sábado, 26 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20277: Os nossos seres, saberes e lazeres (361): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Finda a primeira etapa na Caldeira das Sete Cidades, impunha-se a rememoração de lugares e pessoas em Ponta Delgada, antes de partir para outro cenário edénico. Não se vive impunemente num lugar pouco menos de seis meses, aqui se deixaram raízes, amizades inquebrantáveis, esvoaçam lembranças de muito boas companhias.
Este Museu Carlos Machado é uma pérola de cultura, de zelo e de bom tratamento museológico e museográfico. Que quem visite São Miguel ou pelo menos Ponta Delgada não perca a ocasião de desfrutar este museu que fala da alma açoriana e da sua universalidade. Esta Ponta Delgada é sempre um desfruto para o viandante, é-lhe familiar, não raro toca uma campainha para espantar gente com quem conviveu há mais de cinquenta anos atrás, e experimentar assim um acolhimento sem paralelo, tão típico das gentes das ilhas.
Bastava este dia e estes reencontros para abençoar o regresso sempre tão desejado a São Miguel.

Um abraço do
Mário


A minha ilha é um cofre de Atlântidas (3)

Beja Santos

Assim findou a estada na Caldeira das Sete Cidades, o viandante vai apanhar a “carreira” para Ponta Delgada, será dia de revivências, quem ali aportou nos idos de outubro de 1967 rapidamente se procurou inserir no meio, fazendo amigos, buscando antros de cultura, indagando onde se via cinema ou se fazia teatro, e algo mais. No centro da cidade, num convento, de nome Santo André, em 1876 o Dr. Carlos Machado abriu ao público o Museu Açoreano, dele vamos falar. Antes, porém, agradecemos à potência celestial este céu enevoado onde o sol tenta expor-se irradiante, sem sucesso. Uma imagem que pode suscitar leituras imprevidentes, talvez um tornado à solta, um abismo cataclísmico, uma imaginação febril pode até antever uma erupção vulcânica. Nada disso, é uma manhã costumeira, o céu vai forrar-se, ficará plúmbeo, um céu dos Açores.


O museu hoje chama-se Museu Carlos Machado, tem ainda umas reminiscências de museu escolar, como foi concebido, o Dr. Machado pelava-se pela História Natural, comprovadamente presente, desde cachalotes e baleias até insetos. O museu foi crescendo ao longo do século XX. O viandante quando aqui chegou há meio século, achou-o estimulante mas soturno, de uma museologia convencional. Hoje está tudo diferente, as temáticas bem seriadas, a museografia a funcionar em pleno, é bem agradável o diálogo entre a arte religiosa, as marcas do mar, as belas-artes, as mensagens para a etnografia regional. O viandante ainda se lembra da primeira visita, do amplo espaço concedido aos objetos do quotidiano doméstico, às peças ligadas às atividades marítimas e agrícolas. Agora entra-se no museu e esta figura impressiona, dominava a popa de um navio, é a primeira ligação a esses Açores de longos mares.



Quem aqui vier, traga tempo e abertura para o multicultural, há muitas marcas do tempo, das espécies aquáticas, de objetos africanos, houve doadores de arte sacra e etnografia conventual. Quem aqui vier, interrompa o olhar de vez em quando, passe pelo claustro, contemple os céus, ponha os pés na igreja ou suba o coro, são visões complementares.





Quem vem ao Museu Carlos Machado prepare-se para uma viagem fora de portas. Que quem aqui se encontra sente-se enquadrado pelo espaço conventual, uma bela museologia e uma competente museografia põem o visitante a conversar em vários tempos, espaços, entre a ciência e as belas-artes. E há muito desvelo, repare-se como tudo está restaurado. Ao tempo em que por aqui andou o viandante lhe foi recordado que tinha que ir ver a secção de Arte Sacra a um outro espaço, a igreja do Colégio dos Jesuítas. Pena era que o Núcleo de Santa Bárbara, bem pertinho do Museu Carlos Machado não estava facultado ao público, montava-se uma grande retrospetiva do maior escultor açoriano do seu tempo, Canto da Maia. O viandante nem pestanejou, voltou a subir e a descer os diferentes andares deste Convento de Santo André, a mirar e a remirar. É um grande museu, oxalá que quem visite a cidade esteja informado deste potencial da cultura açoriana, sempre a falar português.




É entre subidas e descidas, entremeando pássaros e peixes, alfaias religiosas e armários de entomologista, que o viandante se depara com este surpreendente quadro azulejar da caldeira das Sete Cidades, fica-se mesmo a pensar que estaria exposta num ponto alto, talvez no Pico do Rei, que foi restaurado, e está num lugar merecido, protegido das inclemências do tempo.




Aqui se interrompe a viagem, ainda há umas secções para visitar, mas deixa-se a recordação de um parlatório, as monjas podiam conviver com gente de fora, mas havia o limite da grade, se alguém visitava e trazia comes e bebes, estes eram inspecionados noutro local. Aqui era só para conversar, os profanos viam, ouviam, sem poder almejar a vida de orações, de trabalhos, de penitência. E por aqui ficamos, repetindo que há muito para ver, desde arte sacra a brinquedos, espécies em pedra, uma igreja gloriosa, temos aqui um modo de discernir a ciência e a cultura metodicamente zeladas no universo açoriano.


(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 19 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20257: Os nossos seres, saberes e lazeres (360): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Cada vez que vejo uma imagem da Virgem com o Menino Jesus nuzinho, surge-me sempre à ideia a resposta que Saramago deu, a um assistente numa sua conferência em Compostela, quando foi questionado sobre ele por em causa a concepção de Jesus.
-Se Xesús foi concibibo polo Espírito Santo Divino por que naceu cun botón de barriga, respondeu Saramago.

Valdemar Queiroz