sábado, 20 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22734: Os nossos seres, saberes e lazeres (477): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (25): Museu Nacional do Traje: uma viagem do estilo Império aos nossos dias, com leques e cartolas (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
Neste museu podemos circular pelos sistemas da moda ao longo de mais de dois séculos, há a impressionante riqueza do património alusivo ao estilo Império mas as indumentárias do estilo romântico até praticamente aos nossos dias estão bem expostas e num cuidado enquadramento com adereços e atavios que até despertam apetite para ir ver uma exposição singela, profundamente didática quanto ao uso que as diferentes classes sociais exibem no que põem na cabeça e de como se abanam. Se já fomos ao Palácio do Monteiro-mor com os seus belos jardins, se já percorremos o Museu Nacional do Traje e o Museu Nacional do Teatro, vamos agora dar um salto até ao concelho de Oeiras e falar de poesia, logo dos poetas que falam português e que têm outras nacionalidades.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (25):
Museu Nacional do Traje: uma viagem do estilo Império aos nossos dias, com leques e cartolas


Mário Beja Santos

No catálogo de uma prestigiada exposição que ocorreu em 1992 no Museu Nacional do Traje e intitulada O Traje Império (1792-1826) e a sua época, a diretora do museu, Madalena Braz Teixeira, justifica na apresentação o porquê da valiosa coleção de traje Império, são em parte peças provenientes da Casa Real, transferidas após a queda da monarquia para o Museu Nacional de Arte Antiga, então designado como Museu de Belas-Artes. E observa igualmente as razões do acervo:
A permanência desta indumentária em território nacional está ligada a duas travessias do Atlântico: a primeira, motivada pela partida da família real para o Brasil, em 1807, deixando parte do seu guarda-roupa nos palácios reais e a segunda, devida ao apreçado regresso de D. João VI a Portugal. As vestes reais trazidas nas bagagens do rei, foram de imediato guardadas pois se encontravam irremediavelmente fora de moda. Reunidas ou não pelo grande amador das artes e antiguidades que foi D. Fernando II, o certo é que a coleção da Casa Real se encontrava em 1910 no Palácio das Necessidades. Este traje de corte ganhou o favor de objeto museológico, foi depois transferido para o Museu dos Coches onde se encontravam librés e trajes de cocheiros e sotas.

Deste traje Império já aqui se fez referência, marca uma rotura substancial com as indumentárias até então proeminentes, aboliu-se a cabeleira postiça, a profusão dos atavios e o uso de calções, no masculino apareceram as calças compridas e desapareceram as rendas dos punhos, o vestido rompeu com as formas rococó, passou a ser vincadamente neoclássico, recriou a moda grega e romana, tendo optado pela silhueta evocadora das vestais: linhas direitas, cintura alta, tecidos transparentes. A indumentária masculina virilizou-se, a feminina assume os novos tempos com grande liberdade, não há nem barbas de baleia nem anquinhas. Em Portugal tudo isto foi um processo marcado pela lentidão, D. Carlota Joaquina ainda sonhava com o passado, apresentava-se em público com tecidos indianos, o que já não acontecia nem em França nem em Inglaterra.

Como docente que fui em matérias de consumo, era obrigatório, sobretudo com o advento da industrialização, ir observando as modificações do gosto e os imperativos da moda em função quer das alterações sociais e dos respetivos estatutos, dá-se inclusivamente mudanças significativas no romantismo que envolvem a casaca, o calção, o colete, os lenços, a camisa de peitilho, o desaparecimento do bicórnio, depois do estilo Império o colete de abas e casaca modificam-se, o próprio calçado se adapta à calça longa e os símbolos inerentes às bolsas de senhora, luvas e leques, mesmo os xailes e a própria ourivesaria, registam novos códigos, dir-se-á que do romantismo se avançará para uma simplificação da indumentária que mudará completamente de look e natureza logo no fim da I Guerra Mundial. É esse o prazer que sinto com este percurso museológico e museográfico tão bem adaptado à compreensão de como evoluímos no gosto de vestir e cuidar da aparência nos últimos dois séculos
.


Importa não esquecer que estamos no Palácio Angeja-Palmela, não visitaremos nem cozinhas nem quartos mas podemos contemplar a capela e ali ao pé uma bela vitrina de objetos religiosos, obviamente que interessa dar atenção ao vestuário das imagens, elas também mudam e sofrem as vicissitudes do gosto.
Irrecusável não fotografar este atavio feminino, marca de distinção, é publicidade da Casa Mimoso, reporta-se ao inverno de 1908-09, as plumas marcam sensação, veja-se a figura central, o manifesto cuidado em mostrar o colo de graça e ombros enchumaçados.
Muito provavelmente vestia-se assim ao tempo de António Feliciano de Castilho, Júlio Dinis ou Camilo Castelo Branco, os tecidos podem ser ricos, há as reminiscências do estilo Império, encontraram-se formas de introduzir elementos na sobriedade, no homem a calça e a casaca chegarão ao século XX, com adaptações, é traje para qualquer cerimónia, a aristocracia e a burguesia rica vestem assim inclusivamente à mesa.
É para isto que serve a pedagogia da exposição, ao fundo um quadro de Veloso Salgado anuncia três gerações e complementarmente vamos vendo a evolução da moda, dos sapatos, dos chapéus, dos atavios. A saia vai subir, vão desaparecer os corpetes.
Chegamos aos Anos 20, vestidos para dançar o Charleston, todo este vestuário começa a ganhar multifuncionalidade, já não estamos nos tempos da rainha D. Amélia que era obrigada a mudar várias vezes a roupa por dia, de acordo com as obrigações. E décadas depois, a Coco Chanel imporá uma linha revolucionária, o tailleur, o saia e casaco, morreu a obrigação da mulher sair do trabalho e ter que ir a casa pôr outro vestuário para ir ao jantar mundano ou ao teatro.
Não é por acaso que se mostram aqui os chapéus, dentro em breve iremos a uma exposição de leques e chapéus, desapareceu a cabeleira farfalhuda, é um corte simples que permite um chapéu quase touca, marca um fenómeno de graciosidade, vai ser assim até aos anos 30 e mesmo 40, é um atavio que rapidamente marca o código social. No fundo, já estamos no século da mulher, são penteados e chapéus que anunciam uma visão da liberdade.
Um belo mostruário das mudanças operadas pouco mais de um século
Estamos agora na exposição, patente num anexo do Palácio Angeja-Palmela, com imensa simplicidade e buscando uma apreensão clara entre o que se veste, o que se põe na cabeça e o adorno que será sempre cúmplice das diferentes camadas burguesas – o leque, iremos percorrer os grupos populares do continente e ilhas, a importância do chapéu e do leque ao longo de décadas, e quais os seus códigos de representação, até chegarmos a uma vitrina com um mostruário multicultural, a eloquência das imagens e o elucidativo dos objetos permitem ver esta exposição e captar a simplificação do nosso tempo, a despeito de que a moda não morreu e está sempre a dar nas suas contorções as mais vibrantes provas de vida.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22715: Os nossos seres, saberes e lazeres (476): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (17) (Mário Beja Santos)

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