holanda acima das águas (8) (Mário Beja Santos)

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