sábado, 19 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19418: Os nossos seres, saberes e lazeres (304): Viagem à Holanda acima das águas (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
A visita ao Rijks trazia água no bico, independentemente do viandante não visitar este santuário das belas-artes há muito, a requalificação do museu foi muito badalada, circulou muita documentação na internet, impunha-se a visita; mas havia igualmente que entregar a um estudioso do surrealismo um conjunto de catálogos de um amigo comum, Raul Perez, foi encontro muito aprazível, tanto mais que o viandante tinha tido a oportunidade de ler a correspondência que lhe fora dirigida, bem como à mulher, de nome Frida, por Mário Cesariny, um genial poeta, de costela surrealista.
Aqui fica uma súmula deste extraordinário museu, sobejam razões para aqui querer voltar o mais depressa possível.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (8)

Beja Santos


O Rijks está na lista dos museus mais importantes do mundo, a sua história confunde-se com a identidade do povo holandês, com os acidentes políticos, a presença francesa dos Países Baixos, a Holanda independente, rica e próspera. O Rijks está dentro de um edifício neogótico de belas fachadas, está permanentemente cheio para aqueles que vêm à procura de Rembrandt, Frans Hals, Vermeer, Pieter de Hooch, Jacob van Ruisdal, Jan Steen e Isaac Israels, mas também de outros génios que podem dar pelo nome de Rubens, de Goya, de Van Gogh ou de Picasso. O amante das belas-artes tem aqui de tudo, às centenas, naturezas-mortas, paisagens, retratos, pintura religiosa, histórica e mitológica, cenas de género. É a maldição dos dias contados, o Rijks merece no mínimo uns três dias de fruição, paciência, a viagem nunca acaba desde que o viajante acredite piamente no eterno retorno.




Há anos que o viandante ansiava por regressar a este soberbo templo artístico, o Rijks de Amesterdão, há aqui telas de Rembrandt ou de Vermeer que são Património Mundial, mas o viandante também não desdenha de visitar aqui coleções de doadores com peças soberbas e até arte moderna, como adiante se mostrará. A peregrinação tão ansiada inclui um encontro, como brevemente se descreve. Contada a viagem a um amigo, o pintor Raúl Pérez, ele pede-lhe encarecidamente que leve uns quilitos bem nutridos de catálogos para um outro amigo de longa data, um tal Laurens Van Krevel, um estudioso do surrealismo, poeta, editor consumado e muito mais. Troca-se correspondência e marca-se a uma hora certa um encontro no Rijks. O viandante lera deliciado a correspondência que com este intelectual holandês trocara um dos maiores poetas portugueses da segunda metade do século XX, Mário Cesariny, amigo também de Raul Pérez. Foi o encontro mais aprazível do mundo, primeiro a troca de papéis e lembranças, depois as histórias de Portugal, os projetos, o que cada um anda a escrever, o que o ausente anda a pintar, ele que é um lídimo artista surrealista, detentor de uma obra notável. E tudo aqui fica emoldurado com o Rijks rejuvenescido, nas escadarias, nos elevadores, nos arrojos postos no teto, mostra-se o livro, fala-se de uma amizade marcante e mostra-se a alegria deste encontro. E quando Laurens e Frida quiserem voltar a Portugal o viandante está pronto a dar-lhes guarida. Não podia ter começado melhor esta viagem pelo Rijks.




Rembrandt é o mais poderoso senhor desta casa, não há turista que não o saiba, mas também Rubens, em menor escala, e depois outros génios, caso de Vermeer ou dos mais modernos como Toulouse-Lautrec ou James Ensor. Não se aborrece mais quem contempla estes génios incomparáveis com informação sobre Rembrandt, ele é inconfundível no autorretrato, na configuração dos grandes grupos, na transmissão de estados de alma e de ambientes como no quadro acima referente à noiva judia, o esplendor das cores fortes entre o amarelo e o vermelho, à flor da tela e o detalhe esbatido num ecrã de fundo. Para quê mais palavras?


Vermeer saltou para o ecrã num filme com culto, “A Rapariga com Brinco de Pérola”, tem obra literária por trás, mas o grande público entusiasmou-se com estes jorros sabiamente comedidos de rastos de luz e a organização da mancha. É o caso desta leiteira, fica-se com a ideia que tudo ali tem sábio sentido, retrata-se um mister, a luz coa-se à esquerda e desenha o fundo, o resto é representação de uma mulher em pleno labor e com as cores certas. Uma obra-prima sem mais exclamativas. Um crítico escreveu: “A criada, vestida com o seu vestido de trabalho, com uma touca, está a olhar para baixo completamente concentrada na sua tarefa. A sala é de uma simplicidade acolhedora, na mesa está um pequeno pano azul que condiz com a saia da criada. Junto à tigela está um jarro de porcelana branca e azul, típico de Delft, que contrasta com a rusticidade dos restantes objetos”.


Este magnífico quadro de Rubens versa o tema do Novo Testamento em que São Tomé observa as chagas de Cristo. A anatomia humana era a questão central que prendia a estética de Rubens, a exploração de contraste entre o corpo jovem e o corpo velho, os fundos escuros e neutros, a perfeição da textura. O quadro faz parte de um tríptico, mas o viandante centra-se diretamente neste corpo seminu envolvido por um extraordinário manto cor de fogo.



Este autorretrato de Van Gogh foi realizado um ano após de ter estabelecido em Paris, em 1887. Sem recursos, autorretratou-se, normalmente vestido com a sua roupa de trabalho. Era exigente a revelar a introspeção, parecia um seguidor de Rembrandt. O retrato psicológico atinge o seu auge em obras como esta. E aqui se finda a visita ao Rijks, espero que o leitor se delicie com os quadros que aqui ficam de James Ensor, as suas mascaradas, e Jane Avril, uma das figuras prediletas de Toulouse-Lautrec.


(Continua)
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Nota do editor

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