A G3 E A INGRATIDÃO
Caros camaradas,
Vieram há tempos notícias de finalmente a G3 ia ser substituída no Exército Português.
A notícia tem o valor que tem, uma vez que a nós que carregamos com ela quase três anos isso agora para além do valor sentimental já não nos afecta. Decerto as milhares de G3, que foram usadas por nós já devem ter sido vendidas há muito tempo para alguns conflito regional, onde lhes continuaram a dar uso. Se assim não fosse muito me admiraria.
Tive três: Uma na recruta, outra na especialidade novinha em folha, finalmente a última com que privei na Guiné e fez precisamente no dia 1 de Dezembro 47 anos, que a usei com intuito de me defender de um ataque ao arame.
Por estranho que pareça a que me foi dada no Cumeré e que usei em zona de conflito, era a mais velha de todas com coronha mais protector do cano em madeira, a tinta preta mate que compunha a camuflagem evitando brilhos incómodos que já tinham passado por melhores dias. Julgo que era uma arma de 1962 por isso, com dez anos quando me chegou às mãos. Ao que julgo as armas também não se querem velhas.
Mas pronto, isto tudo para dizer que quando a entreguei foi um alívio e que até hoje não senti saudades. Compreenderei que este meu desprendimento cause a impressão de que eu sou mal-agradecido a muitos camaradas, que por alguma razão a idolatram por serviços prestados aos mesmos, mas opiniões são opiniões e eu, nunca escondi que preferia ter tido uma arma mais pequena, mais leve e com maior cadência de tiro para as eventualidades.
Será quase como ter saudades da caneta de molhar no tinteiro da escola primária, quando já temos uma caneta de tinta permanente mal comparado mas é um bocado assim. Mete algum dó ver os nossos militares em zona de conflito a correr atrás dos insurgentes em África, armados com aquele artigo já na linhagem dos canhangulos com dezenas de anos e não tem comparação com o moderno e sofisticado equipamento do exército, que parecem ombrear com a Guerra da Estrelas “Star Wars em amaricano” onde só os manhosos dos Jedi usavam uma arma “espada” que parece mais antiga que a G3.
Mas finalmente parece que é desta, tendo em conta que ainda lá estávamos e já se falava na sua substituição, se entretanto não for agora, será noutra altura, porque a esperança mesmo que legitima e a pressa não combinam.
Não verterei uma lágrima
Não tenho saudades de ti
Do desconforto do teu peso
Da forma como me sacudias o corpo
Do teu tamanho nada maneiro
Não prometeram melhor, bem sei
Mesmo assim dormi contigo na cama
Levei-te ao Libanês e comi contigo à mesa
Limpei-te e acariciei-te
Nunca esperei grandes veleidades
Só desejava que ao menos não me falhasses
Um dia meteste-me em trabalhos
Disparei-te sem querer
Surpreendias-me sempre com o teu estampido
Foi para o ar, mas mesmo assim imperdoável
Qual cavaleiro justiceiro o Castro, empunhou a bengala
Um brado ecoo pelo terreiro - estás lixado pá
Mas a bengala parou no ar
Castigado com reforços lá estiveste ao meu lado
Ingrato, entreguei-te para abate
A partir daí pude andar com as mãos nos bolsos
Nunca mais em ti pensei
Mesmo com o carregador sem balas
Imagem que perdura vi-te dar flor
Esta imagem que te reaproxima de mim.
No dia inicial e limpo*
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*Excerto do poema de Sofia de Mello Andersen, "25 de Abril"
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas'
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Nota do editor
Último poste da série de 15 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20457: Blogpoesia (650): "Igreja Matriz", "Palavras perdidas" e "Diametralmente oposto", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
22 comentários:
Juvenal, antes de mais, parabéns por estares a saber lidar, com inteligência e coragem, com a tua inesperada doença crónica que, espero bem, hás de levá-la contigo para o Olimpo dos Heróis, quando chegar a tua vea: uma Miastenia Gravis (que raio de nomes os médicos inventam!) que te levou 12 dias para o hospital onde conheceste, pela primeira vez, o luxo de uma cama articulada...
Escreveste um belo texto que merecia mais atenção dos nossos leitores... Aqui fica, mais abaixo, o link.
Encontrámo-nos no incío desta semana, no Centro Comercial Allegro, pro mero acaso. E eu tive oportunidade de conhecer o teu neto e a tua esposa. Afinal, somos vizinhos, tu na na Reboleira e eu em Alfragide, mas no formigueiro da cidade não é fácil a gente encontrar-se na rua...
Olha, fiz figura de urso porque, confesso, não tinha ainda lido o teu poste, editado pelo Carlos Vinhal. TIveste que me contar, timm por tim, este episódio clínico recente que, apesar de tudo, não te tirou a alegria de viver. Fiquei feliz por te reencontrar. Já está feita a "prova de vida"...
Também um é texto de esperança e gratidão, oportuno, numa altura em que toda a gente bate no Serviço Nacional de Saúde (SNS)... É verdade, Juvenal, só damos valor à saúde e à liberdade, quando as perdemos.
(...) "Por ultimo a forma como fui tratado e vi tratar. A excelência dos cuidados prestados por médicos, enfermeiras, auxiliares, de um sistema hospitalar cheio de deficiências e carências tão propaladas por bem intencionados e por muitos mais pelos mal intencionados, onde os profissionais fazem milagres com o que têm. O seu sorriso, carinho e palavra amiga, são parte das melhores recordações que guardarei para sempre.
Lembrei-me das campanhas muitas vezes mesquinhas e ignorantes, que contra o Serviço Nacional de Saúde fazem e querem acabar com ele. Meus camaradas e amigos, é preciso defendê-lo por nós e pelas nossas famílias. A saúde e a liberdade só lhe damos valor quando as perdemos. (...)
12 DE NOVEMBRO DE 2019
Guiné 61/74 - P20336: Blogoterapia (293): Neuro II - Quarto 7 - Cama 14, ou as camas por que passamos ao longo da nossa vida (Juvenal Amado)
Juvenal, o teu poste sobre a G3 dá pano para mangas...É verdade, foi descontinuada, substituída por nova arama, a SCAR, "nais leve e robusta"... Veio nos jornais em setembro passado.
FORÇAS ARMADAS
Adeus, G3, olá SCAR. Substituição era “imperativo de modernização”, diz Costa
As novas espingardas SCAR vão começar a ser utilizadas em Janeiro de 2020.
Lusa 16 de Setembro de 2019, 15:36
https://www.publico.pt/2019/09/16/politica/noticia/antonio-costa-substituicao-g3-imperativo-modernizacao-1886794
Sefundo uma notícia da Lusa, reproduzida em 16/9/2019, por vários jornais, "a espingarda automática ligeira SCAR (sigla em inglês de Special Operations Forces Combat Assault Rifle) é considerada uma das mais modernas armas actuais, o apresentar maior rapidez, precisão, versatilidade e alcance nas operações e também simplicidade no seu manuseamento, segundo o Exército.
"Ao pesar 3,7 quilogramas, é mais leve do que a G3 (4,4 quilogramas), o que permite aos militares transportarem maior quantidade de munições."
https://www.publico.pt/2019/09/16/politica/noticia/antonio-costa-substituicao-g3-imperativo-modernizacao-1886794
NO passado dia 1o de novembro, o "Público" publicou um notável dossié sobre a G3 e a história de Portugal. O Fernando Calado mandou-me um recorte digitalizado, mas é um muito extenso, e também não o posso publicar aqui por causa dos direitos de autor... Quem assinar o "Público" "on line", pode ler esse extenso trabalho de pesquisa aqui:
https://www.publico.pt/2019/11/10/politica/noticia/g3-riste-povo-entrou-historia-1892764
FORÇAS ARMADAS
De G3 em riste, o povo entrou na História
Durante quase meio século, a G3 foi a arma dos soldados portugueses. Fez a Guerra Colonial e o 25 de Abril, marcou o último ciclo do império português. Tornou-se ícone, lenda e objecto de um culto difícil de explicar. Por ser uma arma distribuída por todos, foi como se, de G3 em riste, o povo tivesse entrado na História, como protagonista. Não isento de culpa, na guerra, nem de heroísmo, na libertação. Agora, a G3 sai de cena.
Paulo Moura (texto) e Marco Neves Ferreira (ilustração) 10 de Novembro de 2019, 7:04
Sobre a G3 temos quase 30 referências no nosso blogue... Espero que os nossos leitores comentem o poste do Juvenal... Afinal, já houve aqui grande trocas de argumentos sobre a G3 e a sua rival, a maldita Kalash...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/G3
O Albuno Silva (Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70) fez-lhe uma declaração de amor, em verso... A G3 era a sua bajuda...
19 DE JULHO DE 2011
Guiné 63/74 - P8572: Blogpoesia (153): Na Guiné, com a minha bajuda (Albino Silva)
E eu na altura comentei:
A propósito desta "erotização" poétioa da G3, "inseparável companheira" do combabente, veja-se o poste de
9 de Janeiro de 2011
Guiné 63/74 - P7579: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (6): Evocando a G3...., em dia de aniversário da nossa amiga Cristina ! (Luís Graça)...
Na altura escrevi o seguinte:
(...)" As fotos que acima publicamos, de verdadeira declaração de amor à G3 e demais acessórios de qualquer atirador de infantaria (cinturão com 4 cartucheiras, com 20 munições cada, de calibre 7,62; baioneta; cantil; faca de mato; granada ofensiva e defensiva...) devem constar em milhares de álbuns de camaradas nossos que passaram pelo TO da Guiné e que tratavam religiosamente o seu álbum fotográfico...
Devem-se ter vendido milhares de fotos destas. Nunca tive álbum fotográfico, nem mandei, para a metrópole, nenhuma foto destas... Nem sei se a malta mandava fotos destas, pelo correio, às namoradas, madrinhas de guerra, irmãs, mães, amigas...
Aqui a G3 aparece como um verdadeiro fétiche, um talismã, um escudo protector, uma companheira inseparável: andámos juntos, fomos unha com carne na Guiné, amei-te muito, devo-te a vida, jamais te esquecerei...
Em termos físicos, simbólicos, psicológicos e até culturais, a G3 é, antes de mais uma figura feminina, uma arma de defesa; é uma amante, mas também uma mãe: não sei se a interpretação... algo freudiana, é abusiva; para outros combatentes, poderia ser vista também sob uma perspectiva mais falocrática: uma extensão do nosso corpo, a nossa "canhota", o nosso pénis mortífero." (...)
Parabéns ao nosso poeta Albino Silva!... Estas quadras deverão figurar na antologia poética do nosso blogue, que um dia ainda deveremos organizar e publicar, se para tanto não nos faltar o engenho, a arte, a saúde e algum... patacão!
É verdade, havia gajos a "galar" a Kalash...Ciúmes, paixão ?
Temos quase 20 referências à Kalash no nosso blogue...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Kalash
E até temos um descritor, "pouco patriótico", a Kalashnikovmania... É muito "português", afinal "a galinha do vizinho é sempre melhor que a minha"...
As tropas especiais na Guiné usavam a Kalash... Perguntem-lhes porquê...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/kalashnikovmania
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/kalashnikovmania
Caros amigos
O que o Juvenal aqui nos relembra é, sem dúvida, a relação de "amor-ódio" que (quase) todos temos, ou tivemos, com essa arma.
"Amor" para os que com o seu auxílio afastaram os perigos, mesmo que desconhecidos.
"Ódio" para os que, por qualquer razão (ou pretexto), tinham relutância na sua "relação" com ela.
Haverá ainda, e também, os que prefeririam uma "melhor".
Mas é assim a vida! De repente há uma "coisa", depois há "outra".
Seja como for, gostei de ler este texto e a poesia.
Ah, é verdade, e também por ser uma "prova de vida" do "Juve", como carinhosa, mas também semi-provocatoriamente às vezes lhe chamo, por causa da sua (dele....) "inclinação" sportinguista!
Hélder Sousa
Pois foi José Belo
Delas nunca mais se ouviu falar
Lá diziam que estavam em boas mão
Nunca se confirmaram
A meu ver nessa condição!!
Helder
O meu Sporting será o primeiro a levar criminosos à justiça, acabou com o apoio às claques organizadas que são uma incubadoras de malfeitores, não só as do Sporting.
Mas isto do de ser do Sporting é mais familiar do que fixação e sendo mantenho uma prodente distância. :-)
Um abraço
Eu, na EPC-Santarém, fiz a recruta e Juramento de Bandeira com Mauser.
A especialidade, na EPA-Vendas Novas, já foi de G3.
Com a G3 havia um 'ombro arma' na Artilharia diferente do da Infantaria.
Na Infantaria o 'ombro arma' era efectuado a partir da posição de 'sentido' elevando simplesmente a G3, na Artilharia o movimento era o mesmo mas finalizado com um batimento lateral contra a parte superior da perna, e foi exatamente com este 'ombro arma', o executado pelos recrutas (futuras CART11 e CCAÇ12) no Juramento de Bandeira, em Bissau. Manga de ronco, houve um grande treino para se produzir o efeito geral de único batimento por toda a Companhia.
Todos nós recordaremos a G3, alguns já se esqueceram de todo, outros haverá que nunca se esquecerão da 'grande companheira' e há aqueles que, por causa da 'queda na máscara', ficaram com a sua marca nos queixos para sempre.
Já agora uma dúvida: para que servia o orifício no manipulo de puxar a recuperação da culatra?
Abraços
Valdemar Queiroz
Kuvenal:
Obrigado, mais uma vez, pela oportunidade do teu texto, sobre a G3 que, ao fim de mais de meio século, vai ser substituída, já em janeiro de 2020, pela SCAR (sigla em inglês de Special Operations Forces Combat Assault Rifle)...
Dei conhecimento a alguns (mais de 30) dos muitos camaradas que, ao longo do tempo, têm escrito sobre a arma que equipava os "infantes" no nosso tempo...
Há recordações que virão ao de cima... Espero que a malta comente, se bem que a quadra natalícia não seja a mais propícia para falar de armas e de guerra...
Também aproveitei para desejar "Boa continuação das festas". E acrescentei: "Haveremos de sobreviver a mais um... Natal. A todos, festas felizes. Mas não se esqueçam de fazer competente... 'prova de vida' ".
LG
Luís
Aqui um artigo em português na Wikipedia
https://pt.wikipedia.org/wiki/FN_SCAR
A entrada em inglês é mais completa:
https://en.wikipedia.org/wiki/FN_SCAR
Luís eu é que te agradeço por teres tido a visão e seres o catalizador deste projecto de memórias
Meu bom amigo Juvenal (agora foi por extenso, para evitar más interpretações...)
Para mim, o que me importa, em relação a ti, é que estejas bem.
Que consigas superar os problemas que te têm afectado.
Que apareças por aqui (e noutros locais) a acrescentar mais-valias.
Que possas intervir com comentários a propósito e que ajudem a recordar e/ou a esclarecer.
Mas a vida também pode ter algum divertimento.
É nessa base, a da alegria, que às vezes (mas só às vezes) te chamo "Juve".
Sabes bem que respeito as opções dos outros. Religiosas, políticas, desportivas e até, vê lá, "sexuais".
Às vezes até "respeito demais" mas tem que ser assim.
Agora, "respeitar", não tem que ser "concordar".
Por isso, também algumas vezes, intervenho a pontuar discordâncias.
Portanto, fica descansado, que percebo a tua posição quanto aos "gostos desportivos".
Aqui, o que mais interessante havia para referir seria essa questão que chamei de "amor-ódio" à G3. Sobre isso tivemos a tua impressão, o poema e todos os comentários que foram feitos, bem assim como as "chamadas" para outros "posts" relacionados.
Já valeu!
Abraço
Hélder Sousa
Desculpa lá, Juvenal: não é Ku,é Ju...O J está juntinho ao K, que entrou há poucos anos para o alfabeto português (,era de 23 letras, acrescentaram-lhe agora o K, o W e o Y).
Caros Luís e Helder nada me faz melhor que uma palavra amiga, bem humorada bem como o contraditório que me faz sacudir a cabeça e funciona como exercício mental já que os outros estão por agora um arredados bocado ar Quanto aos trocadilhos futebolísticos bem sabem que resisto a meter-me nisso porque que entendo que o pior da bola está nos acessórios n no alimentar questões de Lana caprina que mantém a malta agarrada aos televisores um semana inteira por causa de 90 minutos de jogo.para mim é demais e uma vez que eu gosto de ver futebol torço sempre por quem está a jogar melhor se for o Sporting fico mais contente se não for paciência. Quando brinquei com o facto do sporting estar a meu ver a agir na direcção certa não quis atingir ninguém mas reconheço que os outros clubes de todas as ligas deveriam pensar bem no que estão a fazer. Ir ao futebol hoje com a família é uma ousadia que pode sair cara e é pena que os clubes não cumpram os deveres de cidadania que os engrandeceram. De resto os seus nomes não merecem serem arrastados na lama semana a semana. Estou escrever no telem por isso já lá devem ir uma dúzia de gralhas. Para terminar prezo que nunca interpretem mal as minhas palavras por eu não ter sido o brincalhão suficiente nas abordagens que faço. Quanto ao resto cá vou andando com a cabeça entre as orelhas. Abraços
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