segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19402: Guerra colonial - cronologia(s) - Parte II: A nova "união sagrada": "A Pátria deve estar, em todas as circunstâncias, acima do regime"... mas "o regime [também] deve estar, em todas as circunstâncias, à altura da Pátria" (Diário de Lisboa, 18 de março de 1961)



[Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Pasta: 06541.079.17211 > Título: Diário de Lisboa > Número: 13743 > Ano: 40 > Data: Sábado, 18 de Março de 1961 > Directores: Director: Norberto Lopes; Director Adjunto: Mário Neves > Edição: 2ª edição > Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine", "Diário de Lisboa Juvenil" > .Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos. (Com a devida vénia...)


Citação:
(1961), "Diário de Lisboa", nº 13743, Ano 40, Sábado, 18 de Março de 1961, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_16336 (2019-1-9)



1. Uma espécie de  "união sagrada", 45 anos depois do 13º governo da I Primeira República, liderado por António José de Almeida para fazer face à declaração de guerra da Alemanha em 1916 contra Portugal...

"A Pátria deve estar, em todas as circunstâncias, acima do regime"... mas "o regime [também] deve estar, em todas as circunstâncias, à altura da Pátria" (Diário de Lisboa, 18 de março de 1961). A nota do dia ("O mal e a caramunha"), do "Diário de Lisboa", de 19 de março de 1961, deve ser entendida como "uma no cravo e outra na... censura". O jornalista Norberto Lopes, desassombrado, transmontano, conhecedor de África (, contrariamente ao Salazar...), não pode deixar de ser o autor desta espécie de "editorial", disfarçada de "nota do dia"...

Jornal independente, conotado com as correntes ditas moderadas da chamada oposição democrática ao Regime do Estado Novo, o "Diário de Lisboa" era um dos jornais mais vigiados pelos coronéis da censura... Daí não surpreender este apelo, subliminar, não já a uma "nova união sagrada", impensável com Salazar, mas a um pacto (provisório) de regime para o país, em uníssono, dar uma resposta firme e imediata à insurreição desencadeada pela UPA  - União dos Povos de Angola (mais tarde, FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola] no norte de Angola...

Salazar teve de resolver alguns "problemas domésticos" (e nomeadamente a tentativa de golpe de Estado palaciano do seu ministro da defesa, o gen Botelho Moniz, que ingenuamente esperava o apoio dos americanos...),  antes de tentar galvanizar e mobilizar a Nação para a resposta, já tardia, que as populações angolanas exigiam: a frase histórica, "Para Angola, rapidamente e em força" é  de... 13 de abril de 1961... E o primeiro continente para reforço da guarnição militar de Angola só lá vai chegar em 1 de maio de 1961: "Chegada a Luanda dos primeiros contingentes transportados por via marítima [BCAÇ 88, BCAÇ 92, CART 85, CART 86, CART 87, CART 100]." (1)

O seu primeiro biógrafo, académico,  historiador encartado, mas "estangeirado", diz  seguinte sobre ele, Salazar:

"Sobre o prisma da retórica do regime, o maior fracasso de Salazar ao longo das suas quatro décadas no poder terá sido a sua incapacidade de proteger a população branca e os seus trabalhadores no Norte de Angola em 1961". 

(In; Menezes, Filipe Ribeiro de  -  Salazar : uma biografia política ; trad. do ingl.,  Teresa Casal. Alfragide : Dom Quixote,  D.L. 2014, [Expresso], vol . 6, p. 13.)

De qualquer modo, parece que ninguém estava preparado para a guerra que se seguiu, guerra colonial para uns, guerra do ultramar para outros.. Não apenas o exército português, como os movimentos nacionalistas que reivindicam hoje o protagonismo da história da luta pela independência de Angola: o MPLA em 4 de fevereiro, a UPA em 15 de março de 1961, sem esquecer a Unita (que surgirá mais tarde)...

Por outro lado, em 1961, o regime beneficiou do "efeito de choque" que foram as notícias, trágicas, que chegavam de Angola, com algum atraso, à metrópole, e que alguns tiveram mais "liberdade" do que outros para publicar... (A censura tinha vários pesos e medidos, conforme os jornais diários, a maioria "afeta" ao poder vigente: O Século, o Diário de Notícias, etc. Apesar de 1961 ser o "annus horribilis" de Salazar, terá havido um certo  cerrar de fileiras das elites políticas, incluindo as do "reviralho", à volta do "para Angola, rapidamente e em força"... E o tema tornou-se "tabu"... A malta do "reviralho" bem quis levantar, timidamente, o "problema do ultramar" nas eleições de 1965 para a Assembleia Nacional, mas levou logo nas orelhas, e enfiou a viola no saco, deixando a União Nacional a falar a uma só voz... Até outubro de 1969...

Nessa época, em março de 1961,  muitos de nós, ainda usavam o bibe da escola e jogavam ao pião... Acabou também para sobrar, "aquela guerra",  para nós que nem sequer sabíamos onde ficava o "ultramar", Nambuangongo ou Guileje, Pedra Verde ou Fiofioli ... LG
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Nota do editor:

Último poste da série > 9  de janeiro de  2019 > Guiné 61/74 - P19385: Guerra colonial - cronologia(s) - Parte I: 1961, Angola

2 comentários:

António J. P. Costa disse...

Pois é, Camaradas
Às vezes fugia-lhes a boca para a verdade.
Um Ab.
António J. P. Costa

Fernando de Sousa Ribeiro disse...

O jornal O Século não era afeto ao poder vigente. Assumia-se como jornal da oposição republicana, mas a verdade é que essa oposição não se notava muito nas páginas do jornal... A mesma linha editorial era seguida pelo diário portuense O Primeiro de Janeiro, pelo Diário de Coimbra e, curiosamente, também pelo diário mais lido em Angola, chamado A Província de Angola. Creio, mas não tenho a certeza, que o jornal Notícias, de Lourenço Marques, afinava pelo mesmo diapasão. Seja como for, nenhum destes jornais era tão abertamente oposicionista como o Diário de Lisboa ou o República, nem pouco mais ou menos. Quanto ao Diário de Notícias, esse sim, era clamorosamente favorável ao regime. O mesmo se passava com o Jornal de Notícias, do Porto. Quase podemos dizer que estes dois jornais eram "mais papistas do que o Papa".