domingo, 15 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20457: Blogpoesia (650): "Igreja Matriz", "Palavras perdidas" e "Diametralmente oposto", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Igreja Matriz

Igreja velhinha de pedra, lavada
Das chuvas e neves mortais,
Erguida no pé de um monte que a natureza ergueu.
Torre sineira, esguia, ostentando a cruz,
Fonte de bênçãos.
Aldeia singela, perdida, nos longes da serra,
Longe do mar.
Banhada de sol e de azul.
Terra das gentes singelas.
Vivem do pão e do vinho
Que a terra lhes dá.
Sabem de cor as horas do dia,
Banhado de sol.
Puxam a pé seus carros de bois
Com lenha seca dos montes.
Aquecem o lar e cozem o pão.
Lavram os campos com arados e raviças de aço.
Colhem e secam as ceifas nas medas e eiras ao sol.
Festejam os santos e fazem promessas,
Rogando as bênçãos,
Afastados do mundo, mas voltados para Deus

Berlim, 8 de Dezembro de 2019
9h12m
Jlmg

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Palavras perdidas

Como folhas secas, cobrem o chão as palavras que os costumes e a moda desmaiou.
Perderam o sentido.
O tempo o matou.
Diversos os valores.
Diversas as cores que, hoje,
Vestem a vida.
Por vezes, inversas.
Se baralharam as palavras que os traduziam.
Definharam. Perdidas,
Jazem mortas no chão.
Tempos avessos. Os tempos modernos.
Modernidade estéril, utilitarista e Edonista.
Apegou-se ao estrangeiro.
Ergueu-se uma fronteira entre
Os maiores e a gente moderna.
Por isso morreram.
Não serviam para nada.

Berlim, 10 de Dezembro de 2019
13h20m
Jlmg

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Diametralmente oposto

Este mundo moderno atingiu alturas de desenvolvimento técnico impensáveis face às origens primitivas.
Se infiltrou nas profundidades dos saberes.
Dentro e fora do nosso corpo.
Perscrutou segredos na constituição da matéria e da vida quase divinos.
Se alcandorou aos remotos escaninhos do universo.
Trepou à Lua e Marte.
Viu a Terra doce e azul, uma bolinha a vaguear no mar do céu como as estrelas e os astros.

Mas errou na rota de valores que elegeu para viver.
Se prendeu à lama das riquezas ilusórias.
Ergueu altares ao deus-dinheiro e ao capital.
É cruel com os mais fracos e desprotegidos.
Abandona náufragos enquanto se banqueteia lautamente em palácios de vergonhosa ostentação.
Tomou o rumo diametralmente oposto ao da vontade de quem o criou...

Ouvindo Schubert
Berlim, 14 de Dezembro de 2019
10h17m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20426: Blogpoesia (649): "África negra das ventanias e vendavais", "Nem com Wagner..." e "Cataratas da minha terra", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro Joaquim, Portugal pode tornar-se um país "estranho", visto da janela da nossa infância... E, pior ainda, visto hoje de Berlim.

Tenho um amigo alemão, de Mûnster (onde, ao que parece, mais de 1 por cento dos cerca de 300 mil habitantes, que têm a nacionalidade ou são descendentes de portugueses...) dizia-me, peremtório, há tempos em Lisboa: "todos os meus antepassados diretos, pais, avós, foram nazis... Todos os alemães foram nazis. Não podiam deixar de o ser"... Eu sei que não é verdade, houve alemãs que pagaram com a vida a resistência ao nazismo... Mas é uma perceção arrepiante, a do meu alemão... Bom Natal, aí em Berlim, cidade aberta. Bom Natal, Feliz Natal, paz aos homens de boa vontade e coração grande como tu, numa altura em que o populismo, o nacionalismo, o racismo, a xenofobia... crescem na nossa querida Europa como um cancro galopante no tecido social... Estamos velhos, decadentes e aterrorizados....