sábado, 21 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20478: Os nossos seres, saberes e lazeres (369): Elogio do Penedo do Granada, do Zêzere e do Cabril (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Não se esconde o propósito de aliciar quem quer que seja a vir até ao Cabril do Zêzere, um local que não prescinde da sua carga mítica, com lendas e até artistas como Alfredo Keil e Luigi Manini que aqui se inspiraram para a trama e cenários de óperas. Diz-se mesmo que aqui houve fonte de inspiração para a Portuguesa, nada está confirmado mas é bom que tudo assim continue.
Este desfiladeiro assombroso, como não há outro em Portugal, só por pura ignorância não foi requisitado pelos produtores da Guerra dos Tronos, são fragas, córregos, penedias, tudo em tamanho gigante, as barragens disciplinaram o caudal do Zêzere, é habitualmente manso e o viandante assegura que não há mais silêncio tão profundo à solta como aquele que se desfruta do Moinho das Freiras a contemplar o rio rumorejante a caminho de Constância.
E como o Cabril é de encantos mil, qualquer dia voltamos ao assunto.

Um abraço do
Mário


Elogio do Penedo do Granada, do Zêzere e do Cabril (2)

Beja Santos

Não há em Portugal um desfiladeiro como este, o Cabril do Zêzere, bem perto da Barragem do Cabril, a funcionar depois de 1954, em pleno percurso médio do rio Zêzere. Aires Henriques e Nuno Soares no livro “Pedrógão Grande e o Cabril de Encantos Mil”, 2018, fazem alaude conveniente, registam o deslumbramento destas muralhas de quartzito silúrico ou de xistos muito duros, ninguém que por aqui passeie pode ficar insensível a estes penhascos gigantescos, nem na guerra dos tronos é tão intensa a força destas penedias. Ali perto da casa do viandante é a Foz de Pera, daí o privilégio que ele sente com aquela cumeada onde porventura, num dado assento, meditava um dos grandes vultos da oratória do seu tempo, Frei Luís de Granada, em frente temos outro maciço granítico, o dos Corutos. Vamos caminhar diretamente para a corrente do Zêzere, lá vai mansamente a caminho de Constância.


O viandante sai de casa, encaminha-se para o Moinho das Freiras, deixa para trás a Albufeira do Cabril, não o traz aqui nenhuma pescaria nem recriação náutica, nem achigã nem carpa nem caiaque, o que ele quer é mesmo passear, fazer este trajeto dramático até à Ponte do Cabril, a chamada Ponte Filipina. Estes caminhos de rocha granítica a declivar sobre o majestoso Zêzere têm odores oferecidos por arbustos, ervas e até terrenos cultivados, há urze, rosmaninho, trovisco, carqueja e muito mais; o viandante é assumidamente ignaro quanto às ervas, sabe que há o trevo, mas jamais reconhecerá a margaça, o saramago, o morrião ou a dedaleira. Aliás, quando percorre o Jardim da Devesa, aí sente-se bem, distingue tílias de criptomérias e loureiros. Quando faz com outros passeios em torno da Ribeira de Pera, está atento ao medronheiro, a salva, o lentisco, o pilriteiro, mas tem de ser ajudado, muito menos é capaz de saber o que é uma planta medicinal ou venenosa. Adiante.



Entrou-se no túnel a saltitar entre poças de lama, escorre água do teto e de várias fendas, há mesmo um gotejo de pequenas cascatas, e entra-se imediatamente nesse espetáculo das imponentes muralhas graníticas. Quem por aqui andou a viajar e a escrever fartou-se de encómios: Pinho Leal recordou o Cabril como “a mais formosa joia da Beira Baixa”, Raúl Proença considerou-o “um dos trechos mais arrogantes de toda a Europa, no seu género” e Guerra Maio, perante este cenário ofereceu-se dizer que era “tão áspero e abrupto como as margens do Coa e do Tua”. Este é o desfiladeiro de deslumbramento, pedras com líquen, tons de amarelo-torrado, por aqui se passeia e por vezes sem a consciência de que este rio não é fronteira nenhuma, serve igualmente os dois Pedrógãos, é um puro acidente da Natureza, os pedroguenses usufruem de toda esta beleza como terra sua, a despeito de um estar no distrito de Leiria e outro no de Castelo Branco. E assim caminhamos em direção à Ponte Filipina, entre tanta pedra abrupta onde desponta a vegetação resistente a frios álgidos e calores de fornalha.





Já se avista a Ponte Filipina, outrora teve uma grande importância estratégica em termos viários, como recordam os dois autores a que aqui se faz referência, está classificada como monumento nacional. Foi mandada edificar no período filipino (entre 1607 e 1610), serviu de esteio à rota dos peregrinos que, vindos do Sul e da raia com Espanha, buscavam Santiago da Guarda (no concelho de Ansião) e o eixo que melhor os podia conduzir à Galiza, até ao santuário de Santiago de Compostela. A ponte é toda construída em granito, mede 72 metros de comprimento, 26 metros de altura e apresenta três arcos. Até meados de 1954, data da inauguração da barragem do Cabril, foi o único ponto de passagem por léguas em redor, entre as terras ricas a Ocidente e as da raia com Espanha. Custou uma fortuna, 30 mil reis, o dinheiro veio escoltado por uma força militar, havia que acautelar aquele basto dinheiro da surpresa dos ladrões. Do lado de Pedrógão Grande, subindo o caminho, podemos ir à Senhora dos Milagres e do lado de Pedrógão Pequeno temos lá em cima a Senhora da Confiança, em ambos os pontos obtemos admiráveis panoramas sobre o Zêzere e grande parte da Beira, até à Serra da Estrela.




Mais tarde aqui se discorrerá sobre as lendas da região, como este território foi oferecido por D. Afonso Henriques, e daí os traços medievais que se podem encontrar no centro histórico de Pedrógão Grande, a partir do século XII aqui houve povoamento, igreja, explorações agrícolas, não faltam sinais da História antiga. Deixa-se para mais tarde a contemplação que o viandante faz da paisagem próxima que desfruta para a outra margem do Zêzere, já em Pedrógão Grande, o Mingacho, quando aqui chegou estava tudo carbonizado pela devastação de 2003, felizmente que a arborização regressou. Durante séculos aqui se viveu da agricultura, da floresta e da resina, inexoravelmente a partir da década de 1950, as gentes muito pobres, indiferentes às panorâmicas e miradouros, à imponência desses rochedos graníticos, quis virar costas à miséria, preparou a desertificação, hoje uma constante do Interior. Despedimo-nos do leitor mostrando as plantas extremosas que o cercam lá no alto do Bairro do Cabril, em Pedrógão Pequeno, e promete-se voltar ao convívio porque do Cabril os encantos são mil.






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Nota do editor

Último poste da série de 14 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20452: Os nossos seres, saberes e lazeres (368): Elogio do Penedo do Granada, do Zêzere e do Cabril (1) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Não sei se a barragem de Cabril, é ou não chinesa, e se também estará em venda para a mão dos franceses.

Eu não sei, mas espero que as barragens que estão para ser anunciadas para serem vendidas aos franceses, tenham dado primazia ao governo português nessa compra.

Claro que seria pelo menos uma pequena cortesia, já que nada é nosso.

Valdemar Silva disse...

Rosinha
Então o governo português privatizou a EDP e agora vai comprar as barragens?
Isso seria um bocado estatizante e lá vinham dizer que o estado não tem que ser dono de barragens.
Só se dessem prejuízo, mas isso é outra conversa.

Boas Festas

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz