sábado, 12 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19397: Os nossos seres, saberes e lazeres (302): Viagem à Holanda acima das águas (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Ir à Holanda e não passear nos canais é como ir a Roma e não ver o Papa. Tratava-se de canais especiais, dedos do Reno, o tal rio que vem da Suíça e atravessa seis países, desaguando perto de Roterdão, foi neste braço do rio que se foi avistando terra, casario, reservas naturais, a perfeita sintonia que o holandês estabeleceu entre terra e água.
E começou o dia de Amesterdão, no Rijks, onde está a melhor coleção de pintura holandesa de todo o mundo. Embora o Rijks não se confine à pintura holandesa, aqui se pode encontrar Goya ou Van Gogh, loiças, joias, arte oriental, um pedaço do mundo.
Começou-se cedo porque o programa da tarde era também promissor: conhecer finalmente a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, uma outra dimensão da portugalidade; e calcorrear Amesterdão, passeio obrigatório.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (7)

Beja Santos

O polo irradiante destas viagens situa-se na Holanda do Sul, uma povoação em cujo nome se diz “sobre o Reno”. Quando se desenhava a viagem, o viandante foi ver os mapas, o Reno, a sua corrente principal, desagua perto de Roterdão, juntou-se ao Mosa; mas há um braço que anda por aqui perto, naturalmente que gerou vida, os holandeses, que têm uma densidade populacional fora de série, não iriam fazer do Reno um estorvo. Até serve para passear. É isso que o viandante vai fazer, mete-se numa embarcação turística e vai ver pólderes, estradas campestres, muito arvoredo, área habitacional junto às águas, passa-se por reservas naturais, e algo mais.




O viandante já entabulou conversa com um português aqui residente, imagine-se que veio do concelho das Caldas da Rainha e já não imagina viver fora deste mundo, justifica que os patrões holandeses trabalham no duro, não falham na segurança social e têm um trato afável. Esta viagem parece uma insignificância, assume uma grande importância para o viandante, é uma outra dimensão da vida quotidiana deste país de alta tecnologia, de agricultura próspera, país plano com arquitetura de caráter e muitas bicicletas. É caudaloso este braço do Reno, manso, cheio de tráfego doméstico. O dia começou ensolarado, agora não tanto, é um céu com tons cinza, a deslavar-se, mas a viagem é magnífica.




Numa das primeiras viagens que fez ao país, ainda na década de 1970, o viandante adquiriu um desses livros de apresentação geral, polícromo, a mostrar as gentes, os canais, a estreita comunhão entre a cidade e o campo, a preservação e a limpeza. São aspetos que não se diluíram, o que neste momento o mais entusiasma é este viver à beira-rio, o saber extrair todas as vantagens, e mesmo nas áreas de grande densidade há algo que nos assombra: as casas têm janelas que parecem montras, talvez seja a ânsia do aproveitamento da luz e a quase certeza de que a bisbilhotice, a existir, é uma tolice dos outros, nós por cá todos bem.




Foi uma bela passeata, e moinhos não faltaram. O viandante viaja em companha e perguntou a quem de direito se se podia agora fazer por terra um outro tipo de digressão, os tais diques, os pólderes, os caminhos conquistados ao mar, moinhos a funcionar. Houve pronta aquiescência, não há holandês que não se orgulhe da obra feita na permanente tensão do homem entre a terra e o mar. Vamos lá, consola-te porque esta é a Holanda profunda, a dos cereais, a que dá flores, pastos úberes, laticínios de excelência, sempre com a trade mark de um mundo antigo, aperfeiçoado pelo moderno.


Hoje começa o quarto dia de viagem, sobrecarregado de manhã ao fim da tarde. Pelas oito da alva, autocarro para Amesterdão, é o tão auspiciado regresso ao Rijksmuseum, e hoje há uma importante surpresa a acompanhar a visita: encontro com o escritor Laurens Van Krevel, de quem recentemente se editou a correspondência recebida de Mário Cesariny, o viandante vem entregar-lhe uns bons quilos de catálogos de um amigo comum, o pintor Raúl Pérez, é certo e seguro que hoje se vai falar do surrealismo, Van Krevel foi editor da mais importante publicação holandesa do surrealismo à escala internacional.


O que atrai, que íman tem este edifício? Está aqui a melhor coleção do mundo das pinturas dos mestres holandeses, o seu ponto culminante é o século XVII. O Rijks esteve uns anos fechado para requalificação, não se destruiu o que ele tem de essencial, criou-se conforto, alterou-se a luminosidade, embelezou-se a galeria de honra, a “Ronda da Noite” tem agora outro realce. Se Rembrandt é o grande patrono, não podemos descurar Frans Hals, Ruysdael, Paulus Potter, Jan Steen e Vermeer, o da leiteira, da mulher a ler uma carta. Vamos entrar!




Aqui se faz um alto, esta é a suprema iconografia da casa, o viandante anda à procura da melhor posição, aglomeram-se estudantes, desenhadores, turistas, guias falam em diferentes línguas, dá para perceber que para muitos não é o que há de mais genial em Rembrandt, mas não se esconde tratar-se de uma cenografia ímpar, um movimento de gente da milícia, e aquela luz esplendorosa, um quase holofote que impulsiona a dinâmica visual. Por aqui começou a visita, dentro em pouco o viandante vai encontrar-se com um grande amigo holandês de Mário Cesariny, um dos grandes poetas portugueses entre os maiores, do século XX.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19368: Os nossos seres, saberes e lazeres (301): Viagem à Holanda acima das águas (6) (Mário Beja Santos)

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