quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20468: Notas de leitura (1247): "A Medicina na Voz do Povo", 3ª edição, de Carlos Barreira da Costa, médico otorrino, do Porto

1. O nosso editor jubilado, Virgínio Briote, mandou-nos  esta "nota de leitura", de um livro,"A Medicina na Voz do Povo", e que vai já na 3ª edição,  podendo ser comprada "on line" no Sítio do Livro: o preço de capa é 22,00 €. (Na FNAC parece estar esgotado.)

O autor, Carlos Barreira da Costa, é médico otorrinolaringologista, vive e trabalha na cidade do Porto.
Neste livro,  "sugestivamente ilustrado" (por Fernando Vilhena de Mendonça), ele decidiu  compilar, "com o contributo de muitos colegas de profissão" (...) "trinta anos de histórias, crenças e dizeres ouvidos durante o exercício da sua prática da medicina".


A medicina na voz do povo : 30 anos a ouvir : histórias, crenças e dizeres contadas a um otorrino / Carlos Barreira da Costa ; il. Circulo Médico, Fernando Vilhena de Mendonça ; pref. Júlio Machado Vaz. - 1ª ed. - Queluz : Círculo Médico, 2007. - 142 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-95314-1-3

Mais sobre o autor, Carlos Barreira da Vosta: fez o curso de medicina em 1970; tirou a especialidade de otorrinolaringologia, em 1976, no Hospital de São João. Desde 1983,foi especialista do serviço de ORL do Instituto de Oncologia do Porto (IPOP), e diretor do respetivo serviço de 2003 a 2007. Já está reformado do SNS. Faz clínica privada.

"Resultado dos seus muitos anos já dedicados à medicina, o otorrinolaringologista  português Carlos Barreira da Costa reuniu neste livro as frases e comentários mais bizarros – desconcertantes, mesmo, em muitos casos – usadas pelos seus pacientes e pelos pacientes de outros colegas de profissão. Com esta recolha, ilustra-se o recurso a crenças, expressões e palavras da fala popular por quem, não dominando minimamente a terminologia técnica mais adequada, consegue assim dar conta das suas queixas e padecimentos." 

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/atualidades/montra/livros/a-medicina-na-voz-do-povo/144 [consultado em 18-12-2019]

2. Com a ajuda de várias páginas  da Net e nas redes sociais, compilámos, com a devida vénia, uma amostra destas expressões, ordenando-as apenas por ordem alfabética, e reformulando alguns dos títulos das categorias temáticas. 

Para quem está interessado em aprofundar este tema das representações leigas do corpo, da doença, da medicina e das práticas médicas, recomendo a leitura de um conjunto de artigos meus, datados de 2000, e alojados na minha pessoal na Net, "Luís  Graça: Saúde e Trabalho".

Contra um visão iatrocêntrica  e etnocêntrica, os sociólogos, antropólogos e historiadores da saúde gostam de lembrar que não há só uma "medicina" (, muito menos a "ocidental") nem só um "modelo explicativo" de saúde/doença... No fundo, aquilo que designamos por "acto médico", desde a Grécia Antiga até aos nossos dias, não é mais do que a situação em que um indivíduo, que se considera doente, procura ajuda, colocando-se na presença de outro a quem atribui poder(es) para curar: pode ser o médico de bata branca, pode ser o curandeiro da aldeia. O que importa é a "relação terapêutica", a interação entre ambos, a necessidade e a expetativa de quem se sente doente (, por ter ou sentir uma dor ou uma anomalia na aparência ou no funcionamento do corpo), de ser tratado... Diagnóstico, decisão terapêutica e tratamento, ou seja, o conjunto do ato médico, variam conforme o tempo e o espaço, a sociedade, a cultura, a própria religião, e, claro, a ciência e as técnicas e as práticas médicas...

É uma boa sugestão de leitura, para o Natal, sobretudo, para gente como nós, que tem não só  a língua "cheia de Áfricas", mas o corpo todo, dos pés à cabeça... LG


I. As perturbações da fala que impacientam o doente:

"Não tenho dores, a voz é que está muito fosforenta".
"Na voz sinto aquilo tudo embuzinado".
"O meu pai morreu de tísica na laringe".
"Tenho humidade gordurosa nas cordas vocais".


II. As dores da coluna e do aparelho mísculo-esquelético, 
que são difíceis de suportar:


"Além das itroses tenho classificação ossal".
"É uma dor insepulcrável".
"Estou desconfiado que tenho uma hérnia de escala".
"Já tenho os ossos desclassificados".
"Metade das minhas doenças é desfalsificação dos ossos e intendência para a tensão alta".
"O meu reumatismo é climático".
"O pouco cálcio que tenho acumula-se na fractura".

"Tenho artroses remodeladas e de densidade forte".


III. O aparelho digestivo, que  origina sempre muitas queixas:

"Ando com o fígado elevado. Já o tive a 40, mas agora está mais baixo".
"Eu era muito encharcado a essa coisa da azia".
"Fiz uma mamografia ao intestino".
"Fizeram-me um exame que era uma televisão a trabalhar 
e eu a comer papa".
"Fui operado ao panquecas".
"O meu filho foi operado ao pence (apêndice) mas não lhe puseram os trenos (drenos), 
encheu o pipo e teve que pôr o soma (sonda)".
"O meu marido está internado porque sangra pela via da frente 
e pinga pela via de trás".
"Senhor Doutor a minha mulher tem umas almorródias 
que, com a sua licença nem dá um peido".
"Tenho pedra na basílica".
"Tive três úlceras: uma macho, uma fêmea e uma de gastrina".



IV. O diálogo com o paciente com patologia da boca, olhos, ouvidos, nariz e garganta
 é sempre um desafio para o clínico e para a comunicação clínica :

"A garganta traqueia-me, dá-me aqueles estalinhos e depois fica melhor".
"Fui ao Ftalmologista, meteu-me uns parafusinhos nos olhos a ver se as lágrimas saíam".
"Gostava que as papilas gustativas se manifestassem a meu favor".
"Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital 
e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido".
"Não sei se isto que tenho no ouvido é cera ou caruncho".
"O dente arrecolhia pus e na altura em que arrecolhia às imidulas infeccionava-as".
"Ouço mal, vejo mal, tenho a mente descaída".
"Quando me assoo dou um traque pelo ouvido, e enquanto não puxar pelo corpo, suar, ou o car...., o nariz não se destapa".
"Tenho a língua cheia de Áfricas".
V.  Os aparelhos genital e urinário são objecto 
de queixas muito... "sui generis"

"A minha pardalona está a mudar de cor".
"Apareceu-me uma ferida, não sei se de infecção se de uma f... mal dada".
"Às vezes prega-se-me umas comichões nas barbatanas".
"Fazem aqui o Papa Micau ( Papanicolau )?"
"O Médico mandou-me lavar a montadeira logo de manhã".
"Quando estou de pau feito....,  a p... verga".
"Quantos filhos teve?" - pergunta o médico. "Para a retrete foram quatro, senhor doutor, 
e à pia baptismal levei três".
"Tenho de ser operado ao stick. Já fui operado aos estículos".
"Tenho esta comichão na perseguida porque o meu marido tem uma infecção 
na ponta da natureza".
"Venho aqui mostrar a parreca".

VI. Os medicamentos e os seus efeitos, que se prestam às maiores confusões:

"Agora estou melhor, tomo o Bate Certo"  (Betaserc)
"Andei a tomar umas injecções de Esferovite"  (Parenterovit)
"Ando a tomar o Castro Leão" (Castilium)
"Ando a tomar o EspermaCanulado" (Espasmo Canulase)
"Diz lá no papel que o medicamento podia dar muitas complicações e alienações".
"Era um antibiótico perlim pim pim mas não me fez nada"  (Piprilim)
"Estava a ficar com os abéticos no sangue".
"Na minha opinião sinto-me com melhores sintomas".
"Ó Sra. Enfermeira, ele tem o cu como um véu. O líquido entra e nem actua".
"Quando acordo mais descaída tomo comprimidos de alta potência e fico logo melhor".
"Receitou-me uns comprimidos que me põem um pouco tonha".
"Tenho cataratas na vista e ando a tomar o Simião"  (Sermion)
"Tomei Sexovir" (Isovir)
"Tomei uns comprimidos "jaunes", assim amarelados".
"Tomo o Sigerom e o Chico Bem" -(Stugeron e Gincoben)
"Tomo uma cábulas à noite".
"Tomo uns comprimidos a modos de umas aboborinhas".

"Ando a tomar o EspermaCanulado" (Espasmo Canulase)
"Tenho cataratas na vista e ando a tomar o Simião"  (Sermion)
"Andei a tomar umas injecções de Esferovite" (Parenterovit)
"Era um antibiótico perlim pim pim mas não me fez nada" (Piprilim)


VII. O português que bebe e fuma muito e que se desculpa com frequência:


"Eu abuso um pouco da água do Luso".
"Eu sou um fumador invertebrado".
"Fujo dos antibióticos por causa do estômago. Prefiro remédios caseiros, a aguardente queimada faz-me muito bem".
"Não era ébrio nato mas abusava um pouco do álcool"
"Tomo um vinho que não me assobe à cabeça".

VIII. O que os doentes, afinal,  pensam do(s) médico(s):

"Especialista, médico, mas entendido!".
"Gosto do Senhor Doutor! Diz logo o que tem a dizer, 
não anda a engasular ninguém".
"Não há melhor doente que eu! Faço tudo o que me mandam, 
com aquela coisa de não morrer".
"Não sou muito afluente de vir aos médicos".
"Quando eu estou mal, os senhores são Deus, mas se me vejo de saúde,
acho-vos uns estapores".
"Também desculpe, aquela médica não tinha modinhos nenhuns".


IX. Os "problemas da cabeça", que  são muito frequentes:

"A minha cabecinha começa assim a ferver e fico com ela húmida, 
assim aos tombos,
 a trabalhar".
"Andei num Neurologista que disse que parti o penedo, o rochedo ou lá o que é...".
"Fui a um desses médicos que não consultam a gente, só falam pra nós".
"Há dias fiz um exame ao capacete no Hospital de S. João".
"Ou caiu da burra ou foi um ataque cardeal".
"Vem-me muitos palpites ruins, assim de baixo para cima...".
__________

Nota de leitura:

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os médicos são, naturalmente, grandes colecionadores (e contadores) de "anedotas"... médicas. Lembro-me desta, dos tempos, há mais de 30 anos, em que lidava com os médicos de família, nomeadamente no Alentejo.

Vai um homem, já velhote, à médica de família...Estava com problemas, próprios da idade, de disfunção eréctil... Como se sentia algo embaraçado perante a jovem clínica, balbuciou um pedido de medicamento para os seus males:

- Dotôra, um Pa...na...cê...tã...moli.

- Paracetamol ? Mas está com febre, dores, constipação ?