sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22731: O cruzeiro das nossas vidas (31): a minha viagem (pacífica) no N/M Ambrizete, de 3 a 9 de novembro de 1970, com partida (atribulada) oito dias depois do programado (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)


N/M Ambrizete, navio misto, da SG, Grupo CUF

Fonte: Álbum dos Navios da Marinha Mercante Portuguesa (Publicado pela Junta Nacional da Marinha Mercante em Junho de 1958). Reproduzido aqui com a devida vénia...

Construído em 1948 na Inglaterra, tinha cerca de 138 metros de comprimento e 5500 toneladas de arqueação bruta. Deslocava-se a uma velocidade de 13 nós (1 nó = 1 milha náutica/hora = 1,852 quilómetros/hora), tinha 37 tripulantes e pertencia à SG, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, com sede em Lisboa (Grupo CUF). 

Recorde-se que a CUF - Companhia União Fabril estava representado na Guiné pela Casa Gouveia, adquirida na década de 1920 (1)... Eram cargueiros da SG como o Ambrizete que traziam para a Metrópole a mancarra com que a CUF fazia o seu famoso Óleo Fula (em 1929 conseguiu a autorização para produzir óleo alimentar, em regime de monopólio, e em clara concorrência, desleal, com os produtores de azeite) (*)

1. Texto enviado hoje pelo Helder Sousa (ex-fur mil trms,  TSF, Piche e Bissau, 1970/72):


A minha viagem para a Guiné no N/M “Ambrizete”



por Hélder Sousa


O nosso Amigo e Editor da “Karas”, da Tabanca do Centro, Miguel Pessoa, pediu-me colaboração com um texto para publicação. Entretanto, na procura de inspiração e de recordações, apareceu e li no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné” um conjunto de artigos e comentários sobre os navios que foram utilizados no transporte de tropas e de material e das memórias que isso concitavam (**).  A acrescentar, também o Amigo e Editor da Tabanca Grande, Luís Graça, me desafiou a relembrar a minha viagem com as suas particularidades.
Vinheta de propaganda da ARA,
referente à sabotagem do navio
de mercadorias Cunene, Lisboa,
em 26 de outubro de 1970.

Deste modo, juntando “as pontas” e as vontades, aqui me prontifico a fazer isso, tanto mais que as datas relacionadas não andam longe. Também devo referir que alguns aspetos da viagem, principalmente das circunstâncias anteriores à mesma, já foram referidos num dos primeiros artigos que escrevi para o Blogue e a que dei o título de “O último adeus”.

Começando pelo princípio devo dizer que a minha viagem, em rendição individual, estava marcada para
 a manhã do dia 26 de Outubro de 1970 (e ainda é a que figura na caderneta militar). Ora bem, como se podem lembrar, nessa madrugada ocorreu o chamado atentado ao N/M Cunene (**) e, nessa referida manhã, no Cais da Rocha, as dificuldades para os passageiros que deveriam tomar o transporte atribuído eram muitas. Não sei se por causa disso, não me recordo se foi ou não mencionado, a verdade é que o referido transporte, o N/M Ambrizete  estava ancorado no meio do Tejo e para lá chegar isso fazia-se nas lanchas da Sociedade Geral que serviam de comunicação.

O “Ambrizete” era um cargueiro que dispunha de 6 cabinas duplas, 
pelo que levava 12 passageiros, sendo 6 militares das Transmissões (3 Furriéis TSF e 3 TPF), ocupando no conjunto 3 cabinas; uma mãe, que a memória me sussurra ser cabo-verdiana, com 3 filhos,  ocupando 2 cabinas; e a restante era ocupada por dois civis, um homem já maduro que ia de contrato para ir trabalhar para a Tecnil e um outro, mecânico de automóveis, que não sei como, mas arranjou maneira de ir para a Guiné para fugir à perseguição que a sua mulher e o padeiro lá da terra lhe moviam a contas de uma alegada infidelidade conjugal entre ele e a mulher do tal padeiro, tendo a bordo
 apenas a roupa que tinha vestida, pois parece que não teve tempo para mais.

Na hora da despedida no Cais, o pessoal da lancha comentou baixinho para nós militares, que “não era preciso tanta despedida pois não íamos partir hoje”.

Ao chegar ao barco fomos convidados a escolher as cabinas e fomos informados que, devido a vários problemas, como por exemplo uma má distribuição da carga que fazia o barco adornar (inclinar) cerca de 13 graus a bombordo (à esquerda, tomando como referência a proa do navio) e também com uma avaria num dos frigoríficos. Não sei a que se devia a “má distribuição da carga”, se por o barco ter eventualmente largado o cais à pressa, devido à tal ação de sabotagem, para se colocar no meio do rio, ou por terem realmente depositado no porão vários materiais não tendo em conta os seus diferentes pesos, sendo que a carga era de natureza diversa, desde géneros alimentares (alguns chegaram lá à Guiné já em menores condições por não se ter conseguido colocar o frigorífico em boas condições), até bombas para avião, segundo disseram.

Pouco tempo decorrido da chegada a bordo, o cargueiro apontou à foz do Tejo, fazendo crer a quem estava no Cais que era a partida, mas na realidade o que se fez foi andar o resto da manhã e boa parte da tarde a “fazer agulhas” ao largo da baía de Cascais, com vista a tentar melhorar a distribuição da carga. Ao fim da tarde regressou-se ao ponto de partida e, como era 6ª feira, o Comandante do navio disse que quem quisesse podia ficar a bordo mas quem quisesse sair e passar o fim-de-semana em casa o podia fazer, pois durante o sábado e domingo não ia haver saída, mas com a condição de se voltar na 2ª da manhã.

Aqui voltou a haver aspetos que normalmente não aconteceram com a maioria dos que embarcaram nos diversos navios e que foi, por exemplo, o transporte gratuito entre as margens do Tejo nas lanchas que levavam pessoal para Cacilhas e ligavam a Lisboa, facilidades que utilizei.

Os meus outros dois camaradas TSF foram a Setúbal, a casa do Nelson Batalha, pois por coincidência nesse fim de semana o F.C.Porto, clube da simpatia do Manuel Martinho, jogava lá com o Vitória local. Voltaram na 2ª feira, conforme aprazado e já não saíram, a não ser umas escapadas rápidas a Cacilhas nas tais lanchas. 

Eu aproveitei para ir a Vila Franca surpreender e assustar a minha mãe e quando na 2ª feira, 29, voltei, disseram-me nos escritórios da SG que “podia voltar para casa, pois os trabalhos estavam demorados e o melhor era ir telefonando para saber quando seria”, coisa que fiz então diariamente até ao dia 3 de Novembro de 1970, quando recebi a indicação de que “era hoje à noite, e tinha que apanhar, o mais tardar, a lancha das 22:00”.

Durante esses dias do intervalo de tempo fiz várias coisas, sendo que no tal dia 3 de Novembro fui ver um filme no “Tivoli”, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni, com o título original em italiano “I girasoli” mas que foi intitulado em Portugal de “O Último Adeus”  e que tratava da busca de uma jovem italiana pelo seu marido dado como desaparecido, quando integrado num batalhão italiano que participava na invasão da Rússia pelas tropas alemãs na 2ª Grande Guerra Mundial. 

Em dada altura do filme vê-se o protagonista, o Marcello Mastroianni, caminhando num campo gelado e encontra alguns corpos congelados de camaradas seus e, quando tenta pegar num deles por um braço,  o mesmo parte-se como um pedaço de gelo. Nesta altura o filme interrompe-se para o intervalo e como já eram cerca das 17:00 horas, hora mais ou menos combinada com os escritórios da SG para o contacto diário da tarde, precipitei-me para o telefone do “foyer” e lá fiz a chamada, referindo com as cautelas necessárias para diminuir a identificação, mas sendo claro que se tratava “do militar que queria saber se a partida para a Guiné estava ou não prevista para hoje”. De lá disseram que sim, com referi no final do parágrafo anterior. 

Não me apercebi que se tinha formado uma fila de pessoas que também queriam telefonar e quando me voltei deparei com vários olhares de comiseração e de quem estava a “olhar para um morto”, pois por esses tempos a palavra “Guiné” era sinónimo de complicações….

Acabado o cinema,  fui jantar com a então minha namorada, num pequeno restaurante próximo de Santa Apolónia, que ainda lá está e que tenho ideia de se chamar “O Farol”, a seguir ela foi apanhar o comboio e eu o transporte para o Cais, onde a lancha me levou ao “Ambrizete”, houve mudança de turno e lá seguiu rumo à Guiné, agora com “apenas” 7 graus de inclinação.

Os meus companheiros de viagem já estavam ambientados, já estavam no barco há muito tempo, mas eu tinha acabado de chegar, vinha de uma despedida, vinha de um filme dramático e não estava com muita disponibilidade para grandes brincadeiras, grandes alegrias e por isso isolei-me, encostado à amurada, a olhar de modo a absorver tudo o que via para poder depois fechar os olhos e rever, e pensar no que o “destino” me poderia reservar.

Nisto, sou surpreendido pela presença do tal homem da Tecnil que me vem pedir para fazer “uma oração de despedida e de pedido de bom acompanhamento para a viagem”, pois os “sacaninhas” dos meus camaradas TSF, que se encontravam no deck superior a gozar a cena,  lhe tinham dito que eu era muito religioso e até tinha estado num Seminário…

Como me apercebi da tramoia,  não quis desiludir, nem tratar mal, o personagem, e lá o deixei contente e satisfeito, com a minha homilia, apesar de por esses tempos me encontrar militantemente afastado da Igreja.

Durante a viagem as refeições normais (geralmente muito boas) mereciam a companhia do Sr. Comandante do navio mas dada a falta de higiene do tal mecânico, que não tinha roupa para mudas, ele comentou haver um cheiro desagradável, o que fez com que se tivesse que “tomar medidas” e explorando a natural curiosidade do “nosso mecânico”,  houve quem o levasse a ver o “veio da hélice”, havendo então elementos da tripulação que aproveitaram para lhe proporcionar um banho de agulheta e depois, enquanto a roupa era lavada e posta a secar, houve que lhe emprestar alguma roupa interior, embora isso o obrigasse a ter as refeições no camarote.

A viagem em si mesma, ressalvando a tal inclinação a que nos habituámos depressa, correu bem. Tenho ideia que se navegou a 13 nós (não sei confirmar), que passámos por entre dois grupos das Ilhas Canárias, que aconteceu por várias vezes sermos presenteados com a companhia exibicionista de peixes-voadores e que durante a noite de 8 para 9 de Novembro ultrapassámos o “Carvalho Araújo” que seguia pachorrento com a sua “carga humana”, sendo que por isso chegámos a Bissau na manhã cedo do dia 9.

Ainda durante a viagem, por força do bom relacionamento e interação que se foi fazendo com a tripulação, numa das primeiras manhãs, aquando do que seria o pequeno almoço, perguntaram se não queríamos um “mata-bicho”. Pensando que se trataria de aguardente ou coisa assim, recusámos, mas lá nos explicaram que era uma refeição mais forte para o pessoal que saía de turno e que à hora do almoço estaria a descansar. Então venha de lá esse “mata-bicho”! Bem… recordo que o primeiro deles foi um “arroz à valenciana” bastante bom, o qual antecedeu então o café e o pão com manteiga habituais.

Pois, sei que nesses aspetos fui bastante beneficiado e protegido pelos “deuses”, com uma viagem quase particular, com uma cabina sem luxos mas funcional e apenas para duas pessoas, com refeições condignas, com a amável companhia do Comandante e suas palavras de conforto, nada comparado com os relatos das miseráveis condições em que viajaram inúmeros militares, principalmente os que tiveram a desdita de ocupar os porões “adaptados” dos navios, mas tendo sido essa a minha realidade, é essa que relato.

A aproximação à Guiné, na penumbra da pré-alvorada, com a visão da vegetação mal definida, o bafo quente que de lá vinha, os sons abafados que, entretanto, também chegavam, ajudavam a criar uma aura de mistério e de apreensão. Depois o barco ficou ancorado ao largo (mais uma vez),  deixando vago o cais acostável para o “Carvalho Araújo”, sendo que a passagem para terra se fez por meio daquelas espécies de pirogas, não sem que o Sr. Comandante se despedisse de todos e de cada um com simpatia e de modo a que o “Ambrizete” ficasse para sempre na memória.

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF


2. Informação complementar do editor:

Reproduz-se aqui, com a devida vénia, a sinopse do filme, acima referido, com a devida vénia ao CineCartaz do jornal Público:

O Último Adeus

Título original:I Girasoli

Género: Drama
Classificação:M/12
Outros dados: ITA/URSS, 1970, Cores, 96 min.

Foi com este I Girasoli que Vittorio De Sica realizou o primeiro filme ocidental rodado na URSS, uma história de amor entre as personagens de Marcello Mastroianni e Sophia Loren. Ela é uma mulher italiana que procura o marido dado como perdido em acção durante a II Guerra. A travessia faz-se por paisagens urbanas e campos de girassóis. Foi o filme mais famoso da dupla de actores. Texto: Cinemateca Portuguesa

Vd. aqui o trailer do filme I Girasoli (1970).
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de  2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

Vd. também poste de 14 de janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2438: História de vida (9): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)

(***) Vd. 16 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22722: A nossa guerra em números (5): o Vera Cruz, o Niassa e o Uíge foram, de um frota de 15 navios, requisitados à marinha mercante, os que asseguraram o transporte de 3/4, da tropa mobilizada para o Ultramar

15 comentários:

Anónimo disse...

Hélder Valério,
No teu artigo perguntas o que poderia ter acontecido se o barco tivesse largado com a carga mal distribuída. Tu e o tal agente da Tecnil poderiam ter tido a oportunidade de dar as mãos num último Padre Nosso. Nada de estranho nisso, afinal vocês eram católicos. Algumas vezes o fiz quando embarcado em “chocalhos” semelhantes. E fui sempre atendido!
Gostei deste teu testemunho, muito semelhante ao que aconteceu com o meu cruzeiro. Mas tive que mudar de “vapor”. O n/m Carvalho Araújo estava programado para me transportar as companhias açorianas 3326, 3327 e 3328 e ainda a madeirense 3325 no dia 5 de Janeiro de 1971. Aquele navio, naquela que afinal foi a sua última viagem a Bissau, sofreu um fogo na casa das máquinas e consequente avaria destas, sendo arrumado no Mar da Palha. O n/m Angra do Heroísmo substituí o Carvalho Araújo, e fiz a viagem naquela que foi a sua viagem inaugural como “cruzeiro turístico” militar de e para terras da Guiné. Só faltou as bandeirinhas a enfeitar aquela “besta marinha” como tantas vezes vira nas terrinhas açorianas.
Abraço transatlântico.
José Câmara

Valdemar Silva disse...

Hélder
A história do mecânico é que dava um bom filme à italiana.
E até se podia imaginar com um certo surrealismo: o homem casado que se meteu com a mulher do padeiro e ele próprio se auto condenou com a pena de degredo na perigosa colónia da Guiné, fugindo assim à ira da sua própria esposa e do padeiro enganado.
Nem o Camilo se lembraria de empolgante argumento, com um cargueiro inclinado devido a má distribuição da carga e com militares à espera de viagem para guerra.

Destas é que dá gosto recordar.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Hélder Valério disse...

Caro Valdemar

Podes crer que foi mesmo assim!
Aliás, esta história/recordação, embora tenha vários apontamentos que poderiam dar para outros desenvolvimentos, tem, nesse "pequeno" pormenor que referes, o miolo dela.
Realmente, e segundo ele nos contou, escapou por pouco à sova (e sabe-se lá que mais!) que a sua mulher e o padeiro enganado lhe prepararam. Desconfiou e resolver "dar de frosques" mesmo a tempo, segundo disse, apenas com o que tinha no corpo e algum dinheiro.
Tenho ideia que ao deambular sem saber bem o que fazer, encontrou o tal "velhote", regressado da emigração em França, com contrato para ir para a Tecnil para as obras de construção de estradas na Guiné e que o desafiou a ir também. E assim foi, só que não tenho memória se arranjou contrato, se foi à aventura para ser contratado lá, como foi paga a viagem, se foi dada autorização para a mesma (clandestino não foi, isso lembro).
Acho que a ideia era usar os seus conhecimentos de mecânica automóvel para vir a prestar serviço nessa área.
Quanto à história do "cheiro", isso foi mesmo combinado entre nós, após a observação do Comandante, e o resto foi como disse: roupa interior emprestada e na falta da roupa exterior ficou com as refeições no camarote, pois não se ia apresentar em cuecas na sala de refeições.
Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bolas, Hélder, tens uma memória de elefante!... As coisas, em pormenor, de que te lembres desses dias!... Já lá vão 51 anos!...

O mundo e o país deram muitas voltas, mas o restaurante snackbar Farol, ainda lá está, na R. Caminhos de Ferro, 106, Santa Apolónia... Será que ainda te lembras doq ue comeste nesse jantar, pouco romântico, de despedida ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Hélder, so as nossas "geografias emocionais"... Para os outros, podem pouco ou nada valer, mas têm para nós têm significado, ainda hoje... O filme que vimos no sítio tal, na véspera do embarque para a Guiné, a sandocha que comenos a correr no dia tal, antes de apanhar o último comboio num dia dramático qualquer em que morreu alguém que nos era querido...Vá-se lá saber por que é que a nossa memória é tão seletiva...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E lá fostes, muito melhor do que eu (que fui no "Niassa"...), para a Guiné, com tratamento VIP, no navio do coconote e da mancarra...

Essa história do mecânico de automóveis, que fugiu para a Guiné por não poder "ver o padeiro", é de antologia!...

E a propósito, é bom lembrar que haverá muitas histórias dessas... Afinal, a Africa dos brancos (Angola, Moçambique, África do Sul, Congo Belga...) era ainda um espaço de liberdade... para alguns. No nosso caso, "fugia-se" para Angola ou Moçambique para escapar ao controlo social e à paz podre que se respirava no Portugal bafiento de Salazar... "Fugia-se" pro razões de amor, mas também para escapar dos estigmas...

Tenho duas ou três histórias que me vêm à cabeça:

(i) o fotógrafo da minha infância, foi para Luanda, deixando cá estúdio e clientela e família: refez a sua vida, mas não sei exatemente o porquê, dizem que havia uma história de amor por detrás;

(ii) um primo do meu pai, depois de cumprida a pena de dois ou três anos, por abuso de confiança e desfalque na empresa onde trabalhava como guarda-livros, fez as malas e foi para a Angola; a filha, que era linda de morrer, hospedeira de bordo, morre num acidente aéreo; desgostoso e divorciado, parte para Moçambique, onde constitui nova família, fica lá depois da independência, volta muitos anos depois, radica-se no Norte, perdi-lhe a vista, mas já morreu há muito;

(iii) uma outra foge com um gajo casado...Enfim, na África branca podia recomeçar-se da estaca zero, uma nova vida!...

Anónimo disse...

Como eu vos invejo.
Quase todos tiveram direito a um magnífico cruzeiro.
Até isso negaram ao Tigres do Cumbijã.
Tivemos direito a uma viagem de avião com hospedeiras de bigode.
Uns nascem com o “coiso” virado para o Sol (como o S. Gonçalo de Amarante)… outros não!
(desculpem a brejeirice)
Joaquim Costa

damaso disse...

Eu pertenci à FAP e fui um sortudo nas minhas 5 comissões em Africa, viajei sempre de avião.
Tive um irmão que fez a comissão de serviço em Macau viajou de Paquete.
Quem viajou no Infante Dom Henrique?
Este baco teve história, fez a ultima viajem a Moçambique em 24-12-75 regressou com refugiados e militares. Em 1976 foi colocado na Doca de Sines transformado em Hotel alojamento, mais tarde mudou de nome para Vasco da Gama e não ficou por ali.
Lembro-me de passar muitas vezes por Sines e de o ver lá.

Valdemar Silva disse...

Damaso
Julgo que o "Infante Dom Henrique" esteve em Sines até 1986, com todas as luzes acesas via-se em Porto Covo.

Na célebre canção "Porto Covo" ouvimos o Rui Veloso:
"............
Ao longe a Cidadela do navio
Acende-se no mar com um desejo
Por trás de mim o bafo do destino
Devolve-me à lembrança o Alentejo
............"
Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, é preciso vir ao blogue para aprender certas coisa...Não relacionava a belíssima letra da canção "Porto Covo", do Rui Veloso,com Sines nem com a presença do N/T Infante Dom Henrique, transformado em hotel flutuante... Obrigado.

Hélder Valério disse...

Olá camaradas

Mais algumas achegas.
Luís, a memória não será bem "de elefante" mas mais selectiva.... aliás como referes num dos comentários.
Realmente há coisas que me lembro com bastante pormenor, pessoas, situações, até cheiros e cores. Mas outras há, que nada disso.
Por exemplo, recordo bem a minha primeira viagem para Piche. De avião até Nova Lamego (Gabú) e depois de algum tempo lá (um dia? dois dias?) lá segui na coluna militar do pessoal do Batalhão BCAV2922. Recordo que na noite (1ª e única?) que passei em Nova Lamego, apesar de já se estar em Dezembro e haver a ideia comummente aceite que a época das chuvas eram, grosso modo, de Maio a Outubro, ocorreu uma trovoada "daquelas" que todos nós bem conhecemos. Parecia que vinha tudo abaixo!
Quando vim a Bissau, em Abril de 1971, tratar das coisas necessárias para equipar o Posto para as Transmissões do STM, após a sua conclusão, lembro da coluna militar em que me integrei passando por Nova Lamego, Bafatá, Bambadinca, até ao Xime. Aqui apanhei a "Bor" e fui até Bissau pelo rio "Geba". Não vou referir pormenores dessas viagens, até porque tenho ideia de já o ter feito. Mas depois regressei a Piche e após a passagem de testemunho fui de vez para Bissau mas, lá está o seletivo, não recordo nada dessas duas viagens.

Quanto ao jantar de despedida também não tenho grandes certezas, mas acho que deve ter sido o "velho bitoque".
Quanto aos vários aspetos abordados no meu texto, é bem verdade, como referi ao Valdemar, que alguns deles podiam ser mais desenvolvidos, para além da história do mecânico, mas o texto já ficou bastante extenso.
Quanto ao "lamento" do Joaquim Costa compreendo-o, mas nada posso fazer! Aliás, eu próprio reconheço que fui bafejado pela sorte, neste caso como em outros, mas também fiz por isso...
A propósito... e pensando bem... acho que a viagem por barco, com cerca de 6 dias para a Guiné, descontando todas as incomodidades para os que tiveram a desdita de as ter, eram muitos úteis para nos irmos "habituando à ideia", ao passo que o avião não dava tempo para mudar o "chip". Num instante estava-se em Lisboa, no instante seguinte (uns pares de horas apenas) estava-se na Guiné!

Hélder Sousa

Anónimo disse...

Hélder, foi isso mesmo. Um choque. Em meia dúzia de horas saímos da então Portugália, no centro de Lisboa, comendo umas batatas fritas com belas imperiais e quando quando demos por ela já estávamos a caminho do Cumeré com ranchos de mulheres africanas no caminho com os seus filhos às costas e seios desnudados!

Meus caros Luís e Valdemar. Antes de falarmos de Rui Veloso, devemos falar de Carlos Tê.
Sem este aquele não existia, artisticamente falando.

Um abraço e vão dormir que está na hora
Joaquim Costa

Valdemar Silva disse...

Costa
Essa de falar nas batatas fritas da Portugália, nem te passa pela cabeça as vezes que "fechei a loja" quase todas as noites de 1964 a 1972, com "descanso" do tempo da tropa, da Portugália junto da Praça do Chile em Lisboa. Era a minha zona, morei lá próximo de 1956 a 1972.
'Tá bem a letra de "Porto Covo" e quase todas as outras que ouvimos catadas por Rui Veloso são do genial Carlos Tê. Aquela do "Fado do Ladrão Enamorado" cantada por um brasileiro (Pierre Aderne-Caboclo) ao som de pandeiro, violão e clarinete é de ouvir e chorar por mais.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

Unknown disse...

Também lá estive em 73 e 74 (Esquadrão de Cavalaria 8840) e porque o natural da vida é irmos partindo, que haja sempre quem lembre o passado da guerrilha colonial que, por via de uns trocos que os ex combatentes devem receber, os sucessivos governos tentam esquecer. Um abraço a todos os ex combatentes. (Carmindo Bento)


Anónimo disse...

Também lá estive em 73 e 74 (Esquadrão de Cavalaria 8840) e porque o natural da vida é irmos partindo, que haja sempre quem lembre o passado da guerrilha colonial que, por via de uns trocos que os ex combatentes devem receber, os sucessivos governos tentam esquecer. Um abraço a todos os ex combatentes. (Carmindo Bento)