domingo, 6 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19370: Manuscrito(s) (Luís Graça) (149): O último pôr do sol... nas Azenhas do Mar














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Fotos (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição : Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]



Um gajo não é uma merda, camarada!

por Luís Graça

Um gajo tem de acreditar que amanhã não é outro ano, 
mas apenas um outro dia,
mais um outro dia.

Um gajo tem de ter fé nos gajos que inventaram o calendário
e que dizem que amanhã é terça-feira,
dia 1 de janeiro de 2019.

É bom seres circadiano,
para não andares zonzo todo o ano,
e para poderes pensar que amanhã é outro dia.

Um gajo tem de poder vislumbrar uma nesga de luz
por entre as persianas da janela
do quarto escuro.

Um gajo tem de poder negar a visão do mundo 
como um quarto escuro.
Ou vermelho, quando tinhas sarampo, sarampelho,
que sete vezes vinha ao pelo.

Um gajo, mesmo sem fé,
agnóstico, não-crente, desalinhado, desformatado, 
tem de saber lidar contra a claustrofobia
do mundo feito quarto escuro como breu.

Um gajo, até mesmo ateu,
tem de alimentar a secreta esperança
de que o vento da infelicidade dos povos
vai mudar de direção.
Não rezes mais ao teu irã, Guiné!

Afinal, por que é haverias de soprar sempre na mesma direção,
ó grande irã ?!
No alto do poilão da nossa tabanca, 
não passas afinal de um catavento,
tanto te viras para Seca como para Meca.

Um gajo não é de ferro,
mas aguenta com raios e coriscos.
Como aguentou com a metralha da guerra.

Um gajo até pode ser de ferro, como os "rangers",
mas também oxida.
E pode ficar louco
só de pensar que amanhã não é outro dia,
ou pode não ser outro dia!

Um gajo, camarada, não é uma merda
como te queria fazer crer 
o sacana do teu instrutor militar em Tavira.
E como às vezes te segreda
o parasita do  irãzinho mau que se aloja no teu cocuruto.

Um gajo não é um herói, muito menos um deus.
Afinal, és melhor, camarada: 
és um homem, 
que tens de saber dar corda  aos sapatos e ao coração, 
e que és capaz de parar um segundo frente ao pôr do sol,
e tirar um autorretrato instantâneo
e, como um bom franciscano, 
dizer ao deus-sol:
-Até amanhã, camarada, amigo, irmão!

Azenhas do Mar, 31 de dezembro de 2018.

Luís Graça
v3


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3 comentários:

Anónimo disse...

Luis Graça, bom final e melhor principio de ciclo.Bom safanão a apelar ao brio e ao coração.Creio que chegastes a todos desde o ceptico ao mais crente.Bem Hajas abraço
fraterno.Carlos Gaspar

Valdemar Silva disse...

Isso mesmo.
Um gajo até pode ver um areal nas Azenhas do Mar.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Só hoje tive tempo para comentar este belo conjunto de imagens, e este maravilhoso poema, afinal um gajo não é uma merda, meu irmão!

Estive uma ou duas vezes nas Azenhas do Mar, e consigo lembrar-me dos penedos, as casas empoleiradas, bonitas, arranjadas.
E esta imagem do ultimo por de sol de 2018 é fantástica, foi tudo programado para lá estares à espera, certo?

O tempo ajudava, o sol estava brilhante em toda a parte.

Mas há muitos anos que não viajo mais para esses lados, talvez um dia vá a Lisboa à minha irmã, e depois peço ao meu cunhado para me levar até as Azenhas do Mar, ele conhece isso tudo, viaja muito pelos arredores de Lisboa, todos os dias, não faz agora mais nada, e está só, ele e ela, os filhos, conjugues e netos estão todos na 'Europa'.

Abraço, Virgilio Teixeira